RUGIDO VERDE

Levantar e levantar de novo, até que os cordeiros se tornem Leões!

Sexta-feira, Março 29, 2024

Sporting de corpo e alma: longe de Alvalade, mas vivendo no coração do Leão

Ser leão começou ainda eu morava em Moçambique, mais precisamente na cidade de Vila Cabral, atualmente Lichinga, no então distrito do Niassa. Daquele tempo com quase 10 anos, tenho a recordação do meu falecido pai, Manuel Teixeira Estanqueiro, escutando a Emissora Nacional num jogo frente ao eterno rival. Estaríamos no ano de 1975, não me restam dúvidas, e para mim foi como que a primeira dose da vacina da paixão por um clube. Se não estiver errado empatamos 1-1, salvo melhor juízo 04 de Maio de 1975.

Não foi um resultado de alvissareiro, mas poderia dizer que a “mosca” me mordeu. Meu genitor, com toda a certeza, viveu o período áureo nos anos 1940/50, tempo dos Cinco Violinos, onde dominávamos o desporto nacional, talvez por isso era um adepto incondicional do nosso Sporting.

Mas a “chama” tomou proporções mais perenes quando nos idos tempos de 1976, tínhamos voltado já de Moçambique, meu pai emigrou para o Brasil, quando meu avô materno me “enfeitiçou” e fez-me sentir leão de corpo inteiro. Recordo a paixão dele pelo clube, pese embora nunca lhe tenha sido possível ir ao ninho do Leão. Era eu um adolescente rebelde, não tinha disponibilidade de acesso a notícias, mas ao final de semana, lá me sentava ao lado de meu avô, José Sardo para escutar os relatos do meu então já amado clube.

À segunda-feira, em tempo de aulas, já discutia com meus colegas os desafios da jornada ocorrida no final de semana. Meu conhecimento e meu conteúdo sobre o Sporting Clube de Portugal era pouco, não tinha a dimensão da grandeza do Clube, do Mundo do desporto e acreditava na disputa no relvado, nas pistas ou no pavilhão nas diferentes modalidades.

Na década de setenta, do século passado, a grande recordação que tenho daquela época, residindo então na Gafanha da Nazaré (Ilhavo) foi a conquista da Liga dos Campeões Europeus de Hóquei Patins em 1977, que me consolidou em definitivo essa boa “doença”, e me deu sempre a esperança de tornar-me sócio e quiçá um dia poder contribuir nas discussões do nosso clube.

Foram quase dois meses entre Maio e Junho de 1977, de Voltregá a Villanueva passando pelos jogos em Alvalade, quatro jogos, ali ao lado do rádio, uma enorme emoção e alegria quando acabou com a conquista inédita para Portugal. Que equipa maravilha com Ramalhete, Rendeiro, Sobrinho, Chana e Livramento! Importante conquista que fará dia 18 de junho exatamente 43 anos de uma conquista tão saborosa para um jovem de 11 anos e tantos sonhos que naquela altura tinha, como ir ver um jogo contra o Beira-Mar em Aveiro.

Ocorreu nesses tempos, um facto que talvez tenha me ensinado muito do que sei do Sporting Clube de Portugal. Um dia, passando em frente a uma livraria, na rua dos Combatentes da Grande Guerra, na cidade de Aveiro, vi pendurado fora da porta o nosso jornal do Sporting, não sei precisar a data, mas logo imaginei como seria bom poder comprar o jornal para saber de todas as notícias.

Era um jovem que estudava, não trabalhava ainda e, como tal não tinha como saciar o meu desejo. Até que um dia minha falecida avó paterna Vitória, sugestivo nome, me deu uma nota de 20$00 (vinte escudos) para guardar no mealheiro. Num estalo logo pensei, agora posso comprar o jornal. Foi a minha maior alegria como que tivesse alcançado um grande objetivo. Viria algumas semanas depois, a tristeza, pois não teria como sustentar essa compra semanalmente. O que importa é que, um dia de um jeito outro dia de outro, lá fui comprando o jornal para conhecer a atividade semanal e a grandeza do clube.

