Julgamento de Alcochete VIII – As Comendas e as Encomendas
Quem vem acompanhando o desenrolar do julgamento, certamente já reparou na incrível semelhança entre alguns testemunhos e o exacto teor do despacho de acusação do MP. Desta vez foi longe demais, mas felizmente o detector de lana caprina do Monsanto estava ligado.
O senso comum diz-nos que não é natural um testemunho conservar toda a riqueza de detalhes quando prestado em ocasiões distintas. As pequenas discrepâncias até podem ser o melhor teste à verdade. Quando várias ideias são replicadas com inusitada precisão, é sinal que se está a sair da esfera da normalidade.
Leiam com atenção o seguinte ponto da acusação assinada por Cândida Vilar, retendo o sublinhado (nosso):
E comparem agora com o que disse Rui Patrício, quando instado a comentar o que queria dizer com “comportamento estranho” (a negrito questões da procuradora):
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– Foi estranho, o comportamento.
– Mas o comportamento de quem, refere-se ao comportamento de quem?
– Do Bruno de Carvalho. Em relação ao que se ‘tava a passar. Ou seja, em relação ao que, com as duas últimas reuniões, em relação ao que ele tinha dito nos posts, na entrevista, processos disciplinares, ou seja, já havia relação com o presidente, já…anteriormente…
– Mas porquê? Num tom mais conciliador, era isso? Num tom mais… conciliador, pergunto eu?
– (..) E depois também disse: “Aconteça o que acontecer, vocês vão ‘tar bem para jogar na final da taça? Isso é o mais importante, eu quero saber se vocês vão ´tar bem para jogar na final da taça, isso é o mais importante.” Depois vira-se para o Acuña e diz: “Acuña, porque é que fizeste isso? Logo ao chefe da claque. Tenho um problema tremendo para resolver. ‘Teve-me a ligar a noite toda, mas eu vou tentar resolver a situação. Se algum de vocês tiver algum problema, ligue para mim, ou pr’o Geraldes, que nós estamos aqui para vocês.”
(transcrição da inquirição de Rui Patrício pelo MP)
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Surgem aqui várias questões. Primeiro, há que louvar a coerência dos jogadores e a capacidade de aprenderem uns com os outros: depois de copiarem cartas de rescisão, copiam também depoimentos. Rui Patrício vai até mais longe, e como diria Rogério Alves, foi beber directamente à fonte. Se o Chico Geraldes lia Saramago no banco de suplentes, já o livro de cabeceira do Rui Patrício deve ser o despacho de acusação da Cândida Vilar, com prefácio de Rui Pereira e posfácio de Jorge Mendes.
E se a correspondência ipsis verbis diz tudo, fiquem cientes de que a entoação, ritmo e inflexão de voz, não passariam em claro nem aos mais distraídos. A prosa mecanizada faz lembrar aqueles vídeos em que jovens youtubers forçam as avós a decorar textos. Soou tão genuíno quanto o discurso de frete dessas simpáticas senhoras.
Por outro lado, se é pouco razoável que Rui Patrício se interesse pela leitura de peças processuais, então somos forçados a concluir que teve de treinar mais vezes aquele discurso do que as saídas de entre os postes. Alguém lhe diga que, num e noutro caso, o treino surtiu poucos efeitos práticos. Foi tão desastrado no depoimento, como aqueles voos no vazio à procura da bola.
De registar, ainda, as sempre temíveis palavras “se precisarem de alguma coisa, liguem-me”. Convenhamos, sempre que alguém ouve tamanha cortesia, fica de cabelo em pé! Quem nunca desconfiou da malícia com que colegas, amigos ou a família, dizem isto? Por vezes, até estranhos! A última vez que uma simpática padeira assim me falou, nunca mais lá fui, barriquei-me em casa uma semana e ainda avisei a PJ. Pumba! Que é para não ter ideias de me esmurrar com uma regueifa ou esbofetear com um pão-de-ló.
