RUGIDO VERDE

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Sexta-feira, Abril 19, 2024

Neste dia… em 1962, Sporting (1-0) Dundee United, na 1ª mão dos 1/8 final da Taça dos Clubes Campeões Europeus

Equipa que jogou nessa noite europeia.

Golo a saca-rolhas…

Os escoceses defenderam-se como gigantes, enquanto os «leões», infelizes e desarticulados, foram complicativos no remate, insistindo na lentidão

Por Fernando Soromenho

Uma migalha…
Na lauta refeição que ontem, à noite, foi servida em Alvalade, os escoceses banquetearam-se, à larga, enquanto aos portugueses coube, apenas, uma migalha, que, mesmo assim, esteve ainda na mão de Slater, o guarda-redes que, no momento, voou um milímetro atrasado.

Nunca uma vitória terá causado tanta arrelia, pela insatisfação, gerada pela injustiça, que reflecte o perfil do jogo, aliado ao ensejo mal aproveitado, tendo em vista, claro, as enormes dificuldades que estão à espera do Sporting na próxima quarta-feira, em Dundee.

Um triunfo indiscutível, embora sem o adorno de uma exibição agradável, ficou a perdurar entre outras ideias válidas e que explicam a razão de ser do golo solitário, a um minuto do fim, obtido por Geo, como que por desfastio, sem aquela ralé que caracteriza os «tiros» intencionais. Faltava um minuto e, na ocasião, já a resignação estendera o seu manto de tristeza.

Seja como for, o certo é que o Sporting venceu um «onze» de categoria, de definida maturidade futebolística, que dispõe de elementos de excelentes condições físicas, que sabem valorizar a acção global, Na organização defensiva, sobretudo na cobertura da zona frontal à baliza, a demonstração não careceu de argumentos. Aquilo são músculos fundidos em aço de rija tempera…

Todavia, o Sporting teve, por várias vezes, a baliza à sua mercê, a despeito da manobra «parar» nos avançados, já de si desarticulados, complicativos e pronunciadamente lentos quando despontava a concretização e, também, refira-se, infelizes, principalmente quando Ure e Hamilton substituíram o seu guarda-redes em lances de fronteira aberta para a bola.

Assistiu-se a um autêntico jogo de campeonato, sendo compreensível a atitude adoptada pelos escoceses de princípio, pensando no ataque, mas, depois, logo que se aperceberam de certas realidades, remetidos a uma tremenda tarefa defensiva, onde os gigantes eram, realmente, gigantes animados por uma força que transbordava em caudal impressionante, fazendo vacilar os avançados portugueses, a crescerem na debilidade e na descrença, especialmente quando o «tufão-Ure» varria a sua jurisdição e a cremalheira escocesa se fechava quase hermeticamente.

O duplo esbanjamento de Morais, dentro dos 3 minutos iniciais, equivaleu a um empurrão no ânimo dos portugueses, que, durante 15 minutos, revelaram uma vivacidade empolgante, não obstante o magnífico Wishart (n.º 6), que foi a figura nº 1 da primeira parte experimentar a capacidade de Carvalho e, também, a firmeza de Lúcio.

As incursões «leoninas», imbuídas de individualismo, prometiam o golo, mas Slater, por duas vezes, «cortou» magistralmente, como o gato a punir o rato, dois centros recuados de Osvaldo e Hugo.

A partir dos 20 minutos, diminuída a velocidade, o despique, sempre vigoroso, encarreirou pela repetição dos lances, isto é, certeza nas intervenções da defesa visitante, com Ure a distinguir-se, cada vez mais, e vácuo no entendimento do trio central local, sempre timorato, sempre falho de rapidez, tanto na execução como na corrida.

O intervalo chegou e, com ele, três ideias básicas: o Dundee encontrara a cadência que as circunstancias justificavam, o Sporting falhara no ritmo ofensivo, em especial na capacidade rematadora, e a obstinação, de parte a parte, atingira expoente esclarecedor quanto à tarefa que se avizinhava,

De facto, no segundo tempo, não obstante a progressão soluçante dos «leões», que não invalida, contudo, um alevantado espírito de combate – virtude que pairou sempre nas alturas – os «dundees» tiveram que redobrar de esforços na sua premeditada faina defensiva e destrutiva. O «team» português, nervosamente, prosseguiu nos seus intentos, recopiando os centros e as soluções de continuidade, mas o seu esforço não invalidou a sensação de injustiça de que foi vítima, muito embora alguns remates desferidos de longe, corporizassem a descrença geral, todavia, mais sentida no exterior do que «lá dentro».

Mascarenhas sob vigilância apertada dos escoceses.

