RUGIDO VERDE

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Sexta-feira, Abril 19, 2024

Neste dia… em 1954, o Sporting vence (2-4) nas Antas e apura-se para as meias-finais da Taça de Portugal

Companheiros felicitam Albano pela obtenção do primeiro golo «leonino».

E a verdade veio ao de cima!

por TAVARES DA SILVA

Contra a expectativa, o Sporting eliminou o Porto na sua própria casa, porque conseguiu obrigá-lo a sair da toca, ou melhor, devido à equipa nortenha ser coagida, pela pressão dos factos e necessidade da vitória, a dar luta em campo raso e aberto.

São múltiplas e complexas as causas que originaram o feito, aparentemente muito difícil, na prática só um bocadinho… Desfiaremos o rosário a pouco e pouco, embora fiquem algumas contas ou rezas por fazer.

A equipa leonina deu provas plenas da consciência da tarefa que lhe cumpria realizar, em ambiente vulcânico a que ela aliás se mostrou insensível. Essa consciência evidenciou-se em toda a partida, e logo no começo quando os portuenses marcaram um golo modelar, aproveitando um filão de desentendimento quanto a jogo de antecipação. Porém, a equipa sofreu e não se deixou abalar, assentando e aperfeiçoando a sua fórmula, à medida que o tempo crescia.

Além disso, os sportingues basearam a sua tarefa num superior poder de execução (melhores meios técnicos), recortando progressivamente a sua manobra, isto é, explorando, hipótese por hipótese, todas as brechas, insuficiências e lapsos da formação contrária, que, de certa altura em diante, após os 3-1, teve apenas dez unidades. o que não deve considerar-se um dado predominante tal qual as coisas decorreram.

O conjunto portuense, oito dias antes, arrancara um empate em Alvalade (cantado e glosado em variados tons, desde o jocoso ao heroico!), mas para isso havia abdicado, em certo sentido, da competição, guarnecendo cuidadosa e abundantemente toda a zona das balizas. E como sempre sucede em casos tais, o resultado deformara um pouco a visão do jogo e do trabalho das equipas, recortando mais vincadamente aquilo que pode designar-se por erros sportingues, pelo contrário fazendo sobressair as qualidades tripeiras.

Agora, na exposição de Jogo e Teorias que se fazia no estádio das Antas, onde uma qualquer boa equipa evolucionará com gosto, o Porto não podia dar-se ao mesmo sistema negativo, (talvez o mais fácil!), pois lhe importava ganhar a partida e para isso era indispensável atacar e construir, evidentemente, o mais difícil. E o grupo do Norte, por sua livre vontade ou sob a coacção do apuramento, viu-se obrigado a abrir fileiras, e a deslocar as suas unidades por toda a pista, não podendo, pois, concentrá-las numa zona restrita.

Apreciando agora o problema das Antas noutro aspecto ou plano, para elucidação completa e mais nítida daquilo que se passou, veja-se qual a orientação do Sporting e como ela define uma consciência de jogo e autoridade. É que a equipa entrou nas Antas com a ideia de atacar, produzir, criar, tornar-se tanto quanto possível senhora da situação e acabar de vez com a questão dos quartos de final. Não era um onze passivo, obrigado a aceitar a orientação do adversário mas, ao invés, uma formação activa, disposta a impor a sua manobra.

Postas as cartas na mesa, o Porto ganharia a partida se pudesse minar e destruir os fundamentos sportingues, afectando o miolo do seu ataque, a força propulsora, o binómio dos interiores. Sucedeu, porém, precisamente o contrário. Este binómio impôs o seu poderio, dando ao trabalho verde-branco um sinal francamente positivo. Por outras palavras, o problema das Antas decidia-se (decidiu-se afinal…) na linha de oposição médios portuenses contra interiores lisboetas.

O que resultou desta oposição? – A derrota quase completa da linha média; a vitória aproximadamente total da parelha de meias-pontas.