Meu avô contava-me das conquistas dos Cinco Violinos, da Taça das Taças e de outros feitos que notabilizaram o nosso clube como um dos grandes clubes de Portugal, da Europa e do Mundo. Dizia ele: ”…não há páreo para estes gajos… anos atrás o Yazalde foi o bota de ouro…”

Essa situação retroalimentou a paixão, e passei a viver sempre com o Sporting, como um elemento importante do meu apanágio. Naqueles tempos, não tinha a dimensão dos Valores associados como Esforço, Dedicação, Devoção  e Glória. Este lema talvez tenha permeado minha paixão como adepto no primeiro momento e associado mais tarde.

Outro episódio que me marcou foi, quando houve o Campeonato Nacional de Corta-Mato ali para os lados do Campo de Tiro na Gafanha d’Aquém, tínhamos um time de atletas que tinha sido CampEões da Europa, Carlos Lopes, Fernando Mamede, Aniceto Simões. Já não sei precisar o ano, mas lembro de ir a correr, para pedir os autógrafos dos meus ídolos de outrora.  

A receita do bolo estava dada, mas a forma final teve uma contribuição de outro grande fervoroso adepto, meu tio José, irmão de meu pai, que retornara da Alemanha, após um período emigrado. Estávamos em 1980, numa época onde as coisas nem tinham dado tão certo, mas eis que em Maio o Carlos Freire nas Antas faz um golo aos 49 minutos e eu comecei a desenhar que iríamos ser campeões.

Quase apostei com o meu tio que o Sporting alcançaria o título. E não é que tivemos o privilégio, eu e o meu tio, de escutar juntos a vitória em Guimarães, frente ao Vitória local (1-0) com a famosa cabeçada dividida na bola de Manoel e o Manaca e abrirmos o espumante para comemorar aquele que na verdade é o meu primeiro título no futebol, vivido com toda a emoção, lágrimas e muitos abraços.

Naquela equipa, tinha alguns nomes que me marcaram para sempre, mas meu ídolo era Manuel Fernandes, junto com o Fraguito e o Jordão faziam parte dos meus “relatos” de jogos com os amigos no ciclo, pois além demais os relatos de futebol me fascinavam imenso. Foi nesse tempo, que acabei escrevendo para Lisboa, para saber como poderíamos estruturar uma filial do Sporting na Gafanha da Nazaré, mas deixemos isso para outro dia.

Era o ano de 1981 e eu com os meus tenros 15 anos, quase “sócio”, dado o fervor clubista que tinha, venho para o Brasil, mais precisamente ao Estado do Amazonas, na cidade de Manaus. Quando dei por mim, estava mais longe, com menos acesso a tudo que me mais me motivava na adolescência. Longe, sem os amigos tradicionais começou um longo período de seguir o nosso SCP através da emissora nacional, nas ondas curtas. Aos dias de jogos era sagrado escutar o relato, mas o que mais me doía era não ter mais acesso ao jornal do clube.

Logo viria o primeiro título comigo já no Brasil, quando na temporada de 81/82 com Malcom Allison nos deu campeonato e taça, vivendo agora de novo com o meu pai, senti as conquistas como uma recompensa pelo sacrifício de estar longe e sem todas as notícias, a que estava habituado. Recordo de ter ligado para alguns amigos, Pedro Martins e Paulo Mónica, para comemorarmos essa dobradinha. Naquele tempo, pensava um ano desses vou conhecer o Sporting a Lisboa. Meu pai havia-me prometido isso quando fossemos a Portugal, mas a vida tramou-me, com o acidente aéreo de Tabatinga onde ele faleceu.

