ReC 3T 2020/21 da Sporting SAD: Acabou a Herança! E Agora?
Sei que o objetivo maior de uma associação, de um clube, é satisfazer as necessidades coletivas e/ou alcançar interesses comuns, dito de outra forma e no nosso caso, alcançar o sucesso desportivo. Mas também não ignoro que a perseguição deste objetivo deve estar solidificada em princípios como o respeito pelo passado e a garantia de continuidade e sustentabilidade futura.
Dito isto, é extremamente penoso abordar e avaliar a gestão em tempos de sucesso desportivo, mas não há como evitar, pois são as contas, os relatórios, que permitem uma avaliação objetiva dos factos e ações que nos conduziram até ao momento em que as contas são apresentadas.
Vem isto a propósito do ReC referente ao 3º Trimestre da época 2020/21 que foi publicado no passado dia 31/05/2021. Confesso que hesitei em avaliar e escrever sobre estas contas, ao ler a primeira página do documento, ao ouvir durante a semana argumentos, fiquei com a noção clara que a propaganda oficial e semi-oficial, nem mesmo com o sucesso desportivo se cala e continua a enganar os Sportinguistas. Fiquei sem dúvidas que teria de escrever algo sobre as contas, precisamente por ser uma altura de satisfação e festejos pelo sucesso, é imperioso que se critique o que está mal, só assim ficaria de bem com a minha consciência.
Quem não falar agora, quem não criticar nesta altura, é bom que tenha a noção que se deve calar definitivamente, que aceite o “já está, já está”, a que já se habituou e não queiram habituar quem ainda ousa contestar ou criticar.
Sei que daqui a uns dias, e graças a mais um negócio milionário, poderei ser considerado um profeta da desgraça, pois poderá transformar a situação atual que apresenta um prejuízo de 23.5M e que caminha para um recorde no final da época bem perto dos 50M em resultados líquidos negativos, recorde que certamente Godinho Lopes não se importa de ceder.
Mas temos de ser objetivos na avaliação e mesmo que considere Varandas o principal responsável pela discórdia e pela delapidação do clube, não retira a objetividade ao facto das contas em 31/03/2021 apresentarem um prejuízo de 23.5 milhões de euros.
Este resultado só surpreende quem anda desatento, é uma evolução previsível das contas semestrais, cuja análise e gráficos, acompanhados como uma linha de tendência futura podem consultar aqui. Vemos todos os índices que interessava dominar, controlar e reduzir em crescimento acelerado, isto é, mais passivo, mais dividas a fornecedores e agentes, capitais próprios cada vez mais negativos, divida do clube à SAD a aumentar e a conta reserva continua cristalizada.
Como o objetivo deste texto é combater e desmontar a narrativa da propaganda oficial e semi-oficial que tem sido largamente difundida, não vou massacrar os leitores com mais gráficos, convido a ouvirem a última edição do Primeiro Tempo, onde as contas foram e bem escalpelizadas e cujos prints dos gráficos elaborados pelo Simão podem também consultar no final deste artigo.
Assim, vamos de imediato ao que interessa. Na página 4 do ReC somos brindados com esta informação:
Dizem-nos que o resultado de 23.5M de prejuízo é resultante do impacto da pandemia e justificado pela contração do mercado de transferências e quebra de 15M nas receitas operacionais. Mas está tudo doido ou quê?
Dos 15M na quebra das receitas operacionais, 9M resultam do falhado objetivo desportivo e financeiro de participar na fase grupos da Liga Europa.
Querem ver que o Covid é responsável por terem colocado o Palhinha a treinar separado do plantel numa altura crucial da época, tendo em vista este objetivo financeiro e desportivo?
Efetivamente, há uma perda de 11M na bilhética, dispenso-me de colocar o print para comprovar, todos sabemos que não houve público no estádio, mas houve também um acréscimo de receita provocado, imaginem, isso mesmo pelo Covid, então vejam:
Foram só mais 4M de receita, coisa pouca não é verdade!! Mas não fica por aqui. O facto de não existir público, lá está, culpa do Covid, possibilitou uma enorme redução dos gastos, como vemos aqui:
Mais 4M menos 4M, ninguém repara nisso, então temos (e dando barato a enorme perda de receita ocasionada pelo falhanço da Liga Europa) uma redução de 11M na bilhética, um aumento de 4M nos direitos televisivos e uma redução de 4M nos gastos, ou seja, um impacto nas contas inferior a 3M. Ainda se lembram da propaganda inicial da responsabilidade do “vocês sabem quem” no prejuízo de 23.5M. E enquanto se lembram disso eu vou fingir que esqueci o seguinte (mas não vou esquecer):
Desmontada a culpa do Covid na redução das receitas operacionais, provavelmente o impacto até acabou por ser positivo, mas passamos para a contração do mercado de transferências.