Verdade seja, embora algumas vezes tivesse aflorado o que se deve designar por jogo dos médios, essência futebolística perfeitamente recortada, o Porto quebrou por esse sector, pois não teve linha média à altura da situação. Acrescentaremos até que em largos períodos não teve médios… A floração surgiu apenas em alguns lançamentos modelados de Porcel a Carlos Duarte, e mais nada.

O médio Miguel Arcanjo, que é uma unidade de recorte defensivo, pelo menos, enquanto não for talhado demoradamente para outra função, nem conseguiu atear o fogo nem apagá-lo perdendo no confronto com o interior contrário. Quanto a Porcel, jogador fino, também nos parece evidente e incontroversa a vantagem do interior-esquerdo leonino, que, além de tudo, muito mais rápido, meteu no bolso o homem que o havia de marcar, para isso marcando-o, ele próprio, e uma vez livre e desembaraçado, organizar e construir.

Pressupunha-se pelo desenho e configuração da equipa contrária, que José Travassos viria a dispor de espaços de manobra. O que não se supunha era que o mestre dessa manobra, pois isso é uma questão subjectiva de difícil previsão, tivesse a dita de nos dar um trabalho tão completo e perfeito, afirmação pujante da sua inteligência de jogador de eleição, a espécie que não surge todos os dias mas só lá de quando em vez…

Barrigana (FC Porto), acossado por Martins (Sporting) defende para canto.

Já a primeira parte acabara com a igualdade um-a-um, mas o trecho final revelava de forma categórica que a máquina sportinguista estava a trabalhar, notando-se na do adversário afrouxamento e lacunas. Foi no começo do segundo tempo que o Sporting desferiu o golpe mortal, alcançando de pio duas bolas que desde logo o colocaram na situação de vencedor, ainda com risco, já porém muito reduzido. Viu-se então José Travassos dar lições magníficas de pega, drible e organização, chegando ao ponto de, batendo quantos encontrou pela frente – oferecer ao companheiro Albano um golo clássico, como dádiva magnânima e atestado de nobreza e disciplina em matéria de futebol. E o extremo-esquerdo, imperturbável, teve tempo de limpar a pista e introduzir a bola nas balizas… Doutra vez, o beneficiário foi Martins (também Manuel Vasques desenhou a-propósito uma jogada fulminante de entrega), mas já nestes lances de remate do centro-dianteiro houve esforço próprio. E o traçado dos esquemas realizou-se com simplicidade, adquirindo o futebol a graça e harmonia, a suprema beleza do conjunto.

Semelhante faceta, a disciplina do quadro leonino afirmada não só no trabalho dos Sectores como na mudança de sinal de futebol, de negativo para positivo, ou de construtivo para destrutivo, tornou-se patente e talvez se haja vincado mais fundo em comparação com o quadro portuense, constituído por onze unidades de valia, é certo, mas sem uma acção coordenadora a regular os seus movimentos, portanto, desencontrados. Alguns destes jogadores esbanjaram até a sua imensa habilidade, improdutivamente, para concluírem o seu penoso trabalho da pior maneira, levando-nos a interrogar, insensivelmente, em nosso espírito: para quê tanta canseira?

Exceptuando o caso de José Travassos que, por dever de justiça, não poderíamos deixar de salientar, afigura-se-nos importante vincar que, no lado sportingue, não se verificaram desníveis quanto à contribuição dos jogadores, todos estando metidos quase na mesma classificação. É o êxito da disciplina de conjunto e o fruto da comunhão espiritual! Já no Futebol Clube do Porto existem várias notas de medíocre e poucas de bom. Entre o que jogou, por exemplo, José Maria e Arcanjo, para fazer somente um cotejamento, há quase um abismo. Assim, com estas diferenças de valor, manobra, organização e disciplina – aconteceu que a verdade veio acima, o que nem sempre acontece neste jogo que se chama futebol.

