RUGIDO VERDE

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Quinta-feira, Março 28, 2024

Neste dia… entrevista a Carlos Xavier no ano da estreia como sénior (1980): «Depois do Futebol quero ser Técnico de Contas»

O golo de estreia contra o Amora em Alvalade.

Fibra! Rapidez! Abnegação! Subtileza! Atributos que definem o prometedor jogador português – CARLOS XAVIER.

Carlos Jorge Marques Xavier. Um nome comum para a maioria das pessoas. Atrás dele, porém, se esconde um garoto de 18 anos, talvez uma das maiores promessas do futebol português actual. Pelo menos, é a ideia que nos dá todas as vezes que o vemos jogar. Para quem não sabe, Carlos Jorge Marques Caldas Xavier é nada menos que aquele «puto» que «mister» Radisic lançou (e bem!) frente ao Amora, no lugar de Bastos. Mostrou qualidades natas para o lugar e, consequentemente, marcou um extraordinário golo, o que mostra a sua evolução técnico-tactica. Um defesa, já com qualidades natas para «descer» e ajudar o seu ataque, como acontece em toda a Europa.

Carlos Xavier, a maneira como gosta que o identifiquem dentro das quatro linhas e fora delas.

É ingrata para o jornalista, a entrevista para quem se estreia no primeiro «team» de qualquer clube. Acontecem afirmações cheias de lugares comuns. Promessas e esperanças que se juntam numa intenção naturalmente honesta que tudo corra à medida dos desejos. Íamos partir de uma pergunta banal, quase diríamos, sem imaginação, para depois recorrermos às estradas do diálogo, à procura do interessante.

Quem trouxe você para o Sporting?
– Apareci no Sporting por brincadeira. Estava certo dia numa praia com uns amigos e, um deles disse que tinha lido no jornal do Sporting, que estavam abertas as inscrições juvenis. Vim, com esses amigos, mas nunca contava ficar. Não porque não tivesse qualidades, porque isso não me faltava. Depois do primeiro treino, mandaram-me vir ao segundo, no qual compareci com bastante agrado. Lembro-me que, esse treino, foi orientado pelo «mister» César Nascimento, que no final do mesmo «pediu-me» que ficasse no clube. Aceitei de bom agrado…

Continuou a sua narrativa o nosso entrevistado:
– Acontece que eu estava ligado ao Casa Pia, clube onde me iniciei no futebol, levado pela mão do meu pai (Xavier) que foi um bom jogador desse mesmo clube. Depois de um breve conversa entre os dirigentes dos dois clubes, foi fácil chegar a acordo e, eu de imediato, me transferi para Alvalade.

Está satisfeito com o que ganha no Sporting?
– Claro que estou. Para começo é muito bom. Sempre ajuda um pouco e, sempre posso comprar mais umas coisas. Fiz um contrato com o Sporting por três anos e, penso que ainda o vou melhorar consideravelmente no que concerne a vencimentos, dentro de pouco tempo. O meu contrato tem uma cláusula que, diz se eu fizer seis jogos na primeira categoria, automaticamente sou aumentado.

Não existe ninguém neste planeta que não tenha preferências. Carlos Xavier, como é óbvio, não pode fugir à regra. Sobre este tema, pusemos a seguinte questão ao nosso entrevistado:

Qual o seu lugar preferido?
– A minha preferência vai para o lugar de «libero». No entanto, posso adiantar-lhe que gosto de jogar em qualquer lugar da defesa. Também, adoro jogar a médio. Um lugar que faço com relativa facilidade. Mas, quem sabe é o treinador e, como tal, cumpro as suas indicações. Se o «mister» Radisic me diz para jogar a «central» é porque vê que rendo naquele posto mais do que noutro lugar.

Você gosta de fazer golos?
– Gosto. Quando faço um golo fico comovido e contente ao mesmo tempo. O golo que fiz frente ao Amora, na minha estreia, até me vieram as lágrimas aos olhos. No entanto, penso que poderei marcar muitos mais, para minha alegria e de todos os sócios do Sporting que bem merecem que isso aconteça.