O «onze» sportinguista batalhou incansavelmente, não reservando energias, jamais se subordinou ao vigor atlético dos escoceses, os quais, no entanto, dominaram no seu reduto sempre que se notava a infiltração, de jeito pessoalista, com a bola a demorar nos pés uma eternidade. Uma sinfonia de toques, ou, se se quiser, um acervo de facilidades para os defesas contrários.

O grande senão foi, pois, o quinteto dianteiro, pela inoperância de Osvaldo e Mascarenhas, o primeiro irreconhecível, e, também, de Hugo e Morais, dois «extremos» sem a imaginação e a determinação que as circunstâncias exigiam. Salvou-se Geo, a despeito da descontinuidade do seu ritmo. Mas a sua ultima meia hora tê-lo-á absolvido do pecado apontado.

O grupo agiu com a ideia no ataque e, daí, alguns sobressaltos, na rectaguarda, quando Cousin, Houston e Gilzean surgiam como meteoros. Contudo, não se colheram motivos abalizados para referir restrições quanto à eficiência de médios e defesas, mesmo até no pormenor da ligação entre ambos, que se afigurou quase próxima do normal.

O Dundee, como se disse, impressionou. Um autêntico campeão, daqueles que dispensam espalhafatosos reclames. Tudo e todos reflectem profunda sabedoria futebolística e atributos físicos de primeiríssima ordem. Uma grande equipa.

Ure, Wishart (o médio que é um: rematador de qualidade), Cox, Slater, Hamilton e Cousin, foram os melhores.

O árbitro Faucheux cumpriu a sua missão, apesar do despique não ser fácil de julgar. Felizmente, o jogo foi um primor na correcção.

As duas equipas:

SPORTING – Carvalho; José Carlos e Hilário; Perides, Lúcio e David Júlio; Hugo, Osvaldo Silva, Mascarenhas, Geo e Morais.

DUNDEE – Slater; Hamilton e Cox; Seith, Ure e Wishart; Smith, Penman, Cousin, Gilzean e Houston.

Arbitro: Faucheux (França).

Geo, aos 89 m. marcou o golo da vitória «leonina».

Tantas oportunidades que não se concretizaram

– palavras de Juca

No balneário dos sportinguistas transparecia pouco entusiasmo, apesar de terem vencido um duro e difícil adversário. Das frases soltas ouvidas percebia-se que todos lançavam ao azar do jogo o facto de não terem construído uma confortável vitória.

Juca, com a habitual gentileza, declarou:

O jogo foi bom e não há duvida que vencemos uma grande equipa. Só é pena que o gosto do golo não tenha vindo mais cedo, pois teria influenciado o resultado final. E criaram-se tantas oportunidades, que não se concretizaram! Enfim a sorte virou-nos as costas. Aquele Ure! Que barreira… Em Dundee levamos uma bola de vantagem. Lá até pode ser mais fácil. Gostei muito da maneira como a equipa se bateu. . . .

Lá têm de vir ao ataque

Hilário, o «capitão» da equipa, disse-nos simplesmente:

Tivemos muito azar na primeira parte. Além disso os nossos avançados tiveram mais dificuldade em infiltrar-se, porque «eles» jogaram sempre sobre a defesa. Em Dundee poderemos até ganhar porque a manobra será mais aberta. Os melhores escoceses foram, sem duvida, Ure e Smith.

Mantemos todas as esperanças

O médio «leonino», Pérides, não se fez rogado e, imediatamente, expôs a sua opinião sobre o jogo:

Mantemos as nossas esperanças absolutamente intactas, pois, vamos à Escócia com um golo de vantagem. A equipa está moralizada e, por isso, a deslocação não assusta.

Embate duro mas jogo correcto

A opinião de Bob Shankly «manager» do Dundee

No balneário dos futebolistas escoceses não havia grande alegria, nem tristeza pela derrota. Uma atmosfera calma de resignada aceitação. Isso mesmo transparecia das frases que os jogadores escoceses trocavam entre si e que traduziam ligeiro aborrecimento por não terem conseguido segurar o empate. Interrogámos primeiro o «manager» Robert Shankly que nos deu a seguinte opinião:

Foi uma partida dura mas limpa e fiquei agradavelmente impressionado com a correcção dos jogadores portugueses. Merecíamos o empate e, tendo em vista a demonstração do Sporting, penso que nos qualificaremos para a eliminatória seguinte. Para mim, os melhores jogadores portugueses foram Hilário e Geo, muito embora o conjunto seja o forte de uma equipa rápida e dura.

Fonte: Diário de Lisboa

Data: 24/10/1962
Local: Estádio José Alvalade
Evento: Sporting (1-0) Dundee, Taça dos Clubes Campeões Europeus, 1/8 final-1ªmão

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