Por outro lado, a prodigiosa memória de Rui Patrício permite-lhe que tenha estas imprecisas afirmações (a propósito da animosidade, ou não, do estádio para com o ex-presidente):
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– Lembra-se de alguma coisa anormal, anormal não, porque isto já é qualificativo, mas uma reacção mais barulhenta do estádio?
– Não, não me lembro de nada, assim de…
– E no final do jogo?
– Não.
(transcrição da instância de Miguel A. Fonseca)
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Como imagens, e nestes caso sons, valem mais do que mil palavras, assistam ao vídeo abaixo. De resto, esta cristalina memória (e outras) de Rui Patrício foi estilhaçada pela juíza e advogados.
Já que falamos de “encomendas”, falemos também de comendas. Respondeu assim o condecorado Jorge Jesus, logo no início da sua audição:
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– O senhor viu alguém nessa altura… alguém do Sporting, algum funcionário do Sporting, algum segurança, a tentar barrar-lhes a entrada, por exemplo?
– Não, não vi ninguém a barrar-lhes a entrada. O único que tentou barrar-lhes a entrada fui eu.
(transcrição da inquirição de Jorge Jesus pelo MP )
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É possível que Jorge Jesus esteja a exagerar um bocadinho, vamos ver se esta teoria se confirma. Também não vale a pena duvidar já do senhor comendador…
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– Enquanto o senhor ia atrás deles, viu se eles tinham alguma coisa na mão, algum objecto de agressão?
– Não, isso eu não vi, eu não…eu não…eu só os vejo a sair, não os vejo, não os vejo…a entrar.
(transcrição da instância de Miguel A. Fonseca )
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Confuso? Não. Assim como Jorge Jesus conheceu e entendeu a mística do Infante D. Henrique por atravessar uma avenida com aquele nome, lá no Rio de Janeiro, é possível que nesta vinda a Lisboa possa ter passado perto do Júlio de Matos. E captado a mística da loucura. Só isso pode explicar que alguém que “estava a 120 metros” da entrada da ala profissional, que foi atrás dos invasores, e que os encontrou já de saída, possa afirmar que lhes tentou barrar a entrada. Normalmente, esta loucura temporária passa com o pedido de visionamento das imagens do CCTV.
Já a resposta à pergunta de quais os jogadores que recusaram falar com Bruno de Carvalho após a invasão, ficou sem resposta cabal.
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– Há um momento em que o senhor diz que os jogadores, lá no dia da invasão da academia, que nenhum jogador queria falar com o presidente…qual foi o jogador que lhe disse que não queria falar com o presidente?
– Em primeiro lugar boa tarde. A segunda… qual foi os jogadores, qual foi os jogadores que…que…não queriam, portanto, conversar com o… com o presidente…os capitães de equipa!
(transcrição da instância de Miguel A. Fonseca )
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Antes de tudo, é de assinalar que a comenda recebida por Jorge Jesus lhe tenha trazido cavalheirismo. O homem agora liga à etiqueta e aos bons costumes de forma minuciosa. Mais uma medalha e fica uma Paula Bobone em potência. Infelizmente, para lhe estalar o verniz e fugir o pé para o chinelo, basta uma pergunta mais incómoda. Afinal, um vintém é um vintém e um cretino é um cretino.
E é essa a explicação (em parte) para que não possamos saber os nomes dos jogadores que não quiseram falar com Bruno de Carvalho. Após essa pergunta gerou-se a confusão, a juíza teve de intervir, mediou o conflito, fazendo de “tradutora”, mas na verdade a questão acabou por não ser respondida cabalmente. Primeiro eram os capitães, depois não eram os 2, mas sim eram os 5 capitães, no final já eram todos os jogadores. Se o assunto fosse falado durante mais 5 minutos, é certo que ficaríamos a saber que foi o Dalai Lama quem proibiu os jogadores de falar ao presidente.
Aliás, não foi só esta questão que ficou em aberto. O suposto e-mail das suspensões, o tal que Rui Patrício disse ter, também não apareceu. Quanto a isso, temos uma ideia, mas não vamos estragar a surpresa, fica para a próxima.
E o Dr. Scumbag e a sua seita de golpistas, até agora, sempre a passar entre os pingos da chuva…
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