RUGIDO VERDE

Levantar e levantar de novo, até que os cordeiros se tornem Leões!

Sexta-feira, Abril 26, 2024

Em 1979, Alvalade abria a pré-época sem treinador

Altura para electro-cardiogramas. Inácio, sorridente, tem confiança no seu coração. À espera de vez, Eurico, Fidalgo, Ademar, José Eduardo, Murça e Freire. Radisic observa.

Sem Otto Gloria, mas com Radisic e Rodrigues Dias, profissionais sportinguistas começaram a trabalhar

Com treinador ou sem ele, o início da nova época em Alvalade estava marcado para 1 de Agosto. E… com treinador ou sem ele (quem sabe? quem sabe?), o Sporting iniciou a preparação com vista ao novo ano futebolístico em que estamos a entrar.

No dia da abertura, o ambiente, sem ser pesado, não era muito alegre em Alvalade. Os jogadores reviam-se depois de um mês de afastamento, saudavam-se, preparavam-se para as primeiras sessões de trabalho.

No entanto, não seria necessário grande observação para constatar um leve ar de decepção, frustração, talvez.

Os jogadores sportinguistas, tradicionais candidatos ao título máximo do nosso futebol, inteiravam-se de uma realidade esquisita e, cremos, inédita. À sua espera, estavam dois técnicos, mas, afinal, o treinador principal ainda seria (?) um terceiro, desconhecido, que quando chegar a Alvalade nem terá tempo para testar e conhecer os seus pupilos, pois o novo campeonato estará à porta.

Por outro lado, visivelmente confundidos com as notícias vindas a público, que indicavam nomes em série, que apostaram neste ou naquele candidato, os jogadores leoninos viram que, afinal, tudo não passara de «conversa fiada» e ainda não havia (… e já há?) treinador.

Num momento tão delicado, ainda mais se notou a ausência do presidente João Rocha, que deveria ter estado junto dos seus jogadores, pois ele, e apenas ele, os poderia informar do que se estava (… e ainda está) a passar.

Mas… João Rocha não foi!

O doutor Branco do Amaral e o dedicado Manuel Marques, com o auxílio precioso e inédito de uma equipa do Hospital de Santa Maria, procederam às habituais «verificações», assinando os respectivos «OKs» nas fichas clínicas dos jogadores. «Eurico, Inácio, Fraguito e Jordão foram os que chegaram em melhores condições. Podiam começar já no duro…», afirmou-nos Branco do Amaral. Fidalgo, Eurico e José Eduardo, as três aquisições sportinguistas para a nova temporada, reuniram-se pela primeira vez aos seus colegas Ademar, Inácio, Freire, Barão, Zezinho, Murça, Manuel Fernandes, Marinho, Cerdeira, Jordão, Fraguito e Mota e aos ex-juniores Alberto, Crispim, Romeu e Batista. Meneses só regressou do Brasil no dia 1, à tarde, integrando-se no grupo, porém, logo no primeiro treino de campo, nesse dia ao fim da tarde. Manoel só chegaria dias depois. Justino, o jovem guarda-redes da selecção nacional de juniores que vai disputar o «Mundial» do Japão esteve naturalmente dispensado, Bastos encontrava-se «perdido» algures em Espanha e Keita só virá dos Estados Unidos em Março.

Os treinos foram orientados por Rodrigues Dias e pelo jugoslavo Radisic, à porta fechada, o que, naturalmente, não agradou aos adeptos que se foram juntando à porta 10-A…

Radisic tomou conta da preparação física e Rodrigues Dias do apuro técnico-didáctico, dividindo os jogadores em dois grupos, que alternavam entre si nas duas sessões diárias. Mais ou menos ao acaso, fomos ouvindo opiniões. Optimismo comedido e expectativa em relação ao desenrolar dos acontecimentos eram a tónica geral.

No entanto, premeditadamente, ouvimos as opiniões do novo técnico Radisic, dos novos reforços José Eduardo e Fidalgo e do velho Manuel Fernandes, hoje um dos jogadores com mais anos de Alvalade…

Radisic

«Sou optimista e acredito na honestidade das pessoas…» (RADISIC)

Radisic, o homem que veio do Real Madrid, ainda em fase de adaptação a Alvalade, disse-nos:

– As instalações do Sporting são diferentes e com menos possibilidades que as do Real Madrid, mas para mim isso é um factor secundário. Os clubes são formados por pessoas e as equipas por jogadores. Se forem profissionais honestos então o clube obterá bons resultados. Se não…

O jugoslavo, que entrou no futebol ibérico pela mão do famosíssimo Miljan Miljanic, apreciou, depois, os seus novos pupilos:

– Todos me parecem bons desportistas. Nunca tive quaisquer problemas com jogadores e não penso tê-los aqui. Espero vê-los progredir, apesar do tempo apertado de que dispomos, mas, primeiro, quero conhecê-los bem a todos. Trago um programa de trabalho, mas, se constatar que não serve, mudá-lo-ei. O futebolista é um homem… e o homem não pode ser programado.

