RUGIDO VERDE

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Sábado, Abril 20, 2024

Entrevista a António Oliveira em Janeiro de 1985: «Estou como novo»

Uma viagem surpreendente ao passado recente de um fora-de-série que chegou ao desespero de pensar no abandono, que regressa destituído de vingança e sem receio de enfrentar, de novo, o Mundo do futebol. De Oliveira, não se pense, pois, que é «um começar tudo de novo».

António Oliveira recosta-se no sofá, acende um cigarro e expele… a primeira resposta à «Foot»:

– Não, não voltei ao princípio não senhor. Para mim não passa por ser senão um regresso. Trata-se, somente, do recomeçar de uma carreira que, só foi interrompida pelo aparecimento de uma grave lesão.

Nada mais?

– Nada mais, sinceramente.

Oliveira está calmo, sereno, confiante. Paciente até. Por momentos parece mergulhar em tudo por que passou nos últimos meses. E agora está disposto a contar. E conta:

– Sabe, tive momentos em que receei não regressar ao futebol como jogador. Sobretudo no período em que a minha lesão tardava em ser diagnosticada. Não via evolução nenhuma, de qualquer espécie, e isso quase me levou à descrença. Depois, bem, depois, o diagnóstico foi finalmente encontrado, abriu-me novas esperanças, aumentou-me a expectativa e deu-me uma força tão grande que desisti, de imediato, da ideia de concluir ali a minha carreira. Afinal, uma carreira de 15 anos de futebol profissional, com momentos tão altos que não podia acabar assim, de forma tão fria, tão rude, tão, tão, simples.

Oliveira continua a procurar as palavras adequadas à sua pior recordação:

– Não escondo, porém, o esforço que fiz para manter a calma, porque sabia os riscos que estava a correr. Falo de futebol um Mundo onde a memória dos homens é curta. Onde o importante, o fundamental é estar no activo e lá bem no alto. Sabia que a minha actividade é efémera e rodeada de ídolos com pés de barro. Esta constatação levou-me à ponderação, à serenidade. Confiava, afinal, em mim próprio e isso era o mais importante. Estava convicto de que o tempo me iria dar oportunidade de poder, mesmo com sacrifício, exercer a minha actividade na posse de todas as minhas faculdades e, fundamentalmente, com a dignidade e amor que sempre lhe dediquei ao longo de todos estes anos.

Fala-me num regresso de vingança?

– Vingança? Não, de maneira nenhuma. O que passou, passou. Foram questões que considero já ultrapassadas. Neste momento, penso apenas, no meu reaparecimento, que se está a processar com toda a naturalidade e dentro do previsto, já que venho de uma longa e forçada ausência dos relvados, pelos motivos conhecidos. Reconheço, porém, que essa paragem, forçada, deu tempo aos meus detractores de especularem à vontade. Só que eu, pessoalmente, sabia que essa situação não me iria afectar, como não afectou.

Graças a quê?

– A mim próprio. Conhecida perfeitamente essa situação, que me era de todo em todo desfavorável, mas também tinha comigo a certeza de que, logo que recuperasse da intervenção cirúrgica, iria, lentamente, pausadamente, com o tempo necessário, responder a essas pessoas.

Estará então, aqui, a tal vingança?

– Não, sem qualquer tipo de vingança. Apenas como resposta.

Que imagem tem hoje daquela clínica de Barcelona?

– A imagem de um palco negro que pisei num determinado período difícil da minha vida. O palco da interrupção de uma carreira que vinha percorrendo naturalmente. Mas, enfim, hoje, friamente, penso que se tratou, acima de tudo, de uma «quebra» temporária na minha carreira.

Hoje, Oliveira, está a caminho da melhor forma?

– Estou a tentar, estou a tentar. Pelo menos venho trabalhando com esse objectivo em mente. Técnica e fisicamente sinto-me bem, mas preciso de mais alguns jogos para poder atingir o ritmo necessário à alta competição.

A via para a recuperação que a seguir está, portanto, correcta?

