RUGIDO VERDE

Levantar e levantar de novo, até que os cordeiros se tornem Leões!

Quarta-feira, Abril 24, 2024

Neste dia… em 1979, o Sporting venceu o Porto, por (1-0) com golo de Jordão e lançou candidatura ao Título

Por Neves de Sousa

Ora, meus amigos, também neste momento a dúvida preside e impera no espírito de muitos milhares, adiantemos de milhões, pois bem para além das fronteiras de Alvalade, dos limites da visão directa, haverá a esta hora muito boa gente que não conseguiu ainda estar em corpo e espírito com o triunvirato que, pelas 16 e 42 minutos de ontem, saltava para a palavra semanal de tertúlias do futebol, para o dissecar (horas a fio, dias em corropio) do famigerado lance entre os sportinguistas Bastos e Inácio, mais o astuto e tarimbado Duda, no tal instante em que o brasileiro, enrodilhado, cilindrado, ultrapassado, vergado, derrubado, batido, empurrado, rasteirado, estatelado, espapaçado, colhido, ceifado por pé estranho ou voluntariamente arrojado na relva, provocou um sururu dos diabos, com 50 e tal mil a divergirem de critério, cada qual a virar-se mais para o símbolo do seu coração, cada um com a verdade muito própria criada, por ilusão ou realidade, no local onde julgou ver perfeitamente a falta ou o acaso.

Serenamente, cuidadosamente, estamos em crer que poderá ter havido por ali pezinho reaccionário a obstar ao progressismo para a baliza de Fidalgo, mas, logo que escrevemos este pensamento, vem à ideia de como Duda (à semelhança do Matateu-saudade, do Eusébio-mestre) com anos de futebol nas pernas e veias e circuitos cerebrais, se poderia ter feito à queda fácil e sem consequências, tal como o toureiro que sabe ser a leve «voltareta» o mais fácil caminho para a reconquista da cercadura, para o aplauso que tudo esquece, para o polegar em baixo a que logo é votado o inimigo mais possante.

O BENEFÍCIO DA DUVIDA

Aconteceu, é evidente, algo que exigia imediato julgamento arbitral. Grande penalidade ou apenas um choque com queda provocada pelo brasileiro portuense? António Espanhol (honra lhe seja feita) estava a meia dúzia de metros e foi categórico em mandar prosseguir a viagem da bola. Duda ficou por terra, massajando uma perna. Bastos também ainda por lá morou um instantinho, mas logo se ergueu, dando às de Vila Diogo, não fosse o Diabo tecê-las. Quanto a Inácio, fez que a coisa nem era com ele: e o púbilico, nortenho o protestante, alegremente gritante o lisboeta, logo ali arranjou motivo para cáustica esgrima verbal como programa para hoje e mesmo mais dois ou três dias. Em consciência, quem é capaz de afirmar o que quer que seja de verdadeiramente certo? Murça, que estava a dezenas de metros de distância e mais logo chegou a tirar a camisola para a arrojar até ao arbitro ou Inácio, que, interveniente no lance, jura pelas alminhas que não tez falta? Bastos que, à saída, recolhia beijos dos pais e logo envolvia a salerosa esposa num grande abraço ou Duda, que, à falta de melhor, mal António Espanhol deu como cumprida a função, logo passou o braço sobre o ombro do árbitro como que a poupá-lo a julgamentos menos estribados que o seu próprio?

Está no alto quem de tudo sabe. Ao personagem terreno resta ficar assim, na dúvida, dando o benefício da luta íntima a desconto de passados pecadilhos. Mas lá que houve falta (dirão os portuenses) lá isso houve. Coisa pequena, choque e mais nada (asseguram leões). E o leitor, mão sobre o coração, que jura dizer?

GOLPE QUASE MORTAL

Entrou o Sporting com todas as cautelas defensivas, Meneses no «trinco», Eurico na galopada imediata a quem se escamoteasse da grilheta de Bastos. Cá fora, o cosmopolita Seninho era um tumultuar de recordações, enquanto na bancada se garantia que Rodolfo Begonha será o próximo 2º comandante de uma unidade militar do Porto e, assim, o lugar de secretário de Estado da Juventude e Desportos ficava em equação para quem desse e viesse. Zubaida, o dos dólares, mais Bruno Santos, o das mil apoteoses, estudavam negócios não forçosamente confluentes. Dirigentes do Sporting e do Porto, em torno de bela almoçarada, tinham proclamado que (como justifica assiduamente Ribeiro Cristóvão) fora tudo um mal entendido. Lá em baixo, Fonseca (embatendo no pé direito de Jordão, rosto por terra) sangrava e parecia «grogy» enquanto Tibi começava a longa meia nora de aquecimento que deve, certamente, prosseguir ainda agora, pois não o chegámos a ver em acção, embora o colega tivesse a torneira nasal aberta.

A defesa do Porto, espertalhona, ia tendo artes para colocar a frontaria sportinguista em sucessivas posições de fora-de-jogo. Durante 20 dilatados minutos, o espectáculo era de alternantes emocionais, como gosta de saborear o masoquismo da multidão, sofredor por condição de nascimento nesta terra virada para o mar.

Bate à porta aquele instante em que o mau domínio de pés por parte de Ademar rouba a primeira movimentação de «placard» e, dai a pedaço, trivial cartão amarelo a Artur, consequência de rasteira a Vital com pequeno episódio de simulação de lesão logo à mistura. Mas o lourinho acabaria por continuar a ser, apenas e só, o único par para a classe incontestável e vergante de um Jordão soberano a tempo inteiro, como se os dois ex-benfiquistas estivessem apostados, mais os magníficos Eurico e Fidalgo, em (de longe) contemplarem o antigo patrão com a dupla alegria dominical.

