RUGIDO VERDE

O depoimento de Ricardo Gonçalves teria sempre um de dois méritos: ajudar a perceber algumas partes mal contadas ou demonstrar cabalmente o quão rebuscado é todo este caso. Curiosamente, acabou por ter ambos.

De notar, também, que a CS prefere relatar mais a inquirição do MP e menos a dos advogados de defesa. Portanto, o contraditório vê-se sempre tolhido. A somar a isto, há ainda uma completa distorção, propositada, na elaboração das peças jornalísticas. Quando não retorcem o que foi dito, recorrem a meias-verdades e insinuações. Dois exemplos, entre muitos…

Agora, fora das “letras grandes” dos jornais (e por acaso do mesmo jornal) e do sensacionalismo das reportagens, o que realmente foi dito:

Na verdade, há um pequeno erro nesta segunda narração, não foi apenas o “amanhã estaremos em Alcochete” que foi interpretado dentro do seu contexto pelo colectivo, mas também o “aconteça o que acontecer”, como se pode deduzir pelas palavras da testemunha.

De salientar que naquela reunião estiveram presentes várias pessoas, o que dificulta bastante a fuga à verdade. Por outro lado, não nos esqueçamos do que disse Miguel Matias, é por interpretações descontextualizadas e fantasiosas como aquelas, que Bruno de Carvalho está a ser julgado.

Mas, avancemos para mais declarações de Ricardo Gonçalves. E repare-se como um detalhe pode fazer toda a diferença, na perspectiva do que é esperado de um director de segurança.

Só nos ocorre perguntar: quem é que está assinalado na figura abaixo e o que se pode ler na legenda, que corresponde rigorosamente ao que foi dito?

Podem ver todo o vídeo aqui, caso tenham dúvidas.

Convenientemente, Ricardo Gonçalves “não” viu, ou ouviu, nada de especial no aeroporto da Madeira, algo que lhe sugerisse o reforço de segurança. Só assim se pode explicar as seguintes declarações:

Portanto, após o primeiro telefonema (que anteriormente afirmou ter acontecido às 16h44), Ricardo Gonçalves ficou preocupado pela visita não ter sido “planeada nos moldes habituais”, contudo, não tomou qualquer medida.

Nem mandou fechar o portão, tendo cerca de vinte minutos para o fazer, nem colocou os jogadores em local seguro, quer após a primeira chamada com Bruno Jacinto, quer aquando da ligação de Rui Falcão. É de recordar que Rui Falcão lhe ligou assim que entraram os primeiros invasores.

Mais intrigante ainda:

Segundo as palavras do próprio director de segurança, é norma interna avisar as autoridades sempre que se saiba da ida de adeptos a Alcochete. O mesmo Ricardo Gonçalves disse não ter informação exacta do número de adeptos, mas que, dado o histórico, seriam 20, 30, ou 40.

E quando é que o Ricardo Gonçalves soube da ida dos adeptos? Oficialmente, aquando do primeiro telefonema mantido com Bruno Jacinto, ou seja, antes das 17h00 (às 16h44 ou 16h55, consoante a versão…). Telefonema esse no qual terão sido apontados os nomes de Acuña, Rui Patrício e Battaglia como potenciais alvos.

Portanto, no mínimo, Ricardo Gonçalves não cumpriu uma norma interna do clube. Sabendo nós que o director de segurança presenciou a altercação no aeroporto, não seria de esperar que, assim que falasse com Bruno Jacinto, juntasse as peças e tomasse as mais básicas providências?

Não sabemos que lugar inacessível teria em mente Ricardo Gonçalves quando falou desta “teoria”, mas sabemos que na “prática” qualquer jogador do SCP é muito mais rápido do que um bando de invasores, sobretudo tendo em conta a distância entre o portão de entrada e o acesso aos balneários. E, já agora, o passo a que seguia o grupo de agressores.

Também não se lembra da hora de accionamento do alarme (que, segundo ele, destrancou as portas), nem se o mesmo foi accionado novamente mais tarde. Poderá parecer um pormenor, mas de seguida já veremos a relevância.

Sobre a questão das portas, afirmou que a de acesso ao balneário foi destrancada pelo alarme de incêndio (tal como a tese da GNR). E quanto às outras?

A explicação é a que podem ver acima, quase dispensa comentários. Além de repleta de amadorismo, não coincide sequer com as imagens do circuito de vídeo-vigilância.

Ainda sobre a vídeo-vigilância, comparemos o que sabia o vigilante da entrada da Academia e o director de segurança.

Um afirma com certeza e precisão, outro, o responsável pela segurança, nada sabe, nada viu, não lhe passava pela cabeça, a memória falha…

Vejamos agora como Ricardo Gonçalves se apresenta e comparemos com o que foi abordado até aqui.

Um militar treinado, com experiência de 4 anos no Serviço de Informações e com formação superior na área da Segurança, que por acaso era só o director de segurança da Academia, poderia ser assim tão incompetente?

Nós achamos que não. E, pelos vistos, a direcção de Frederico Varandas, tão obcecada com a segurança, também acha. Ou não fosse agora este funcionário, o responsável pela segurança do estádio.

E alguns advogados pensam exactamente o mesmo. A fronteira entre as mentiras e as contradições, e a omissão, é bem ténue. E só neste pequeníssimo excerto de depoimento mostrámos uma mão cheia de mentiras.

Sendo uma peça da acusação do MP e vendo como tudo foi gerido, é fácil perceber como Ricardo Gonçalves passou como testemunha. O que já não é tão simples de entender é que não volte a entrar com o estatuto de arguido.