Vitória da melhor equipa – eis a ideia geral que se recolheu no fim do jogo

Ainda não se havia extinguido a emoção deixada pela vibrante luta, quando descemos até às cabinas dos jogadores. Nos vestiários do Sporting não havia só contentamento, mas, também, serenidade, consideração pelo vencido. Todos se apressavam. Depois do desafio, havia, também, que ganhar a partida para o «rápido» de Lisboa, prestes a abalar.

SZABO, o treinador da equipa, foi o primeiro a falar:

– Estou satisfeito. Ganhámos bem! O Sporting venceu como eu esperava.

VASQUES disse:

– O jogo foi bem disputado. O Porto deu boa luta até ao fim. Creio. termos merecido o triunfo, pelo trabalho produzido.

ALBANO declarou:

– O resultado é muito bom e agrada-me sobremaneira. Jogámos bem, todos dentro do mesmo pensamento e vontade. O Porto foi equipa correcta e constituiu digno adversário.

Travassos afirmou:

– Estou radiante com a exibição global que fizemos e com o meu trabalho. A equipa do Porto não foi a mesma de há oito dias, oferecendo, agora, um jogo mais aberto. Penso que os Portuenses quebraram pela linha média, especialmente.

JUCA falou assim:

– Ganhou a melhor equipa, incontestavelmente. O Porto foi, até certa altura um bom adversário. Levo boas impressões do encontro que foi bem jogado.

Nas cabinas dos «azuis-brancos»

Nas cabinas dos «azuis-brancos» havia compreensível abatimento, mas o resultado aceitava-se com nobreza, reconhecendo-se a justiça do triunfo «leonino».

BARRIGANA manifestou-se deste modo:

– O Sporting possui equipa mais feita, mais «calejada», o que lhe deu maior à-vontade. Os nervos prejudicaram o nosso rendimento, que não foi, por isso, o normal. A responsabilidade da partida pesava. O Sporting foi feliz em explorar as oportunidades para marcar, nada me sendo possível fazer para evitar o sucedido. Tivemos, também, a infelicidade de perder o concurso de Carvalho e de ter Teixeira magoado. Mas os «leões» fizeram uma boa partida. Apesar da sua vitória justa, somente o árbitro não soube fugir à tendência geral dos juízes, sempre que dirigem encontros com o Sporting. E foi pena…

Virgílio declarou:

– Tivemos pouca sorte ao perder algumas oportunidades, quando -o resultado ainda não estava feito. Mas o Sporting fez uma boa partida de «Taça», sendo o ataque a sua maior força.

VALLE, por seu turno, disse:

– O Sporting jogou para vencer, mas o resultado podia ser menos expressivo. Quatro a três seria mais fiel espelho da contenda. Travassos, quanto a mim, foi a grande figura da vitória dos adversários.

JOSÉ MARIA afirmou:

– O Sporting ganhou bem e nada mais há a acrescentar. A sorte também não esteve connosco.

CARLOS DUARTE, ouvido por fim, pronunciou-se nestes termos:

– A equipa é mais feita, mais homogénea. Podíamos, no entanto, ter alcançado melhor resultado se a fortuna nos acompanhasse em alguns lances, mas isso não aconteceu.

Fonte: Jornal Diário de Lisboa

Ficha do jogo:

Com arbitragem de Mário Garcia de Aveiro, as equipas alinharam:

FC Porto: Barrigana; Carvalho, Miguel Arcanjo e Virgílio; José Valle e José Maria; Hernâni, Carlos Duarte, Teixeira, António Porcel e Perdigão.

Treinador: Cândido de Oliveira

Sporting: Carlos Gomes; Caldeira, Mário Gonçalves e Galaz; Hrotko e Juca; Galileu, Vasques, João Martins, Travassos (Capitão) e Albano;

Treinador: Joseph Szabo

Golos: José Maria (2′ e 63′) (Porto) ; Albano (43′ e 55′) e João Martins (57′ e 87′) (Sporting).

Data: 13/06/1954
Local: Estádio da Antas, no Porto
Evento: FC Porto (2-4) Sporting, 2ª Mão dos 1/4 Final da Taça de Portugal

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