RUGIDO VERDE

Levantar e levantar de novo, até que os cordeiros se tornem Leões!

Sexta-feira, Abril 26, 2024

Neste dia… em 1989, Sporting (1-0) Porto: Soltaram o Leão Agora aturem o bicho!

Por Neves de Sousa

À saída do cada dia mais renovado parque leonino, as opiniões chocavam-se. Cada cor, seu paladar:

– O André anda em período de mau astral!

– O Lima falha golos de modo incrível!

– Este sujeito chamado Trigo fará parte da tribo dos Veigas do futebol?

E por aí fora. Lamentavam-se os portistas, quase exultavam os «leões». Mas, num ponto, tudo estava de acordo: a arbitragem de Veiga Trigo fora um pequeno desastre Alvalade, porque (embora não tendo interferência directa no final do desfecho) o juiz alentejano voltou à exibir-se com uma espécie de petulância que o conduz ao alto gozo da multidão, já antecipadamente fazendo largos palpites sobre o número de vezes que, em cada actuação, ripa dos cartões coloridos e desata a brindar à praça. Mania deste sujeito de Beja, certamente convicto que é por gritar que um cidadão conquista a razão. Isto é: quando um juiz não tem por si o argumento da inteligente concórdia e do bem saber coordenar todas as peças do «puzzle», ficando obrigado a evidenciar-se (ou a tentar ganhar razão) à custa da amostragem, contínua e intermitente, dos rectângulos de castigo, o melhor que tem a fazer é rapidamente ir até um psicólogo, explicar-lhe a sua tendência e atender ao antídoto que terá de funcionar antes que caia totalmente na risota da plateia e na consideração dos atletas que, sendo profissionais do futebol (como me dizem, não sei se estou certo ou errado, que o próprio Veiga Trigo é ou tem sido) perdem muito dinheiro só porque um árbitro sem outros argumentos desata a ceifar neles como em seara ao vento.

Depois, para além de ter mostrado por nove vezes o «icterícia», muitas vezes em prepotência de todo o tamanho (a penalização a Domingos por ter saltado da barreira um metrito, a Ivkovic apenas porque estava a colocar a bolinha no arranque com cinco segundos de pausa), para além desta calibragem, ainda Veiga Trigo teve erros de palmatória (julgamentos ao contrário, inoportunos e intempestivos cortes de jogo) tudo culminado por não ter assinalado uma grande penalidade cometida sobre Oceano, tocado em falta na área de extremo rigor portista. Mas, o incrível viria de imediato: Oceano ficou estatelado, queixando-se da «pantufada» que (dessa vez…) lhe tinha tocado nas pernas e o jogo continuou, com a bola sendo recolhida por Venâncio que logo ali começou nova arrancada. Eis senão que, quando o Sporting já tinha gente na frontaria, preparada para o” golpe, Veiga Trigo apitou: e o conclave ficou a interrogar-se sobre o que se teria passado. Espero que o delegado técnico, no relatório que tem de ser honesto, não se esqueça também dessa: é que o dono da espada lembrou-se de decretar «pontapé livre» contra os «leões», vá lá saber-se porquê!

Enfim: a partir de hoje, começamos paulatinamente a alinhar nos que entendem que, longe de ser um disciplinador, um sereno juiz dos acontecimentos, Veiga Trigo entra em cena disposto a tornar-se o «astro» da companhia, seja de que modo puder ser. Que pena: tanto tempo que se julgou estarmos perante um árbitro que poderia aspirar ao alto trono e, afinal, cada dia mais resvala na tabela do aplauso…