O Sporting ainda pode chegar ao título?
– Penso que sete pontos é muito difícil de recuperar, mas estou optimista em relação ao futuro. Se o Sporting, não conseguir a revalidação do título, conseguirá, estou em crer, pelo menos, o segundo posto, a escassos pontos do Benfica que, quanto a mim, será o campeão.

Continuamos a perguntar:
Considera os treinos tácticos muito importantes?
– Evidentemente que sim. Para que uma equipa melhore o seu aspecto de produção precisa treinar muito, senão… Outro ponto é que, o jogador que treina bem tacticamente pode em cada dia que passa renovar a sua criatividade, o que não acontece se não estiver atento às indicações diárias de técnico.

Uma pequena pausa. Depois:

– Qual é a minha ambição no capítulo futebolístico? Em primeiro lugar, é continuar a fazer parte dos dezasseis que que semana após semana são destacados para os jogos; segundo, atingir a internacionalização “A”.

O que é que faz, além do futebol?
– Antes do início desta época estudava e jogava à bola. Neste momento, só me dedico ao futebol. Mas, está no meu pensamento voltar para o próximo ano aos estudos e, penso que, é fácil conciliar as duas coisas. Temos muitos casos dentro do nosso futebol, que se formaram a jogar à bola, e na primeira divisão. Quero tirar um Curso de Línguas ou de Contabilidade. E…, mais tarde com o dinheiro que o futebol me der, poderei então, montar um “estabelecimento contabilístico” e, como tal, trabalhar por conta própria. Este meu gosto pelas “contas”, foi “injectado” pelo meu pai que, como sabe, é técnico de contas. Portanto, quando deixar o futebol quero dedicar-me à Contabilidade.

Acha que escolheu a profissão certa? Jogar futebol?
– Acho que sim. Como adoro o desporto e desde muito novo fui “moldado” para o futebol pelo meu pai, como já referi, foi futebolista no Casa Pia. Assim, a influência do meu pai contribuiu em certa medida, para que me tornasse futebolista profissional. E, vejo que um futebolista se tiver sorte, pode muito bem amealhar nos “poucos” anos que joga, o suficiente (?) para que, no futuro, possa viver descansadamente e, sem problemas de qualquer espécie. Isto, se tiver a felicidade de jogar num dos chamados “grandes”, como é o meu caso.

Carlos Xavier, como todos os jovens da sua idade, são fáceis de entrevistar. As palavras da sua boca, saem com o maior dos à vontades e com uma pureza sempre digna de registo. Que já não é usual nos “velhos” do nosso futebol.

O nosso “inquérito” ao novo “ídolo” (não de pés de barro) dos associados leoninos continuou do seguinte modo:

Acha que Portugal terá condições de formar uma selecção igual à de 1966 para o próximo “Mundial” de 1982, em Espanha?
– Apesar de Portugal ter muitos bons jogadores, é extremamente difícil atingir o nível que o nosso futebol atingiu em 1966. Nessa época, só havia “craques”, casos de Coluna e Eusébio, só para referir dois. Jogadores deste quilate dificilmente aparecerão no futebol português. Contudo, acredito que a actual selecção possa muito bem conquistar o “passaporte para o “Mundial-82”. Estamos no bom caminho e, só espero que a sorte não nos seja adversa…

Conte-nos um pouco da sua história, até chegar ao Sporting…
– Sou natural de Moçambique. Vim da minha terra em 1974, logo após os acontecimentos que estão bem na memória de todos nós. Em 1975, fui para o Casa Pia, conjuntamente com o meu irmão (Pedro Xavier), para os iniciados. Subi a juvenil, na época seguinte e, no meio da mesma fiz alguns jogos pelos juniores. Esta foi a minha curta passagem pelo futebol do Casa Pia, antes de ingressar nos “leões”, como no início desta conversa lhe referi.