Para os mais desatentos, vou lembrar que a venda de jogadores no período foi de 46M, não sou eu que o digo, está no ReC:
Bem, parece que afinal conseguimos vender tudo o que tinha valor e obtivemos nesta rubrica uma receita muito superior à média da última década, eu sei e vocês também sabem que só não conseguiram vender o Palhinha, que foi apenas essencial na conquista do título, porque dizem as más-línguas, o jogador recusou ir jogar para a Rússia. Eu sei que ainda se lembram, mas por ser tão importante vou colocar de novo:
Pudemos ainda dar a volta à questão e falar pelo outro lado, o mercado estava tão contraído, mas tão contraído, que não perdemos a oportunidade de comprar o jogador mais caro de sempre por 16.77M e isto apenas por 70% do passe. Imaginem agora quanto não pagaríamos se o mercado não estivesse contraído. Ridículos!
Ainda no âmbito da propaganda oficial, passamos para a propalada redução de salários, lembram-se certamente que no ano passado a propaganda oficial nos pediu para expurgar do gasto em salários as indemnizações e dessa forma havia uma redução de 12.4M e vendia a ideia que no futuro iria acontecer uma poupança de 35M, não se lembram? Vamos então recordar:
Pois é! Façam então agora esse exercício de excluir as indemnizações nas contas deste ano:
Surpreendidos? Afinal em lugar da redução prometida, há um aumento de 2.123M e eu disse que não me esquecia e que voltava ao assunto e o despedimento coletivo prometendo a famigerada redução salarial:
Então, se os jogadores com salário mais elevado foram saindo, funcionários foram despedidos e os salários continuam em contexto de pandemia (dizem ser muito importante para as contas) a aumentar, será que se pode questionar se por Alvalade há mais jobs ou mais boys? Falo apenas em boys, pois está confirmado que as girls do Futebol Feminino levaram uma enorme vassourada, deve estar enquadrada em mais uma redução fantasma de salários.
Isto começa a ficar um pouco longo, altura para referir alguns dos argumentos que andam na boca de muitos adeptos incluindo alguns a quem é concedida ampla cobertura pela comunicação social.
“O problema de as contas terem prejuízo foi por causa da compra do Paulinho” dizem com sabedoria. Vou abordar este tema, porque é importante que percebam que a aquisição de um jogador não significa impacto imediato nas contas, pode até servir (não será o caso, acredito) sobretudo quando acompanhadas por uma venda, para camuflar muita coisa.
Então o Paulinho custou 16.770M por 4.5 anos de contrato, ou seja, por 54 meses (16.770M:54Meses = 0.31M p/ mês) Este valor aquisição vai ser repartido pelos 54 meses do contrato e como nestas contas ele só entra em fevereiro e as contas são até 31/03, então entram 2 meses e temos 2×310 mil euros = 620 mil euros.
A compra de Paulinho nestas contas representa um gasto de 620 mil euros, mas por outro lado ocasiona um aumento do ativo de 16.1M, percebam a importância disto.
Mas o negócio não se ficou por aqui, pois incluímos o Borja, e quando temos uma venda, a mais-valia, quando existe, entra de imediato e pela totalidade nas contas, e no caso, houve uma mais valia de 680 mil euros, podem verificar aqui:
Resumindo, o negócio “Paulinho” teve um impacto positivo nestas contas de 31/03 de 60 mil euros, além do que já referi sobre o facto de ter aumentado o ativo em 16M. Claro que depois temos os 2 meses de salários, mas parto do princípio de que o salário do Paulinho não é superior aos salários do Borja e Sporar que saíram.
Gostaria de falar do obscurantismo que envolve a dívida do clube à SAD, com explicações oficiais e semi-oficiais que enquadram uma relação tripartida entre o clube, a SAD e a Plataformas, mas esquecem sempre de referir que os valores não coincidem e que no final fica sempre uma dívida do clube à SAD que ultrapassa largamente o limite definido nos estatutos e que, para ser contraída, necessita de aprovação prévia dos sócios. Deixo esta questão para outra altura até porque os peritos dos estatutos perderam o pio (referência aos milhafres não é mera coincidência).
Finalizo com a narrativa da propaganda que mais adoro desmontar, todos já ouvimos nos últimos tempos, expressões como estas “uma venda até 30/06 (NMendes) e as contas da época que passou ficam melhores que boas”, “mais uma venda no início da época e os milhões da Champions garantem uma época sem sobressaltos financeiros”, “uma boa campanha na Champions e teremos a sustentabilidade garantida para muitos anos”, “boas aquisições no início de época são garantia de competitividade para todo o sempre”… Já dá para perceber a narrativa da teoria dos “ses”.
A sério que acreditam nisso? A sério que acreditam que até agora foi uma brincadeira que consumiu mais de meio bilião de euros (já lá vamos) e que agora é que vai ser, agora saiam da frente pois não damos hipóteses. O mundo está perdido!
