RUGIDO VERDE

Levantar e levantar de novo, até que os cordeiros se tornem Leões!

Sexta-feira, Abril 19, 2024

Neste dia, em 1980, o Sporting vence em Guimarães (0-1) e garante praticamente o título


Sporting: afinal, mais de quatro jogadores

Por Neves de Sousa

Muitos anos de futebol não chegam para dizer: já vi tudo. Ontem, pelo olhar do cronista, desaguou toda uma recordação velha dos tempos, sem jamais encontrar paralelo para aquela multidão de muitos milhares que subiam até Guimarães para, na terra-berço, embalar para a maioridade o futebol sportinguista. Quantos «leões» (o mais pacificamente possível) invadiram a cidade minhota? Ninguém poderá afirmar, tantos foram os comboios, as camionetas, os automóveis, as motos, as bicicletas, os que zarparam de avião ou desceram dos montes à conquista da grande alegria que lhes fugia há seis anos. No fim de contas, o fundamental é que foi essa generosa e fabulosa massa de adeptos que, dando um tom menos que neutral ao relvado vimaranense, encaminhou os leões para a última etapa que conduz ao título: hora e meia mais e tudo poderá ser uma festa longa de certos recalques, algumas frustrações, mas imenso de orgulho próprio e bastante mais de recolha de um fruto semeado e cimentado entre muitas horas de trabalho e outras tantas de sacrifício.

Deputado sofre

Portanto, a primeira palavra, em torno do êxito sportinguista em Guimarães, terá de ir (por inteiro) para aquela mole imensa de gente que tomou de assalto Guimarães e, engalanando de verde todos os caminhos que conduziam ao municipal recinto futebolístico, incentivou Manuel Fernandes e seus comandados para uma proeza que mora somente a 90 minutos do risco branco. E valerá a pena dizer, a título de curiosidade, que pela primeira vez notámos um deputado (Luís Coimbra, do PPM) mais larga cota da sua família, nas ruas do burgo vimaranense segurando aos ventos uma bandeira que, nada confluindo para o azul da realeza, era verde e branca e espalhava-se por 30 metros quadrados bem aferidos. Um painel que era (afinal) cópia-padrão de outros milhares. Tantos que era um mar a deslizar, entre cânticos, buzinadelas, bombos, gaitinhas, cometins, gorros, vivas, cachecóis, amuletos, cruzes, camisolas, calções, chuteiras, tudo o que era verde ou significava crença. Um espectáculo insólito, mas que (de prejudicial) apenas provocaria uns desmaios e alguns abalos de coração, como aconteceu a João Rocha ao entrar, em Campanhã, no primeiro «comboio verde» entre os aplausos de muitas centenas de lágrimas nos olhos. Não é pieguice, amigos: foi a verdade. Afinal, contra tudo o que se pensar de incensatório, o reconhecimento da luta de um homem compreendida e apoiada, nas horas decisivas, por um conjunto de outros homens que, atrás de uma bola, se prepararam para escrever nova história nesse Sporting que renasce de cinzas e volta a encarar seus pares de igual para igual.

Para vários paladares

Basta (porém) de desvios ao jogo: que foi lindo e cheio de alternantes. Uma primeira parte de domínio claro dos sportinguistas, a perderem golpes por carência de serenidade mas a conseguirem um magro tento (obra conjunta da infelicidade de Manaca e do sentido posicional de Manoel), logo defendido com unhas e dentes. Depois, na volta dos balneários, um Vitória possante e determinado, a fazer tremuras a todos os «leões», a provocar e constantemente desencadear um quase pânico nas hostes lisboetas. Novamente uma fase de equilíbrio e outra vez, um quarto de hora aterrador. Por último, o alívio para os lisboetas e o dever cumprido para a maioria dos anfitriões.

Todavia, muito bem orientada por Fraguito, a formação de Alvalade seria um perigo latente durante dilatada meia hora. Sempre que avançava pela direita (Alfredo era um túnel de todo o tamanho) o Sporting construía sobressaltos para uma defensiva onde os centrais claudicavam e, na intermediária, somente Ferreira da Costa saia de uma apagada tristeza imaginativa. Como, por outro lado, as progressões vimaranenses esbarravam numa cortina de aço (Fidalgo excepcional; José Eduardo, Bastos e Meneses muito bem; Barão e Eurico com nota mais que suficiente) ficou-se à espera do tento da capital: que somente chegaria após um cruzamento em que Manoel e Manaca saltaram e a bola, talvez tocando nas costas do antigo «leão», deu prémio ao «leão» de hoje.