-Claro que está, atendendo até ao facto de que estou efectivamente a recuperar bem, sob todos os aspectos. É evidente que se a metodologia fosse outra, mas os resultados fossem os mesmos, estaria de acordo na mesma. De qualquer forma o que prevalece é a metodologia do técnico.

E essa, tem tido influência?

– Suponho que sim, ainda bem e espero que total. Até porque não fiz nenhum contrato administrativo.

Que contrato fez, então? Em «branco» ou de outra «cor»?

– Bom, a esse respeito acho melhor ficarmos por aqui. É uma questão íntima, que só ao clube e a mim interessa. Essa ideia de assinar em branco nasceu de desabafos meus junto do meu grupo de amigos, aos quais, pretendia, apenas, garantir que me considerava longe de estar acabado. Podia, inclusive, ter dito aos meus amigos que até pagava para jogar!

Não receou sair do Sporting?

– A minha recuperação já me dava bastante em que pensar. Não escondo, porém, que logo que recuperasse, sentia que ficaria na equipa que me desse a possibilidade de disputar o título nacional e de ir à Selecção Nacional. Mas quem fez o contrato, foi o Sporting comigo e não eu com o Sporting.

Um Oliveira «novo» já na casa dos 30 anos. O jogador entende a «deixa», pensa um pouco e chega a sorrir, antes de filosofar:

– Olhe, até lhe digo que na próxima época sou capaz de rejuvenescer. Hoje estou mais novo do que estava «ontem» e se calhar «amanhã» estarei bem melhor. Por isso… De qualquer forma, enquanto jogar futebol quero estar no máximo, porque só assim, a idade pode funcionar com o compromisso do contrato.

Falou em rejuvenescer?

Oliveira assume a frase, inteiramente:

– É preciso ver que venho da reforma. A época passada andava de muletas, e não conheço nenhum jogador que possa jogar de muletas. Era como se estivesse a viver na terceira idade.

E mais a sério. Ou melhor, noutra perspectiva:

– Para mim, um jogador de futebol tem a idade correspondente às exigências da equipa, do espectáculo, do clube. Quando assim não for, está velho ou manco. Um homem de 20 anos sem uma perna não pode jogar futebol. E eu tenho a certeza de que fui mais velho o ano passado do que o serei daqui a cinco anos. Mas quanto à idade de um futebolista ela tem ainda a ver com a sua anatomia, o seu lugar, a sua função na equipa, o seu metabolismo. E é por isso que há lugares nas equipas em que se pode atingir os 40 ou 50 anos e outros em que não se pode chegar sequer os 27.

Oliveira mostra-se satisfeito com a resposta. Volta a sentir o efeito do fumo de um outro cigarro e pede um café. Estamos na sala «Joaquim Agostinho». E ele gosta de ali estar. Tudo se conjuga, portanto. Já bebido o café, «não perdoamos» a Oliveira. Uma série de questões quentes também não chegam para resfriar o ambiente. Sabe-se que as suas relações com Jordão e Manuel Fernandes não são as melhores.

– «Sabe-se não, diz-se.»

Mas Oliveira vai mais longe:

– As pessoas têm, umas com as outras, relações que só a elas próprias lhes diz respeito. Num jogador de futebol essas relações restringem-se às quatro linhas e, neste aspecto, quer a crítica, quer os adeptos, ficam a saber que as nossas relações são… óptimas.

E com Jorge Nuno Pinto da Costa?

– No campo, não temos relações.

António Morais, quem é?

– É um homem do futebol que a ele tem dedicado toda a sua vida quer como jogador quer como técnico. É um homem por quem tenho a máxima estima e consideração. E temos de reconhecer também toda a sua capacidade como técnico de futebol. Eu, pessoalmente, tive o prazer de o conhecer e de ter trabalhado com ele e, repito, em todas as circunstâncias foi um homem por quem sempre tive uma grande amizade.

Agora está no desemprego?

– E é o futebol quem perde sem dúvida nenhuma.