Passei um tempo perdido, tinha no Sporting meio que um escape, um aconchego, ainda que não tivéssemos tido grandes conquistas no futebol. Lá pela emissora nacional, ia acompanhando o clube, pois salvo melhor juízo só em 1984 voltei a receber o Jornal do Clube, quando já morava em Belém do Pará. Mas um ano, concretizei um grande sonho, de férias em Portugal consegui assinar a minha proposta de sócio da nossa secular instituição desportiva. Recordo que foi uma questão de amor e que orgulhosamente mostrava o cartão de sócio.

Nas vitórias ou nas derrotas, com gozação ou elogios sempre todos me conheciam como um fanático sportinguista, tanto cá como lá. Acabei indo ver o jogo a Aveiro e outro a Coimbra. Recordo com saudade outro momento que estive em Lisboa na frente da Porta 10A. Não estava presente, mas acompanhava sempre as coisas lá por Lisboa. As esperanças cresceram nos tempos de Jorge Gonçalves com as “unhas”, sempre um bom arranque, mas depois as questões extra-futebol foram-nos deixando para trás na questão do futebol, embora mantendo o nosso ecletismo.

Depois vieram o novo Estádio de Alvalade, o Projeto da Academia em Alcochete e outros desafios que fizeram o nosso clube um grande balcão de negócios. Não querendo fazer julgamentos, pois não teria todas as informações nem todos elementos tenho dois marcos como Presidente: João Rocha e mais recentemente Bruno de Carvalho. Mas essa prosa deixamos para outro momento. 

Mas como foi viver o Sporting Clube de Portugal morando no Brasil quase completando 39 anos perguntarão alguns?

Simples: uma enorme inspiração para manter a ligação à família, a Portugal e ao Sporting Clube de Portugal. Nos momentos que era possível, via rádio-difusão, televisão e com o advento da internet tudo ficou mais próximo, conectado e com muita emoção. Recordo o título no futebol do ano 2000, com o Inácio técnico, tive o prazer de escutar o relato já via web através de um sinal que tinha conseguido. Foi um grande momento, já sem nenhum deles, meu pai, meu tio ou meu avô, mas imaginando como eles estariam felizes se cá ainda estivessem.

Os dois últimos jogos, já no novo Estádio José Alvalade foram contra a Juventus (1-1) e Braga (2-2) em pleno outono de 2017, lá estava na bancada a torcer pelos meus ídolos. A ultima grande emoção foi sem dúvida os títulos de campeões da Europa em Futsal e Hóquei Patins, embora possa dizê-lo a maior emoção, lágrimas mesmo, aconteceu com a reconquista do título de campeão nacional de Hóquei em Patins 30 anos depois. Que sensação de conquista merecida!

Sempre tem os amigos lusitanos, filhos ou netos de portugueses que torcem pelos nossos rivais, mas isso não impede de marcarmos posição, defendermos a verdade desportiva e sobretudo de fazer valer os valores do nosso patrono e fundador José de Alvalade, que juntos com o Visconde de Alvalade e o Francisco Stromp, alguns dos nossos fundadores, deveriam inspirar e dar coragem aqueles que se propõem a dirigir os destinos da nossa secular instituição desportiva.

Como legado para o meu filho João Vitor, espero que como o mundo sabe, que a 14 de outubro de 1985 consegui tornar mais um sonho concretizado, sendo admitido no quadro de sócio do Sporting Clube de Portugal, torço para que ele também dê continuidade à mística leonina. Hoje, quase completando 35 anos de ligação ao nosso clube, agradeço a Deus ter-me dado discernimento, sabedoria e saúde, ao meu avô pela “chute” certeiro na minha alma contagiando-me. Orgulho de ser Sporting Clube de Portugal.

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Comments

  1. José Costa Jorge

    Adorei ler este artigo; ser do SPORTING para mim é isto. Parabéns! Abraço forte desde Wollongong NSW Australia SPORTING FOREVER! SEMPRE NA FRENTE!

  2. Rei Leão

    Parabéns pela história bonita e obrigado por ter partilhado connosco. Gostei muito de ler.

  3. Leão com memória

    Fantástico. Com o Português com açúcar do Brasil, ainda melhor.

    Parabéns.