Conseguem não pensar nem que seja por um minuto que ainda na época passada vivemos uma das piores épocas de sempre, e a humilhação só não foi maior porque apareceu o Covid (sempre ele) e Rúben Amorim?
Esqueceram os 4 treinadores na época do “projeto”?
E já esquecemos o instinto infalível do fisiatra?
Querem mais e melhores exemplos do killer instict revelado no ataque ao mercado?
E poderia continuar durante horas a colar exemplos do instinto, do impulso de Varandas na condução da gestão do clube. E só escrevo sobre o negócio futebol, pois se fosse escrever sobre o desrespeito e hostilização aos sócios, seriam necessários dias e não horas.
Mais importante que tudo é isto, é questionar os leitores se tem a noção que em menos de três anos entregámos a uma gestão autista mais de 500 milhões de euros (disse que voltava ao tema), sim, mais meio bilião de euros e não chegou, pois só um grande negócio nas próximas semanas permite que a temporada acabe sem um prejuízo monumental. Para os mais céticos passo a detalhar, agarrem na máquina de calcular e façam a soma, 188M de receitas operacionais, 237M de receitas extraordinárias ocasionadas com vendas de jogadores, 64M de receitas futuras da nós adiantadas, 18M que resulta do aumento do crédito nos fornecedores, chegaram lá? E ainda falta registar os mais de 50M necessários para compor as contas destes 3 anos. Tudo isto numa organização que consome em gastos operacionais menos de 100M, ou seja o valor já gasto pela gestão de instinto, daria para uma gestão de 5 anos e sempre com equipas competitivas.
Acreditam mesmo que houve e há racionalidade no instinto, nos impulsos, desta gerência amadora e autista que necessita anualmente de 100M em receitas extraordinárias e mesmo assim, queixam de tudo e mais alguma coisa?
Acreditam mesmo que, e agora que a herança terminou, estamos em condições de produzir e vender anualmente um Bruno Fernandes e um Nuno Mendes?
Acreditam que mesmo vendendo, logo que se destaquem e sempre com a faca no bucho, os melhores jogadores, vamos conseguir manter a equipa competitiva e lutar por boas campanhas na Champions?
Acreditam mesmo que os 100M que esta administração necessita de realizar anualmente em vendas de jogadores vai continuar a ser possível quando cada vez mais os passes dos jogadores são partilhados com parasitas?
Acreditam mesmo que a contratação de Amorim foi racional e não apenas mais um impulso que por acaso e por enquanto (espero que por muito tempo) deu certo?
Acreditam mesmo que há projeto, estratégia ou rumo?
Seriously?!
Isto já vai longo, bem mais do que inicialmente pensava, mas não posso terminar sem apelar aos que inebriados pelos títulos, esquecem o estado miserável das contas que exerçam o contraditório e apontem aquilo que no texto consideram ser menos factual ou verdadeiro. E apelo àqueles que ainda se importam com o futuro e se preocupam com o estado calamitoso da situação económica e financeira do clube, aproveitem a onda de sucesso (é altura certa, quando as coisas correm mal não faltarão os oportunistas do costume) e as tréguas que a pandemia nos vai dando para exigir, para lutar, para demonstrar o desagrado com a situação. Exijam as AGs obrigatórias, os esclarecimentos sobre as contas e orçamentos chumbados, uma auditoria às contas negras, responsabilização pelos leaks, fim da hostilização aos sócios, cumprimento das promessas eleitorais, pois motivos não faltam.
Porra, indignem-se, manifestem-se, façam-nos acreditar que ainda há esperança, caso contrário começo a considerar que não resta alternativa que não seja o regresso ao conforto do sofá, para vibrar com as nossas equipas e controlar as náuseas provocadas pelo regresso de uma nova geração de “croquetes” que gerem o clube de acordo com as suas prioridades e a seu bel-prazer.
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Evolução da Dívida a Fornecedores e Factoring – Acumulado por presidência e últimos 10 anos:
Evolução do Activo e Passivo – Acumulado por presidência e últimos 10 anos:
Evolução dos Proveitos Operacionais e Custos Operacionais nos últimos 10 anos:
Dívida Financeira:
Dívida do Clube à SAD:
Texto escrito em parceria com www.brunodecarvalho.com
Tudo certo. Análise dos números e dos conceitos. A juntar a isso afinal em que regime de excepção é que se enquadra a actual gestão financeira do Clube que continua ilegalmente a realizar actos proibidos por Lei função do chumbo das contas 2019/2020 e do orçamento para 2020/2021? Alguém pode explicar?
Neste momento até um cego vê ao pó to que o nosso clube chegou. Com esta maravilhosa presidência e gestão. Não sou de todo pessimista mas pelo caminho que está-mos a percorrer provavelmente vamos ter a pior época em termos globais do nosso Sporting clube Portugal (excepto o futebol).