Estudaria um eventual convite do F. C. Porto, para regressar?

– Como não fui convidado, é uma situação que não encaro.

Fale-nos agora de Pedroto?

– Será a minha trave mestra para futura carreira de treinador. Se bem que tenha as minhas próprias convicções, a minha própria personalidade e filosofia, reconheço que foi José Maria Pedroto quem mais me marcou. E já agora devo dizer que tenho grande relutância em apresentar o «Mestre» Pedroto como referencial, porque tendo ele deixado, voluntária ou involuntariamente o futebol, há cerca de um ano, tem-se visto situações grotestas em que aparecem alunos da escola de Pedroto, «mestres» de Pedroto, rectificadores de Pedroto, mas tanto quanto eu saiba, o sr. Pedroto não só está vivo, como não fez testamento.

«Regressamos» a Oliveira. Agora já instalados no seu escritório da firma Olivedesportos, que divide com o seu irmão Joaquim. Trata, por momentos, de negócios e retoma… a sua carreira, marcada já por boas exibições e golos de antologia:

– Acima de tudo, da exibição individual e dos golos, está o interesse do Sporting. Prefiro que a minha equipa leve de vencida todos os adversários e continue a manter aspirações para o título Nacional e para a Taça de Portugal. Eu, sou apenas mais um jogador, disposto a dar todo o meu esforço e toda a minha boa-vontade, sempre que o treinador assim o entenda como necessário. E continuo a defender o colectivismo porque se a equipa estiver bem, então, não tenho dúvidas, de que eu também estarei. Eu e os outros.

Falsa modéstia?

– Não, não existe falsa modéstia nas minhas palavras. É aquilo que eu muito sinceramente penso, até porque tem sido esta, desde sempre, a minha forma de estar no futebol.

E o Sporting, como vai?

– Vai bem, obrigado (sorri). Penso que os resultados são o espelho da boa carreira que o Sporting tem vindo a realizar.

Graças a Toshack?

– Não gosto de emitir opiniões sobre os meus treinadores. Mas, já agora, aproveito para dizer que me sinto privilegiado em trabalhar com ele.

A Selecção Nacional também estava em «agenda». O regresso de Oliveira pode-se supor, um pouco mais alargado. O jogador prefere a evasão à questão:

– Neste momento penso exclusivamente no Sporting e na melhor forma de o servir. Depois penso em voltar a ser eu mesmo. Só a seguir pensarei na selecção como hipótese que, evidentemente, não excluo. Isto sem qualquer demagogia, porque considero ser sempre uma honra e um privilégio fazer parte da selecção nacional. É sempre uma meta que todos procuramos atingir. Se não pensasse assim estaria a ludibriar-me a mim próprio. Reconheço, todavia, que para lá chegar não vai ser fácil, não.

Ao México também?

– Acredito na ida ao México. E penso que não devo ser só eu, mas todos os portugueses.

Independentemente de o resultado contra a Suécia nos ter sido adverso?

– Não podemos dramatizar e alarmarmo-nos, porque o importante é acreditarmos em nós próprios e na nossa selecção, que já provou ser capaz de atingir qualquer objectivo e, neste caso, a qualificação para o Mundial.

Segue-se Malta:

– Pois segue, e não se julgue que Malta nos vai dar algumas baldas. Se se pensar assim, o melhor é ir lá atrás buscar o último resultado feito contra a Alemanha Federal. Ou melhor, não o resultado que foi desfavorável a Malta, mas antes a exibição que ia surpreendendo uma das melhores equipas mundiais. É preciso muito cuidado, sem dúvida.

A selecção está bem entregue?

– Sim, penso que sim. E neste momento o José Torres tem o consenso de todos.

E o Oliveira, em resumo, como está?

– Bem, muito bem mesmo.

Um regresso para ficar, portanto?

– Então, não? (!)

Fonte: Revista «Foot» Janeiro de 1985

Data: 01/01/1985
Evento: Entrevista

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