RUGIDO VERDE

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Quinta-feira, Abril 25, 2024

Neste dia… Em 1954, o Sporting vence o Porto por 2-1 e consolida a liderança do campeonato

Lance de perigo junto da baliza portista.

Concepções opostas

Por Tavares da Silva

Chegou-se ao fim da partida que se disputou no estádio Alvalade e teve-se a impressão de que o ar estava perfumado de futebol. As equipas, na medida das suas possibilidades, tinham aberto o frasco do jogo e derramado pelo campo uma porção suficiente daquele fluido subtil e magnético, que se infiltra no adepto e dura toda a semana.

Não haverá quem deixe de dizer que o desafio só ofereceu dois ou três trechos, mais pronunciados, de esquemas racionalmente ligados e executados com suma rapidez e mestria, mas consideramos a quantidade suficiente para se afirmar estarmos em presença de um desafio rico, que a pobreza ao redor mais faz realçar. Se se jogasse, do princípio ao fim, sem um deslize ou pausa, na mesma vertigem e com idêntica precisão de passes, teríamos o direito de dizer que o futebol português havia atingido o nível que tanto ambicionamos. E tal não sucede.

Foi o Sporting, sem duvida, que produziu o que de melhor se fez no Alvalade, mas o seu adversário comportou-se de maneira a dar luzimento à partida, que, por muitos motivos, foi vistosa, espectacular, tendo a emoção que produz a jogada ou variante de surpresa e a duvida acerca do desfecho. Porque o Sporting mereceu ganhar, mas, vara ganhar, foi preciso ter até ao fim músculos de aço e um coração forte e resistente, a funcionar com tic-tac certo.

Estiveram em presença, sob certos aspectos, dois grupos de concepção oposta que expuseram em campo a sua diferente teoria. Diga-se que o Sporting revelou o seu gosto pela orientação de ataque, máquina talhada e concebida para este efeito, ao passo que o Futebol Clube do Porto adoptou um sistema de reforço defensivo (o que de modo algum significa que a ideia de ataque: tenha sido plenamente abandonada ou esquecida).

No campo prático da execução, a concepção sportinguista foi-nos dada ou transmitida não só pelo volume dos seus ataques mas pelas quantidade de peças empregadas nessa tarefa ofensiva. Viram-se muitas vezes, com a bola a rolar, de figura para figura ou desta para espaços vazios, seis ou sete sportingues, que se metiam pela barreira defensiva do adversário, com premeditação, criando jogadas de transe, muito perigosas, obrigando o adversário a pensar, nesses momentos, só em defender.

Mas se não quisermos ir tão longe e transigindo em excluir o segundo escalão de atacantes, ainda nos ficam muitos esquemas em que comparticipou toda a linha dianteira verde-branca ou, pelo menos, quatro avançados, já que um dos interiores como que se deixa arrastar pelo galope dos que seguem na frente, pois a sua missão assim o exige.

E Poder-se-á objectar – aceitável talvez em teoria, na prática verificada no Alvalade parece-nos inaceitável! – que, em algumas hipóteses, os ataques desencadeados por dois ou três jogadores também podem ser muito perigosos e deles resultarem os lances mortais, mas, isso apenas sucede quando a defesa está desarrumada ou por qualquer motivo se desarrumou. Regra geral, invariavelmente, a defesa, em bloco, só poderá abrir brechas com facilidade quando for atacada por um numero superior, ou, pelo menos, igual ao tios seus componentes.

Se bem se recordarem da história de, ontem, aquela que nos foi contada no. Alvalade, não se deverão, certamente, lembrar de muitas jogadas portuenses, de ataque, em que estivessem interessadas as cinco unidades do sector atacante, não sendo muito numerosas, mesmo, aquelas iniciativas ocupando quatro elementos.

Guarda-redes portista, ganha nas alturas a Hugo.

Não deixa até de ser estranho verificar que o grupo do Futebol Clube do Porto adoptou sempre o mesmo dispositivo e orientação, favorecido ou não pelo factor vento. O reforço da defesa compreendia-se e justificava-se naquele tempo em que o vento favorecia o Sporting. mas parece-nos que na segunda parte, se o Porto, pelo contrário, tem reforçado o ataque, talvez se houvesse registado maior quantidade de golos, mas então os Portuenses poderiam ter ganho a partida.

Pensamos, pois, que, em certo momento do encontro, a gente portuense deveria ter gasto todos os cartuchos vara ganhar o jogo, pois a vitória era-lhe absolutamente necessária, e os números do: marcador pouco interessavam em hipótese de derrota. E’ certo que o Porto não deixou de fazer um esforço no começo da segunda parte, talvez convencido de que as forças defensivas leoninas não tinham o poder suficiente para parar os golpes do adversário a coberto do vento. Ou porque a surpresa os desanimasse, ou pela destruição operada pelos sportinguistas na sua movimentação de ataque, ou por outra qualquer razão que não por falta de fôlego, segundo nos pareceu, o certo é que esse esforço portuense não chegou a ser lá muito pertinaz e teimoso, e Os leoninos ganharam o desafio.