Radisic, que chamou a si a exclusividade do trabalho de preparação física, não se quis alongar em prognóstico, até porque não conhece o potencial dos jogadores, mas…

– Sou uma pessoa optimista e, como tal, acredito que o Sporting poderá conseguir, este ano, resultados muito positivos. É certo que partimos muito atrasados em relação às outras equipas, mas procuraremos recuperar, a tempo de iniciarmos o campeonato em pé de igualdade. Com muito trabalho, acredito que se conseguirão resultados. Agora, é preciso trabalhar!

«Nunca fui campeão no Benfica! Quero sê-lo em Alvalade…» (FIDALGO)

Fidalgo, juntamente com Eurico, foi protagonista de uma das mais sensacionais transferências do ano. Os «inimigos» trocaram as armas…

O jovem guarda-redes procura em Alvalade aquilo que lhe foi negado na Luz, isto é, um lugar de titular numa das melhores equipas portuguesas, onde possa provar que está entre os melhores jogadores portugueses, no seu lugar.

Fidalgo e José Eduardo conversam com o nosso repórter, enquanto Ademar, Inácio e Cerdeira passam o tempo com a leitura da revista «GOLO».

– Vai ser uma vida nova, é certo, mas considero normal esta mudança, pois, acima de tudo, sou um profissional e preciso procurar melhores condições. De qualquer modo, coloquei ponto final na situação que já se arrastava há demasiado tempo e que não podia suportar mais. Em Alvalade terei muito mais chances de jogar, já não terei o caminho sistematicamente tapado por todas as razões e mais algumas… era impossível tirar o Bento da baliza do Benfica!

E, Fidalgo continua a falar da «mudança»:

– No Benfica não lutava de igual para igual. Existiam muitas coisas por trás do Bento que me impediam de chegar à titularidade.

Como por exemplo? Quisemos, naturalmente saber.

– Não interessa, por agora, falar mais disso!

O novo guarda-redes leonino divulga, então, os seus projectos para a «nova vida»:

– Vim para o Sporting para ser campeão. O meu problema é nunca ter sido… campeão!

– ………!!!! ????

– Sim, o Benfica foi diversas vezes o vencedor do campeonato, durante os nove anos em que lá estive, mas, porque não jogava, eu não posso conscientemente considerar-me com direito às faixas! Penso que aqui em Alvalade ocuparei o lugar de primeiro guarda-redes, apesar de todo o valor do Justino. Assim, poderei ganhar direito às faixas de campeão…

E, honestamente, considera o Sporting com potencial para ser campeão?

– Vendo o problema a frio, reconheço que temos uma tarefa muito difícil pela frente, porque o Sporting deixou sair valores que muita falta vão fazer à equipa. Ainda é cedo para prognósticos, mas, realmente, reconheço que o nosso trabalho não vai ser fácil, não!

«Se não pensasse ser titular, não teria vindo para o Sporting» (JOSÉ EDUARDO)

Uma das curiosidades foi sem dúvida, José Eduardo, o jovem defesa-lateral que o Sporting adquiriu ao Famalicão. Não sendo propriamente um desconhecido, José Eduardo é, todavia, uma incógnita. Que poderá fazer em Alvalade?

– Os meus planos são os melhores possíveis. Quero corresponder às pessoas que acreditaram em mim e desmentir os que me diminuíram. Não gosto de prometer muito, pois acho que o valor de um futebolista se mede pelo que faz dentro do campo e não pelo que diz. No entanto, acredito em mim e, se visse que não podia vingar no Sporting, nunca teria aceitado o contrato. De uma coisa podem estar certos: detesto o «banco»!

José Eduardo foi, há muito pouco tempo, um jogador «marcado» pelos adeptos sportinguistas, considerado culpado da (segunda…) perna partida de Jordão. Existia uma certa curiosidade em ver como os dois jogadores se iam encarar. Se houve problemas noutros tempos, eles estão, felizmente sanados

– Ainda não conversei com o Jordão sobre o assunto, mas penso fazê-lo em breve, pois será muito salutar para ambos. De qualquer modo, pela minha parte, o caso está encerrado. Já passou tudo. Agora quero trabalhar!

