“Os meninos vão à luta…” – Entrevista em 1992 aos quatro campeões do Mundo sub-20 (Figo, Filipe, Peixe e Paulo Torres). Parte II – Peixe
FOOT – O que é que está a mudar no futebol português?
PEIXE – É isso: aparecem com rapidez muitos novos valores, que podem discutir alguma coisa no futebol português. Agora até já se pode olhar a sério para projectos a médio prazo, sabendo-se que deles vão haver frutos a colher.
FOOT – Há essa ideia formada de que os «meninos do Queirós» resolvem os problemas das equipas. É um fardo grande, que se calhar vocês vão carregar ao longo de toda a vossa carreira: serem «meninos do Queirós», da mesma forma que outra geração foi a dos «meninos do Pedroto»…
PEIXE – Há, de facto, quem nos considere assim uma espécie de criancinhas do futebol. Se Deus quiser, vamos ultrapassar alguma imaturidade e contribuir para títulos a outro nível. Aí, as pessoas encarar-nos-ão de outra forma.
SELECÇÃO
FOOT – Exceptuando os jogadores e meia dúzia de excepções entre dirigentes e técnicos, parece que toda a gente decidiu embirrar com Carlos Queirós. É fácil passar-se de bestial a besta neste país…
PEIXE – Se quisermos pensar num melhor futuro vamos ter de deixar o professor trabalhar à vontade. Não o deixaram no jogo com a Holanda, mas não tenham dúvidas de que, com as condições necessárias, ele vai conseguir maiores títulos.
FOOT – Provavelmente, vocês os quatro vão ser mais de um terço da equipa que vai tentar a qualificação para o Mundial. Digam-nos lá três boas razões para acreditarmos que esse sonho é possível.
PEIXE – A mais importante é que haja condições de trabalho. A segunda, que se realizem mais jogos de preparação. Por fim, se deixarem o professor trabalhar a sério, temos enormes probabilidades.
O NOVO JOGADOR PORTUGUÊS
FOOT – O vosso discurso é perfeita mente optimista, embora enquadrado pelo realismo, a que muita gente já se, habituou, vindo dos jogadores que passaram pelas mãos de Carlos Queirós. Também nisso vocês vieram dar uma nova imagem do profissional de futebol, mais culto e mais ponderado nas afirmações do que há uns anos atrás…
PEIXE – É verdade que antes olhavam para os jogadores de futebol, salvo algumas e importantes excepções, como uns tipos que falavam com os pés e cuja cabeça só servia para rematar. Isso mudou. Os treinadores agora preocupam-se também com a formação do jogador, ajudam-nos a procurar a melhor postura fora dos campos dos jogos.
FOOT – Agora é mesmo só com vocês os quatro: estão habituados a ganhar, mas jogam num clube que não ganha há muitos anos. Também aí pensam que podem alterar alguma coisa, isto é, ajudar o Sporting a regressar às vitórias?
PEIXE – Acredito que num futuro muito próximo vamos conseguir ser campeões no Sporting. É importante para nós e para o clube. Temos condições para isso.
FOOT – Marinho Peres?
PEIXE – Ele já fez muito pelo clube, e tem de ser respeitado por isso. Afinal, até no que nos diz respeito, está a habituar-nos ao profissionalismo, a exigências que antes não tínhamos. Só posso dizer bem dele.
FOOT – Depois destas confusões todas em torno de Marinho Peres, parece claro que ele não vai continuar no Sporting na próxima época. Era ele o homem que podia mudar a sina do clube?
PEIXE – Penso que talvez fosse ele, de facto, o homem indicado para mudar as coisas, mas dada a infelicidade que o Sporting teve esta época e o seu desejo, mais ou menos explícito, de abandonar o clube no final da época, acho que não há muito a comentar. De qualquer forma, se não ficar para a próxima época, que venha um treinador com os mesmos objectivos dele, com a mesma maneira de ser dele.
FOOT – Toda a gente que acompanha o futebol tem esta época um esquisito paradoxo para tentar explicar: o Sporting é tido como a equipa que melhor futebol pratica, mas em contrapartida está a quilómetros do primeiro lugar. Excesso de «romantismo» na equipa?
PEIXE – O Sporting tem praticado um excelente futebol esta época, salvo uma ou outra excepção, tem uma boa equipa técnica… mas para além disso tem de passar a ter mais força fora do campo.
FOOT – Isso pode significar que estão plenamente de acordo com a profissionalização dos árbitros, tal como a FIFA preconiza, como forma de haver maior responsabilização destes?
PEIXE – Acho que Portugal tem um bom nível de arbitragem. No entanto, reconheço que, aos olhos dos adeptos, o árbitro é sempre uma espécie de diabo à solta dentro do relvado. Penso que se houvesse um bom ordenado para os árbitros, se lhes fossem facultadas condições para encararem a arbitragem como função a tempo inteiro, então sim, o futebol português iria lucrar muito com isso. Em termos de credibilidade e de pacificação, logo à partida…
Data: 01/03/1992
Local: Revista «Foot» - Março de 1992
Evento: Entrevista a Filipe, Peixe, Paulo Torres e Figo
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