RUGIDO VERDE

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Sexta-feira, Março 29, 2024

ESFORÇO, DEDICAÇÃO, DEVOÇÃO E JUSTA CAUSA, OU A HISTÓRIA ESCRITA PELOS ‘VENCEDORES’?

Na obra Wicked, o Feiticeiro de Oz, procurando justificar a adesão à mentira confortável que era a sua vida, explica–se assim : “Where I’m from, we believe in all sorts of things that aren’t true – we call it history”.

Quase dois anos depois de me ver sentado no sofá da sala enquanto olhava incrédulo para as notícias televisivas que davam conta de uma invasão de um grupo de adeptos (?) sportinguistas (?) às instalações da Academia do Sporting em Alcochete, aquelas palavras do Feiticeiro fazem cada vez mais sentido.

15 de Maio de 2018, poucos minutos depois das primeiras notícias, e muito possivelmente quando os invasores ainda nem tinham acabado de abandonar a Academia, um jornalista ou comentador (é muito difícil saber onde acaba um e começa outro) do canal a que eu estava a assistir, fez o primeiro comentário que me lembro de ter ouvido sobre o tema. E logo aí, nessa liminar intervenção, disse ele que, por via do que estava a suceder (ainda sem sequer se saber exactamente o que era), os jogadores do Sporting poderiam avançar para a rescisão dos seus contratos com o Sporting.

Lembro–me perfeitamente de na altura isto me ter soado estranho, e pensar algo como “ainda nem se sabe o que se passa, se há feridos, danos, detidos, quem são, e a principal preocupação deste gajo é informar que pode haver rescisões de contratos?! Que coisa despropositada…”.

Hoje aquela primeira ‘advertência’ do jornalista já me parece tudo menos despropositada.

O resto da história seguinte ao ataque à Academia é por demais conhecido, e não vou aqui relembrá–lo. O presente escrito visa apenas questionar a realidade que todos parecem dar por assente – a tal “História” de que fala o Feiticeiro de Oz.

E essa realidade aparentemente indiscutível é a de que os jogadores que rescindiram contrato com o Sporting tinham justa causa para o fazer.

Não é verdade.

A justa causa não é um conceito esotérico nem filosófico, é um conceito jurídico que tem de ser integrado por factos, e apreciado caso a caso – nunca por ‘atacado’.

No caso, e em termos genéricos, o conceito de justa causa teria sempre de estar ligado a uma actuação culposa do empregador (o Sporting) que colocasse em causa a exigibilidade de o trabalhador (os jogadores) manterem a relação contratual de trabalho. Porque é bom recordar (primeiro aspecto tantas vezes esquecido) que os jogadores rescindiram com o Sporting, não com os adeptos que invadiram a Academia.

Ora, o máximo que aqui se pode dizer, não é que os jogadores rescindiram com justa causa, mas sim que rescindiram invocando a existência de justa causa. O que está longe de ser a mesma coisa.

Porque até este momento, não há absolutamente ninguém que possa dizer que existiu justa causa em todos e cada um dos casos dos jogadores que a invocaram. Pelo único e simples motivo de que a existência de justa causa como fundamento de cessação da relação contratual só pode ser declarada pelo tribunal competente para o efeito – o TAD no caso, que, apesar de ser tribunal ‘não judicial’, se rege e deve aplicar precisamente as mesmas regras de Direito na sua decisão.

Em todas as situações em que as partes não estejam de acordo quanto à existência de motivos legais para rescindir o contrato, apenas e só o tribunal pode avaliar e ratificar (ou não) a existência de justa causa.

Ora, até ao momento, o tribunal competente (TAD) no caso, pronunciou–se sobre a existência de justa causa com relação às rescisões dos jogadores em 2018 apenas em uma das situações – a de Rafael Leão (nota : a decisão do TAD sobre Rúben Ribeiro não teve a ver com o processo de rescisão, mas sim com o valor de prémios anteriores não pagos pelo clube).

