RUGIDO VERDE

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Domingo, Abril 28, 2024

A moratória de Rúben

As palavras que se seguem, ancoram total e exclusivamente em notícias publicadas na comunicação social.

Não tenho qualquer conhecimento pessoal ou profissional dos intervenientes, ou até das instituições envolvidas.


O Sporting Clube de Portugal adquiriu os direitos de Rúben Amorim, ao SC Braga, para ser seu treinador. Se é caro ou barato, se fez bem ou mal, se é treinador adequado ou não, é uma mera decisão “política” que não diz respeito ao que pretendo analisar.

O SCP fez um acordo com o SC Braga para essa aquisição, e obrigou-se ao seu pagamento. Ao que constou na comunicação social, o Sporting devia ter pago cinco milhões de euros (mais juros) ao SC Braga relativos à primeira prestação da transferência de Rúben Amorim, no dia 6 de março, mas falhou esse pagamento. O SCP justificou a medida com a grave situação financeira derivada do atual contexto de pandemia, que inclusivamente levou o clube a entrar em lay-off nessa altura.

No fundo, e numa linguagem técnica, o SCP socorreu-se do protocolado no Código Civil, a propósito da formação da vontade nos contratos e, sobretudo, na alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar (cfr. art,º 437º do Código Civil).

Urge com fulgor, desde já, alavancar que a gravíssima emergência de saúde pública que vivemos, como nunca em décadas, pela pandemia originada na infecção do SARS2 Covid-19, que levou o Governo a decretar o Estado de Emergência, é mais que causa para levar à alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar.

Acresce ainda que com a publicação da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, que consagra medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica que nos assola, também os prazos de prescrição e caducidade foram suspensos. Na verdade, do nº 3 da Lei resulta que a situação excepcional implica também a suspensão de prazos de prescrição e de caducidade relativamente a todos os tipos de processos e procedimentos, o que protege todos quantos forem titulares de direitos, que não serão forçados a fazê-los valer enquanto a situação excepcional persistir, com a particularidade de, nos termos do nº 4, esta suspensão de prazos de prescrição e caducidade prevalecer sobre quaisquer regimes que fixem prazos máximos imperativos, sendo tais regimes alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excepcional.

Sinalize-se ainda que, quanto à produção de efeitos desta Lei, o art.º 10º retroage os mesmos à data da produção de efeitos do DL nº 10-A/2020, ou seja, ao dia 13 de Março, nos termos do respectivo art.º 37º, o qual, ainda assim, reportava a 9 de Março os efeitos do disposto nos seus arts. 14º a 16º.
Por outras palavras, o SCP encontrava aqui um refúgio legal para não cumprir o pagamento na data acordada (rebus sic stantibus, base do negócio, onerosidade excessiva), e o SC Braga esbarrava com a possibilidade de dar entrada em juízo com ação para, fazendo valer o seu direito, receber o montante acordado.

Note-se, com incogitada importância, que desconheço o documento pelo qual as partes redigiram o acordo de transferência dos direitos desportivos de Rúben Amorim. Desconheço se lhe atribuíram força executiva. Ou seja, se o Sporting ali declarou ao Braga, ser admissível o imediato recurso deste à penhora do primeiro, no caso de incumprimento. Se o fez, estamos mal.
Apesar da publicação de várias leis excepcionais que entravam neste momento o prosseguimento “normalmente lento” dos processos nos tribunais portugueses, foi também publicada lei sobre a matéria: al b) do n.º 6 do art. 7.º da Lei 4-A/2020 de 6 de Abril, que diz o seguinte:

Atente-se que este dispositivo legal não estatui a asserção “com exceção daqueles que causem prejuízo grave à subsistência do executado ou cuja realização lhe provoque prejuízo irreparável”, isto é, a lei não foi delineada para proteger os interesses do Sporting, neste caso concreto e, por tal razão, não será por aqui que o Sporting poderá almejar suster uma hipotética penhora, com todos os encargos e inconvenientes que se lhe reconhecem.

O que, face à penhora, o SCP poderia alegar é, então a já mencionada onerosidade excessiva, ínsita no art,º 437º do Código Civil, que se pode traduzir na alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar.

Analisemos, por instantes, quais eram as circunstâncias que imperavam antes da declaração de estado de emergência devido à pandemia do COVID-19:

1 – em 27/SET/19, o SCP tinha chegado a acordo para a contratação do treinador Silas [5.º num espaço de tempo muito curto], após ter sido contratado para liderar a equipa técnica da principal equipa de futebol. Na altura, o Presidente do CD do Sporting disse:

2 – pouco tempo depois, a 29/JAN/2020, o SCP chega a acordo com o Manchester United para a venda de Bruno Fernandes, cujos números anunciados não deixavam dúvidas sobre os montantes envolvidos:

Não cabe aqui analisar esta notícia e a inerente estranheza e dúvida nos números apresentados: de 55 milhões mais 25 milhões variáveis e 10% da mais-valia, o Sporting apenas fica com 29,3 milhões.

Importa sim sinalizar que, em final de janeiro de 2020, o SCP tem em carteira quase 30 milhões de euros.

E quase de seguida, em 05/MAR/2020, é apresentado como treinador Rúben Amorim, num negócio entre o clube de Alvalade e o Braga, que ascende a cerca de 10 milhões de euros.

Ou seja, mais de ⅓ do valor de Bruno Fernandes.

Contudo, em meados de abril de 2020, o SCP decide falhar o pagamento ao Braga, justificando a medida com a grave situação financeira derivada do atual contexto de pandemia, que inclusivamente levou o clube a entrar em lay-off nesta quarta-feira. Socorria-se assim do art,º 437º do Código Civil alegando que a declaração do estado de emergência constituiria uma alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar.

Em última análise, o SCP funda a decisão de contratar Rúben Amorim em dele necessitar, mas também porque tem liquidez suficiente para o pagar, por via da venda de Bruno Fernandes.

E não tenho informação que o Manchester United tenha alegado alteração das circunstâncias em face da declaração da pandemia do COVID-19, para não pagar ao SCP o valor da aquisição de Bruno Fernandes.

Por tal razão, não há, s.m.o., alteração das circunstâncias em que o SCP fundou a decisão de contratar Rúben Amorim que legitimem o não pagamento acordado e, muito menos, que o desobriguem do pagamento de qualquer cláusula compulsória penal devida pelo não pagamento atempado do devido.

Texto escrito por João Azevedo, Advogado

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Comments

  1. Neca Pinto

    Parabéns pela excelente e fundamentada análise.

  2. Francisco Duarte

    Este advogado lol este causídico verte verborreia jurídica a luz da lei e pelo espírito da lei mas …. para poesia temos o pessoa
    A cédula deve ter dois dias

  3. Paulo Vieira

    O problema do Sporting é ter sido tomado de assalto por uma corja de gatunos, com Rogério Alves à cabeça, auxiliados por uma legião de incompetentes liderados por Varandas, cujo único assunto em agenda é a venda da SAD. Infelizmente a grande maioria dos sócios pensa que isso só poderá acontecer se for aprovado em AG, mas o “cozinhado” já está a ser preparado há muito tempo e os sócios serão confrontados com a inevitabilidade da venda (por um preço ridículo) ou a falência.
    Ou alguma coisa é feita já, ou o Sporting, mais concretamente a sua SAD, que engloba quase todo o universo Sporting, estará irremediavelmente perdida… e os golpistas terão assegurado uma reforma dourada.