A vocação de ataque por parte das gentes leoninas não deixou quaisquer duvidas logo no 1.º tempo, tornando-Se, em nossa opinião, mais vincada e esclarecedora na 2.º parte. Até ao intervalo, toda a equipa rolou no campo contrário, sucedendo-se esquemas sobre esquemas, alguns vistosos, brilhantes, positivos, não tendo quase a defesa portuense um momento pacífico, e não conseguindo a sua linha atacante mais do que duas ou três perjurações. O golo de Travassos encheu o campo e fez repicar todos os sinos das redondezas, a equipa sportingue esmoreceu um pouco com o penálti, logo se reanimando, porém.

Uma vez contido e dominado o ímpeto portuense da 2.º parte, sem que o Sporting tivesse adoptado praticamente qualquer medida de reforço da defesa, o seu traçado de esquemas ofensivos continuou a desenvolver-se, por vezes, com precisão, definida, revelando o poder de infiltração e a destreza dos seus elementos, não só dos mais representativos, mas de todos eles. Criaram-se, assim, situações de golo não aproveitadas nem se sabe porquê, mandando a verdade dizer que a defesa portuense esteve sempre muito atenta, apesar de evidenciar certa e relativa fraqueza na zona central, e desse local se encontrar reforçado. Quer dizer, mesmo no 2.º tempo, olha-se para as duas balizas e é na do F. C. do Porto que se situam os lances mais perigosos, as chamadas oportunidades de golo em maior numero.

Poderá mesmo acrescentar-se que foi na metade contra o vento que o Sporting se sentiu mais a seu gosto. Já por mais de uma vez, de resto, temos verificado que as equipas, ou melhor, os jogadores dominam melhor a bola contra do que à favor do vento, e os sportinguistas confirmaram esta observação. A bola esquivava-se, fugiu-lhes, e só depois do descanso é que os jogadores conseguiram agarrá-la e captá-la bem com perfeição, apresentando então aos apreciadores uma técnica mais perfeita do que o seu adversário.

Os sportinguistas conseguiram, nesta parte, possuir a bola em seu poder durante muito tempo, usando para isso de meios técnicos, os meios afinal de que se serve a manobra ou tática: bola no chão, demora e retenção, finta e drible, passe curto, simples, algumas vezes incisivo. E diga-se que esta medida foi talvez a que mais perturbou o funcionamento do adversário, bastante melhor no jogo por alto do que nesta espécie.

Se algumas vezes o produto portuense foi bom, não nos referimos a energia ou espírito de luta e força de vontade, pois essas qualidades estiveram sempre patentes na equipa, ele padeceu geralmente de uma deficiência grave, a imperfeição que se notou na transformação do jogo defensivo em atacante. Explicaremos melhor, dizendo que os Portuenses organizaram bons esquemas, de caracterizadas desmarcações, puramente ofensivas, e construiram jogadas perfeitas, na base da antecipação, puramente defensivas, mas que o seu veio de ligação ou transmissão esteve longe de funcionar com regularidade, apesar da árdua tarefa desenvolvida por um dos componentes desse veio.

Barrigana (Porto), opõe-se a Hugo (Nº7) e Martins (Nº9).

Qual a causa disso? – Considerando apenas os dados postos em campo, a plena luz, parece-nos que a colocação comprovadamente atrasada de um dos médios – dai o reforço defensivo – não foi suficientemente corrigida, apesar de se haverem tomado medidas para esse efeito, pois verificou-se quase sempre aquela falta de harmonia que é consequência certa da não-existência de médios à altura, e quando se fala nesses jogadores tem-se em mente a função que eles desempenham, não a sua simples qualificação.

Já do lado sportinguista, essas peças de transmissão, começando a funcionar com deficiências no começo do desafio e no abrir da 2.º parte, depressa encontraram o ritmo e o rumo, contribuindo com uma parte avantajada para o desfecho.

Foi no aspecto defensivo que o Porto apresentou a sua variante, não deixando de ser muito curiosa a formação do ataque, com os homens inscritos com números na asa esquerda no plano e função de manobradores, A verdade é que, hoje, no futebol português, os jogadores já têm o noção do que é a marcação individual e por zonas, para empregar expressões do gosto de tanta gente, aliás, exprimindo o que se pretende.

Teve, pois, muitos atractivos a partida que se disputou no estádio Alvalade, de piso saturado – boas razões poderá, se quiser, a relva apresentar para assim estar! – nem sequer lhe faltando um pouco de pimenta, a da discussão à volta do 2.º golo marcado pelo Sporting. Julgamos, no entanto, que o golo que de futuro será mais recordado é aquele que marcou o interior-esquerdo leonino, de um tiro seco, a subir, que só deixou rasto. como nos aviões de jacto, pois a bola desapareceu para se ver já colada às malhas da rede. Um golo invisível! Colorido, duvidas, emoção, jogadas brilhantes e outras rijas, esquemas precisos evidenciando excelente técnica de quem os construia. – Que mais é preciso para colocar num lugar de honra o jogo de Alvalade? Não sejamos também demasiadamente exigentes, e tenha-se o sentido da realidade do nosso futebol.

Fonte: Jornal Diário de Lisboa

Sob arbitragem de Inocêncio Calabote (Évora) o Sporting alinhou com : Carlos Gomes, Caldeira, Passos (Capitão), Galaz, Hrotko, Juca, Hugo, Vasques, João Martins, Travassos e Mendonça.

Golos: Travassos (14′) e Vasques (33′)

Data: 31/01/1954
Local: Estádio José Alvalade
Evento: Sporting (2-1) Porto, CN-15ªJornada

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