Mais uns passos e aí temos o golo (lindo, de morrer) por obra e graça de uma cabeça do pequeno Jordão que chega meio metro mais alto que o esguio e altivo Lima Pereira, colhido de surpresa e sem reflexos a meio da viagem para uma intercepção do centro calibrado de Artur. Fonseca chega a ter a bola na ponta dos dedos, mas o irremediável tem muita torça. Lima Pereira começava, nesse preciso toque no cronómetro, a dar razão a quantos estavam de massa cinzenta colada à recordação da ausência de Simões, o único actual patrão da defensiva portista.

PORTO SEM ATIRADORES

Mais atacante neste último período, o Sporting regressou com propósito de salvaguardar a magra vantagem, quando voltou do balneário até trocou Barão (que estava simplesmente desastrado) por Inácio, que voltava às lides após a lesão em Kaiserslautern e, que se saiba, ainda não passou procuração de renúncia ao posto. Contudo, foi Vital o explorador da não sincronização inicial leonina, naquele disparo malandreco que implicou em Fidalgo esforço para um toque pela cabeceira. Gomes, também, teria o seu único momento bonito, no tiraço que quase afagou a madeira à canhota do nobre guardião verde. Quando veio a grande confusão criada por Costa (certamente por conta de um oftalmologista, a trocar a vista de um ror de gente) imaginou-se que estava a chegar a reposição do nulo. Mas, qual quê: Vital corria muito mas apenas isso. Duda refugiava-se em terrenos da retaguarda e, quanto a Gomes, tem de ir imediatamente cumprir promessa. Não acerta uma, talvez porque lhe faltam os soberbos «raids» do futebolista senhor António de Oliveira ou os rasgos buliçosos e opíparos do menino leixonense Frasco, coisinha preciosa que, ontem, foi saudade que nunca se ia embora das mentes portistas.

Pedroto tentou o volte-face, pasmado com a inépcia do trio de vanguarda e com o ruir, como castelo de cartas, de um Romeu emergente de lesão e muito receoso de mostrar em Lisboa aquilo que transporta nos pés e na cabeça: fez entrar Sousa e Albertino, mas isso talvez tivesse sido uma jogada de emergência desesperada, feita tardiamente em face de como o meio-campo e a frente atacante das Antas se revelavam inoperantes e complicativas na conversa com Artur, Bastos, Meneses e seus pares do reino. Porque, a colocar água na fervura, logo Fernando Mendes mandou que o brasileiro recuasse e, ao lado do possante e hercúleo Eurico, de cabedal para dar e vender, se implantasse como travão derradeiro às cogitações do rei nortenho.

Ao árbitro António Espanhol, que estivera para vinte valores, bate à porta a alma de escuteiro, ao perdoar um «amarelo» a Gabriel (carga irregular a Jordão) e penalidade a Sousa (falta em Artur) que, a desencadear-se, atiraria para o duche frio o azul-branco que é, normalmente, modelo e espelho de correcção. Tudo ia, contudo, ficando diluído no tempo, mesmo quando Samuel Fraguito, sempre com aquela feíssima mania de andar de meias no chão e tíbias à vela, foi para a água morna, por apelo a um Marinho que seria unidade influente na manobra catalisadora dos verdes. Mesmo quando o «pressing» portuense, sempre previsto pelos Zandingas de trazer por casa, assomava na clareira, era criado mais em esforços individuais que em aglutinação de todo um conjunto. Tudo parecia ir terminar, calmamente, olimpicamente. Mas (raio de azar!) surge o lance Duda -Bastos Inácio, o pé-de-vento que quase virava cataclismo, tornado, ciclone com nome feminino. Uma chatice de todo o tamanho, para gregos e troianos como para romanos julgadores. Uma lasca mais e, zumba: cartão amarelo a Sousa, por protestar além do tom, ao mesmo tempo que Fonseca viajava fora da área, extravasado de si mesmo, com a bola aos pulinhos na sua jurisdição. Outro da cor da icterícia para Manuel Fernandes, assobiadelas e aplausos e tudo a voltar como começámos. Ora digam lá, se forem honestamente capazes de encontrar saída para o labirinto: foi (ou não) faísca para a penalidade maior?

Costa: excelente. Rodolfo: muito bem. Cá de baixo, a firma Jordão e Artur tornava-se ilimitada, dando entrada a Fidalgo e Bastos, Meneses e Eurico,do próprio Manoel como de Manuel Fernandes. Um mar de alegria fica em Alvalade, onde, só se fazem hoje contas de somar. Mas o Porto, futuro recepcionista confiante, continua no topo do mastro.

Ficha do jogo:

Arbitragem de António Espanhol (Leiria) acompanhado por António Fortunato (bancada) e Adalberto Pereira (peão)

SPORTING: Fidalgo; Artur, Bastos, Eurico e Barão (Inácio, na 2.º parte); Meneses, Fraguito (Marinho, aos 66 minutos) e Ademar; Manuel Fernandes, Manoel e Jordão.

Treinador: Fernando Mendes.

F.C. PORTO: Fonseca; Gabriel, Lima Pereira, Freitas e Murça; Romeu (Sousa, 61), Rodolfo e Costa; Duda, Gomes e Vital (Albertino, 61).

Treinador: Pedroto.

Suplentes não utilizados: Vaz, Helinho e Freire (Sporting); Tibi, Teixeira e Malheiro (Porto).

Golo por Jordão, aos 42 minutos.

Cartões amarelos para os sportinguistas Artur e Manuel Fernandes, mais para os portistas Murça e Sousa.

Fonte: Jornal Diário de Lisboa

Imagens do jogo.

Data: 09/12/1979
Local: Estádio José Alvalade
Evento: Sporting (1-0) Porto, CN - 12Jornada

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