O resultado do caso do jovem ‘prodígio’ da cantera leonina que (a infeliz exemplo de tantos outros, é tão bom de pés como fraco de cabeça e respeito pelo clube) é conhecido, e deixou sem chão muitos opinadores e experts que jamais sequer questionaram a razão dos jogadores.

A verdade, porém, é que Rafael Leão é já praticamente a excepção enquanto caso em aberto e de entre todos os que rescindiram – como todos sabemos também, uma a uma, foram sendo eliminadas as hipóteses de algum dia se saber se de facto houve justa causa para as rescisões de vários outros jogadores, cujo valor de mercado era substancialmente mais elevado.

Rafael Leão poderá ter de vir a indemnizar o Sporting em 16,5 milhões

Note–se bem que eu não estou a dizer se houve ou não fundamentos para se verificar justa causa nesses outros casos, nem sequer estou a dar a minha opinião sobre isso, sendo que a tenho e é tão boa como qualquer outra. O que estou apenas a realçar é isto mesmo : que todas as opiniões sobre este assunto podem ser muito doutas e muito válidas; mas a verdade incontornável é que sem que um tribunal se pronuncie reconhecendo que há justa causa num determinado caso, elas não passam disso mesmo – de meras opiniões. Ponto final.

Não sabendo eu, nem o podendo afirmar ninguém, portanto, se existe ou não justa causa, sabemos porém algumas coisas objectivas-.

Sabemos que todos os jogadores que rescindiram invocando justa causa, e que já chegaram a acordo com o Sporting, assinaram com clubes da esfera de influência da Gestifute. Sendo a justa causa assim tão óbvia, não se justificaria que tivessem tido um mercado bem mais amplo e diferenciado?

E, já agora, o argumento de que o Sporting chegou a acordo com esses jogadores e clubes por ‘recear’ que um litígio venha a ter como solução a verificação de justa causa, é um argumento reversível – também podemos de igual forma dizer que todos esses clubes e jogadores aceitaram o acordo por recear que o mesmo litígio viesse a resultar no não reconhecimento da justa causa. E, lá está, tão válida é uma opinião como a outra.

E sabemos também que, por incrível que isto possa parecer, nunca ninguém, nem um único jornalista ou comentador, ou (mais grave, digo eu – mas isto sou eu) responsável do Sporting jamais questionou por que motivos os jogadores que não rescindiram assim decidiram fazer. É que, e é outro pormenor sempre esquecido, de todo o plantel do Sporting em 2017–18, apenas nove jogadores rescindiram invocando justa causa. Pelas minhas contas, dezoito não o fizeram. Já ouviram alguém perguntar a um único desses jogadores porque não rescindiu? Eu não ouvi, e acho que era uma informação muito relevante para saber dos fundamentos de justa causa invocados pelos demais.

Quando falo disto em conversas, a resposta é quase sempre a de que só rescindiram os jogadores que tinham mercado. Pois, talvez assim tenha sucedido. Só que isso então é que seria mesmo a aniquilação da justa causa, cujo conceito não tem por substância, por nenhuma forma, modo ou feitio, qualquer ponderação sobre as vantagens económicas que trabalhador pode obter com a sua rescisão.

William Carvalho, um dos rescisores

E a verdade é que, a confirmar–se a decisão do TAD sobre Rafael Leão, podemos ter indiciada a verificação de um verdadeiro e colossal atentado aos interesses do Sporting com os mal amanhados acordos a que o clube foi chegando com os seus ex–jogadores.

Porque não havia justa causa também em todos ou algum desses outros casos?

Não sabemos.

Mas também agora nunca saberemos, não é?

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Comments

  1. Neca Pinto

    Brilhante análise sobre este tema da alegada justa causa dos ratos que traíram miseravelmente o seu clube.
    Toca na mouche em todos os detalhes relevantes.