A contratação de José Eduardo pelo Sporting foi outra grande surpresa do último defeso. O jogador diz que não é… tanto assim:

– Tive outros convites para sair do Famalicão, pois existiam dois clubes do Norte (… com pretensões!) interessados em mim. No entanto, fui prejudicado por uma cláusula do meu contrato, que dizia que só podia sair do Famalicão se a equipa descesse de divisão. Como isso só ficou decidido na última jornada acabei por perder essas hipóteses, aparecendo depois o Sporting a evitar que fosse jogar na segunda divisão na próxima época. Aliás, já estava resolvido a ficar em Famalicão quando o Sporting me contactou, pois dava-me maravilhosamente com as pessoas de lá, e estava (… e estou) convencido de que a equipa regressaria à divisão maior na próxima época. Mas fiquei um pouco traumatizado por ter descido de divisão duas épocas seguidas e agradou-me imenso ingressar num clube com outras pretensões outras condições de trabalho.

Manuel Marques, Branco do Amaral e Rodrigues Dias observam com atenção a forma física do jovem guarda-redes Crispim.

O contrato com o Sporting como foi?

– Não interessa se é mau ou bom. Fi-lo com consciência e penso que o clube também, o que é a única coisa que importa. Assumi-o e estou mentalizado de que, durante os próximos dois anos, serei empregado do Sporting. Depois se verá.

«Só desejo que acabem os amuos e que o Sporting tenha vinte jogadores unidos» (M. FERNANDES)

Manuel Fernandes que, depois de Fraguito, é agora o jogador mais «velho» em Alvalade, foi o nosso último entrevistado. Veio há quatro anos para Alvalade, está a entrar no «ano quinto» e… continua sem ser campeão nacional.

– Este ano é que é!

A sério?

– Bem, fiquei um pouco desgostoso por ver partir alguns dos melhores jogadores do Sporting, mas, depois de analisar bem o plantel dos outros adversários, cheguei à conclusão de que até temos hipóteses. Benfica, FC Porto e Sporting continuam a ser os únicos candidatos. Mas, nós partimos com algum atraso, que temos agora de recuperar. Temos que agir com muito cuidado nos primeiros jogos, para evitar o esbanjamento de pontos que muita falta nos faria depois. Se em entrarmos no segundo terço do campeonato em igualdade com «eles» poderemos reconquistar o título.

Lamentou as saídas. Que tal os reforços?

– Desconheço o valor dos brasileiros, mas julgo que poderão fazer um meio-campo razoável. O presidente assegurou que são mesmo craques. Vamos a ver… Por outro lado, temos cá alguns jovens com futuro, aos quais falta apenas maior experiência. E este ano, é a sua oportunidade.

Estás em formal, diz o dedicado doutor Branco do Amaral para Eurico, o novo «recruta» leonino.

Manuel Fernandes entrou, depois em análise aos fracassos do seu clube nas últimas épocas.

– As leis actuais não permitem que uma equipa dure muitos anos, pois os jogadores estão sempre a entrar e a sair. Assim, urge encontrar uma solução, que, penso, já foi obtida pelo FC Porto, como o demonstra a hegemonia que este clube conseguiu no futebol nacional. Pedroto estruturou uma equipa-base que, sem este ou aquele jogador, mantém o mesmo nível, pois, além dos onze titulares, existem mais cinco ou seis futebolistas de alto nível, prontos a entrar na equipa em qualquer altura. Foi o que aconteceu com as saídas de Seninho, Ademir e Octávio, e é o que vai acontecer com a saída de Oliveira. Por outro lado, o FC Porto manteve sempre o mesmo técnico, o qual se faz respeitar de uma forma muito especial. Aliás, estou convencido de que, sem Pedroto, o FC Porto nunca mais «lá vai»…

Sem se deter, Manuel Fernandes continua a expôr a sua ideia:

– Quando não há respeito e disciplina, nenhuma equipa consegue resultados positivos. Não, não digo que o problema do Sporting tenha sido a falta de disciplina, mas tem acontecido, por exemplo, que alguns jogadores amuam, só porque o técnico os deixa no «banco» num jogo qualquer. No Porto isto não acontece. Pedroto deixou Oliveira de fora em alguns jogos e ele não amuou. No Sporting, este problema aconteceu diversas vezes. Um jogador é deixado de fora, amua e, quando na semana seguinte o técnico precisa dele, já não está em condições, porque não se preparou, devido ao… amuo. Uma equipa é composta por 17/18 jogadores unidos – é isto que os futebolistas do Sporting têm que meter na cabeça!

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Sporting – versão 79-80.

Com ou sem… amuos?

Fonte: Revista «Golo» Nº135

Data: 05/08/1979
Local: Estádio José Alvalade
Evento: Início dos trabalhos

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