Existe algum jogador pelo qual você sentiu grande admiração e que tenha servido de exemplo na sua carreira?
– O Artur! Era um jogador cheio de genica, que dava tudo por tudo, nos treinos e nos jogos. Gostava de o ver jogar devido à sua grande força de vontade. Artur, era daqueles jogadores que levantavam a moral a qualquer equipa. Infelizmente, o azar bateu-lhe à porta e, todos nós sentimos isso. Claro que, o meu estilo é diferente do dele, mas existe uma aproximação em certos pontos. Gosto de dar tudo por tudo nos treinos e nos jogos. Vou mais longe dizendo-lhe que gosto de ir ao ponto de “rebentar”. Mas, com a minha idade quem é que “rebenta”, a jogar noventa minutos?

Mudamos de assunto, para de imediato perguntarmos a Carlos Xavier, o que pensava da oportunidade que lhe foi concedida pelo “mister” Radisic. Fez uma pequena pausa e, de seguida, responder-nos-ía a esta questão da seguinte maneira:

– Há muito que esperava esta oportunidade. Aconteceu com Radisic, como poderia ter acontecido com o “mister” Fernando Mendes, se tem continuado à frente dos destinos do clube. Acontece que, os treinadores estrangeiros, têm uma maior predilecção, se assim podemos chamar, pelo lançamento de jovens. Com isto, não quero dizer que, não hajam treinadores portugueses, também, a darem oportunidades aos mais jovens. Claro que, existe uma pequena diferença, mas não é tão abismal como muita gente julga.

Pensa continuar como titular?
– Isso de continuar ou não como titular, depende de muitos factores e, consequentemente, do critério do treinador. A estreia correu-me da melhor maneira e, vou continuar cada vez mais para continuar a ter a preferência do treinador. Se não conseguir ser titular, tudo farei para andar no lote dos dezasseis, o que é muitíssimo bom, para um jovem como eu.
O facto de não lhe afirmar peremptoriamente que um lugar na defesa seria meu, deve-se, sem dúvida nenhuma, ao facto de, o Sporting, possuir nada mais nada menos do que nove defesas de bom nível.

Fale-nos da sua estreia na equipa, frente ao Amora. Cumpriu? Decepcionou? O que lhe disseram os colegas no final do desafio?
– Acho que cumpri. No que concerne aos meus colegas, eles deram-me os parabéns e, consequentemente, fiquei muito contente com o carinho que todos mostraram por mim. Mais: foram os meus colegas que fizeram com que eu fizesse uma óptima estreia. Sem eles, não teria feito nada.

Um coordenador de ideias e Carlos Xavier define-se como jogador:
– Penso que tenho possibilidades de ser um bom jogador. Mas, prefiro que sejam os outros a fazê-lo. De mim, pouco gosto de falar, porque as pessoas podem pensar que é vaidade e, isso não tenho nada.

Pensa que o golo que marcou frente ao Amora, pode “pesar” para que o “mister”Radisic o mantenha como titular?
– Penso que sim. Aquele golo foi extraordinário e nunca mais o poderei esquecer. Espero fazer muitos mais. Sou daqueles jogadores que gostam de ir “lá abaixo” fazer o meu golito. Portanto, os sócios do Sporting que esperem calmamente, porque tudo farei para lhes dar muitas alegrias com os meus golos.

A conversa com Carlos Xavier já ia longa, mas o novo “craque” leonino fez questão de referir o seguinte:

– Quero aproveitar a oportunidade que me dá para, daqui fazer votos para que o meu irmão (Pedro Xavier) ao serviço do (Estoril-Praia), possa ter o mais breve possível uma oportunidade igual ou idêntica àquela que o “mister” Radisic me deu, para assim poder singrar no futebol português, porque tem valor para isso.

Fonte: Revista Golo

Data: 27/12/1980
Local: Revista «Golo»
Evento: Entrevista a Carlos Xavier

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