Raras vezes tanta gente importante esteve ali, na bancada dos «vipes», lado a lado com Sousa Cintra (saudado com encorajadora ovação quando traçou o relvado, a caminho do seu lugar) e o restante elenco directivo do leão. Vão anotando: Firmino Miguel, Hermínio Martinho, Vítor Gonçalves, António Feu, Alfredo Barroso. Mais: o Benfica quase em peso, desde Eriksson a Alcino António, com passagem por Peres Bandeira e Álvaro, Toni e outros nomes do bloco da águia. Figuras de recorte prestigioso: o dr. Sombreireiro esquecido de autópsias e virado para os vivos, Carlos Lopes mais gordinho do que se poderia esperar (gozando agora dos rendimentos conseguidos com todo o trabalho), Moniz Pereira no outro extremo da fila, provavelmente magicando sobre o presente e futuro da Associação de Amizade Portugal-Portugal. Antigos «craques» que todos aplaudiram: Jesus Correia, Figueiredo, Pedro Gomes, Eurico, Oliveira, Artur, Inácio, Bastos, Jordão, o agora técnico Barnabé «espiando» quem pode ainda dar uma mãozinha a Juca.

E a procissão continuava: Oliveira e Costa. Moisés Ayash, António Garrido, Rui Nabeiro, Adriano Pinto, Ruy Castelar, José Nuno Martins, Vítor Espadinha, António Joaquim Ferreira, gente cinco estrelas nas hostes portistas (Jorge Nuno Pinto da Costa, Pôncio Monteiro, Ribeiro de Magalhães, José Guilherme Aguiar), afinal a prova mais que provada que o futebol consegue irmanar todas as sensibilidades, num fenómeno de contágio colectivo que marca a época que sé vive nas diversas coordenadas do mundo.

Vamos ao outro espectáculo: realmente, se eu fosse ao André, fechava-me em casa até mudar o signo astrológico. É que, afastado da selecção pelo peso de cartões amarelos, também ontem ficou de cabeça caída porque, na sequência de um centro de Paulinho Cascavel, que poderia ser inofensivo (uma vez que o magnífico Vítor Baía já estava no caminho da bola) tocou na esfera com a botinha e aconteceu tal ressalto traidor que o golo ficou estampado no «placard», inamovível durante os dez minutos finais, (quando (finalmente) o Porto passou ao ataque, depois de ver que o extremo cuidado em manter o zero-zero como produto decisivo tinha ido às malvas.

Por seu turno, Lima não comemora hoje os seus 23 anos de presença neste mundo com a alegria que morou a um passo do estender da bota. Num par de vezes a assembleia saltou do lugar, como impulsionada por uma carga de brigada ligeira: nas duas ocasiões o mocinho falhou, pasmosamente, incrivelmente, sem sequer dar para entender, pois a baliza ficou escancarada, dava a ideia de que até garotinho de melena ainda a despontar era capaz de provocar o delírio na multidão adepta do leão. Mau de mais para se poder acreditar, aquela louca descalibragem de Lima que, também um ror de vezes levando longe de mais a sua capacidade e o enlevo pela bola, acabava por entrar na algibeira de um João Pinto que não estava para modas. O «canhotinho» de Alvalade iria ser trocado por Paulinho Cascavel, com os sócios da casa despercebidos do esforço feito até aí pelo jovem que quer ganhar um lugar no «timaço» mas a quem os deuses estão virando costas na hora do apetitoso disparo final.

Está certíssima a vitória verde-branca: a justiça não entenderia outra cor para um triunfo, porque (é bom que se repita) a ausência de Rui Águas deve ter influenciado de tal maneira Artur Jorge que o técnico portista incutiu nas suas forças apenas o afã de defenderem a todo o custo o percurso até Vítor Baía e, a partir-daí, tentar que o empate constituísse o pecúlio mais sonhado. Madjer seria (apenas e unicamente) o único dianteiro digno desse nome em toda a caravana azul, pois as entradas de Domingos ou Jorge Couto não adiantaram, nem atrasaram. O «dragão», que em oitenta minutos apenas duas ou três vezes tentara burlar o óptimo Ivkovic, não conseguiria (na ponta extrema da meada) desenvencilhar-se do colete nada elástico a que estava submetido. A pouca audácia facilitou o desaire.