O pior foi o reverso. A entrada de Vítor Manuel deu força e alegria e intenção e profundidade aos caseiros: então, aconteceu o tal quase apoplético momento longo em que o Sporting (todo ele) apenas se preocupava em atirar a bola para lugar que ficasse lá bem longe, até que surgisse o recompor da energia, o retorno da personalidade. Que viria, claro, naquele triplo disparo às malhas (iniciado por Jordão) em que a esferinha se recusou a cumprir seu fim, naquele desperdício de Manuel Fernandes que poderia ter endossado a cem por cento, naquela grande penalidade que Jordão não obteve porque o árbitro (muito bem) dera a «lei da vantagem» e o angolano acabara por perder o golo feito.

Dramatismo? Quase

Dramático, verdadeiramente a puxar para o épico, foi aquele epílogo: um tiro brusco (de Vitor Manuel) ao lado direito de Fidalgo, bem juntinho à madeira e, quando meio mundo já bradava pelos santos (grito tão grande que se escutaria nas Antas) eis que, felino como tigre, abnegado como nadador-Salvador, corajoso como David face a Golias, o rapaz vindo do Benfica se atira à maluca mas conscientemente. O couro não entra, fica nas mãos-tenazes: Fidalgo lesiona-se, torce-se de dores, mas o golo fora defendido por um profissional a quem peço licença para ficar admirando por muitos e bons.

O final chega entre lágrimas, entre abraços e pulos, foguetes e pequenas loucuras, mas tudo entremeado com a ideia cautelosa de que falta ainda saltar sobre leirienses para chegar ao topo de uma nova árvore das patacas. Porém, pelo que já fez neste campeonato, quem poderá roubar ao Sporting o aplauso mais altaneiro?

Manuel Fernandes talvez tenha subido ao nível de Fidalgo. Mas, não pode deixar de se considerar em ramalhete todos aqueles que (pagos a tempo e horas, logo totalmente divorciados de qualquer crise directiva) se preparam para entrar em Alvalade já a cheirarem a coroa de ouro. Um Sporting hercúleo onde, desde Fernando Mendes a Radisic, de José Manuel Torcato a Manolo Vidal, de João Rocha e Branco do Amaral e Manuel Marques, se fala a mesma língua: se “ostenta a mesma cor de símbolo. Um Sporting que, em Guimarães, fez a última agulha para eclipsar concorrência vasta e entrar na velha Europa de que foi o primeiro descobridor.

Resta dizer que Raul Nazaré já sabe muito. Aprendeu com Garrido, certamente. Não acrescentou nem uma migalhinha ao tempo complementar (muito embora se tivessem perdido uns minutinhos de jogo útil) talvez a pensar em salvar a pele. Cortou com «livres» para equilibrar o duelo, sempre que as coisas poderiam dar para o torto. Fez (enfim) uma cautelosa e imaginada arbitragem. Não fugiu, contudo, de uma classificação mais que honesta: foi verdadeiramente um homem sempre com as 17 leis no horizonte e todas as rédeas do espectáculo bem dominadas. Entra no parabém geral, daquela festa bonita que marcou a etapa 29 da louca maratona.

Árbitro: Raul Nazaré, (Setúbal), ajudado por José Martins e Lopes Galrinho.

V. Guimarães: Melo; Ramalho (Dinho), Manaca, Tó Zé e Alfredo (Vitor Manuel); Gregório Freixo, Abreu, Festas e Ferreira da Costa; Mundinho e Joaquim Rocha.

Sporting: Fidalgo; José Eduardo, Bastos, Paulo Meneses e Barão; Ademar (Freire), Eurico e Fraguito (Zezinho); Manuel Fernandes, Manoel e Jordão.

Golo de Manoel, aos 36 m.

Cartão amarelo para Festas.

Fonte: Diário de Lisboa

Data: 25/05/1980
Local: Municipal de Guimarães
Evento: V.Guimarães (0-1) Sporting, CN - 29 Jornada

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