Com efeito, perdendo dois tentos, vendo Vítor Baía comemorar com três defesas de truz os seus muito prometedores vinte aninhos (está a um passo de se tornar o legítimo sucessor de Silvino, na mais alta andança desta loja futebolística), depois de o árbitro ainda ter poupado aos «dragões» a grande penalidade cometida sobre Oceano, após tudo isto, que outro vencedor da conversa que não o Sporting?

Para cúmulo (e sem tentarmos introduzir foice em seara alheia) ficou-nos à sugestão de que a colocação de Edu, como falso ponta de lança esquerdo, foi desacerto vindo da cabina: o artista brasileiro tem de (forçosamente) render mais do que aquilo que fez para se acreditar na credencial que é seu rótulo. Mas, naquele posto, «mister» Artur Jorge, não estamos a vê-lo cintilar. Ou é erro deste escriba?

Saltemos por cima das questiúnculas que mesclaram, aqui e além, o pano da esperança: gente de alto gabarito parecia andar atrás das canelas do parceiro para um brinde pessoal. Sepultemos (igualmente) a arbitragem: está dissecada e apenas merece uma esponja. Fica, portanto, a obrigatória citação de quem mais brilhou no primeiro grande «show» deste campeonato.

Nos defensores da selva leonina, todo o aplauso vai direitinho para Ivkovic e Marlon Brandão, Douglas e Venâncio, com especial menção para o senhor Fernando Gomes que (feliz por ter ganho, triste por ficar derrotado o emblema do seu coração). deu um notável exemplo de alto profissionalismo e de competência futebolística. Mas, não apenas este bloco atingiu alta craveira: Carlos Manuel continua (vibrantemente) a garantir que tem lugar absoluto no «onze» das cinco quinas, Luisinho prosseguindo no correctíssimo desempenho de funções que o recolheram de uma fase de semianonimato (lá pelos Brasis) e, tanto Valtinho, como Oceano procurando (com a energia e vigor que Deus lhes deu) ombrear com o valor de Leal, com a serenidade de Paulinho Cascavel, com a impulsividade ainda mal domada de Cadete, chamado a apelo de última instância, quando Manuel José (num vale tudo) resolveu ter quatro homens de chefia da sua artilharia. Assim é que se aposta! Nos donos das Antas, coloque-se no topo Vítor Baía, saído daquele torpor colectivo que se contentava facilmente com o nulo: Defendeu tudo e mais alguma-coisa: foi (sem sombra de dúvida) um jovem gigante. Esteve bem acompanhado: Demol, André, Madjer, José Carlos, lampejos de Branco (quando se esquecia de ir no encalço de Oceano) e Semedo também emergindo da maré, ficando no ar a ideia de que vai ser de alto sofrimento mútuo os próximos duelos portistas. É que, numa ponte levadiça batida por todas as sensações, mal se escutou o discurso do Sporting e já o Benfica avança para o palanque, com a feira valenciana ainda pouco varrida. Que rico petisco mandaram para a ementa do «dragão»! Decididamente, ninguém pode invejar a pele de Artur Jorge.

Arbitragem (excessivamente disposta a exibir esboço de autoridade mostrando a torto e a direito o cartão «icterícia») de Veiga Trigo (Beja) que esteve acompanhado por João Crujo e Manuel Burrica. As equipas:

SPORTING: Ivkovic; Oceano, Luisinho, Venâncio e Leal (Cadete, 66m); Marlon, Douglas, Carlos Manuel, Valtinho e Lima (Cascavel, 76m); Gomes.

FC PORTO: Vítor Baía, João Pinto, Demol, José Carlos e Branco; André, Jaime Magalhães, Bandeirinha (Jorge Couto, 80m); Edu (Domingos, 31m) e Semedo; Madjer.

Golo: André (na própria baliza, aos 80m).

Cartão amarelo para Carlos Manuel (28m), Domingos (53m); Branco (40m); Valtinho (42m), Demol (45m); João Pinto (52m), Venâncio (60m); André (64m) e Ivkovic (82m).

Fonte: Diário de Lisboa

Data: 15/10/1989
Local: Estádio José Alvalade
Evento: Sporting (1-0) Porto, CN - 5ª Jornada

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