RUGIDO VERDE

Levantar e levantar de novo, até que os cordeiros se tornem Leões!

Quinta-feira, Maio 02, 2024

Neste dia… em 1962, Lusitano de Évora – 1 x Sporting – 3

«Leões com mais força»

Por Fernando Seromenho

Nem muito difícil, nem muito fácil. No meio termo. A síntese aplica-se ao Sporting, guia do campeonato, visitante, ainda por cima, sem derrotas, e procura definir o jogo ontem disputado, sob quentura outonal, com presença «record» de publico, em Évora.

A circunstancia do Lusitano agir no seu ambiente, que é facto a ponderar nos embates da segunda volta, além de querer respirar outras latitudes, o mais longe, e depressa, da zona perigosa, onde vários podem cair, fazia admitir uma oposição firme ao «leader», susceptível até da adjudicação dos dois pontos tão apetecidos, se, acaso, o antagonista mostrasse incerteza na exemplificação dos seus predicados, convencido de que só a presença seria suficiente para atrair o triunfo.

Verificou-se uma hipótese. A outra, foi prejudicada pela aplicação do Sporting que, sentindo o «inimigo», tratou de responder em jeito tal que a valorização do Lusitano ficou patenteada através da síntese já aduzida.

Se o comportamento dos «leões» não surpreendeu, embora fosse inferior ao que se viu oito dias antes no Estádio da Luz, o dos eborenses, assente numa significativa voluntariedade, entusiasmo e dinamismo, vincou uma impressão que não se amolda aos doze pontos que a tabela classificativa testemunha. O «onze» do Lusitano, onde é evidente um substracto futebolístico que não desmente nem a categoria do treinador, homem que sabe a fundo da bola, nem a valia de algumas unidades, que já conquistaram galões merecidos, deu a noção de ocupar um lugar que não corresponde às suas reais possibilidades, não obstante seja de considerar o estímulo que representa enfrentar o 1.º classificado e tentar fazê-lo tremer na sua privilegiada posição.

Em jogo muito corrido, particularmente intencional, acabou por prevalecer a força dos «leões», visível na ponta final do desafio. A produção técnica, menos lúcida, porém, que o habitual a meio do campo, revelou uma conclusão deficitária. Isto é, à quantidade e qualidade dos lances saídos da manobra sportinguista faltou a devida concretização, tendo em vista a dificuldade que a defesa eborense sugeriu na zona frontal da sua área, sempre que a teia dos passes dos homens de Alvalade procurava o espaço suficiente para a infiltração e remate final.

Nesse aspecto, deverá também referir-se o quinteto dianteiro do «team» alentejano – bastante improdutivo em relação ao processo criador, vinculado num traço artístico que não desmente a habilidade de José Pedro e Tonho, elementos de imaginação transbordante e de sólida bagagem técnica.

Marcando cuidadosamente, os defensores locais (ríspido Teotónio, mas só isso) trataram de controlar, logo à nascença, os enlaces dos opositores. No meio do campo, quando se tratava do transporte da bola, a velocidade, estigmatizada em impulsos poderosos, figurava o factor que menos poderia convir à índole de quem se amoldou a «pensar, com rapidez, jogar, com rapidez», de que é paradigma o brasileiro Geo – o «fausse-maigre» do Sporting que, em todos os seus movimentos, reforça a impressão de ser o protótipo do jogador para o qual a glória individual lhe é completamente indiferente.

O dispositivo táctico, servido por apreciável velocidade ritmada, se não desconjuntou o grupo lisboeta, pelo menos inibiu-o de plasmar a sua toada, consoante o contorno conveniente. Pérides, médio de jeito ofensivo, ainda tentou, (como Lino), a aproximação das 18 jardas contrárias, para forçar a penetração dos seus avançados, mas a intenção não passou, realmente, disso, e até porque Vicente (magnífico) e Falé, beneficiando da tendência «bola no ar», se encarregavam de frustrar a apoteose que por tanto se ansiava – principalmente fora do rectangulo, onde o caminhar dos ponteiros do relógio parecia o suplicio de Tantalo…

A inoperância geral (notória no Sporting, após o seu 1.º golo e, depois, no ultimo quarto de hora) assumiu papel importante. Um contraste nítido com o despique, de verdade atlética, e com as situações que se discutiam, mesmo que houvesse uma nesga de terreno, até ao derradeiro fôlego.

O «golo-malícia» de Geo (19 minutos), que transformou um «livre» (Lúcio resolveu contemplar o companheiro em virtude de, anteriormente, ter falhado dois ou três castigos de zonas onde ele tem conseguido golos históricos), com um remate enganador, que levou a bola a entrar na baliza junto ao poste, a meia altura – remate colocadíssimo que provocou em Vital a impressão de que ia fora – teve efeito sedativo. O Sporting adquiriu maior lucidez e o Lusitano deixou de ser menos, impulsivo.

Na segunda parte, o vulcão do entusiasmo local voltou a deitar, cá para fora, lava incandescente e, aos 6 minutos, Caraça, de cabeça, estabeleceu a igualdade. O centro de Tonho, da direita, o salto e o golpe de cabeça de Caraça – tudo isto teve e jeito de ser telegrafado…

O jogo adquiriu então uma nota emotiva. O Sporting, não se conformando, reagiu, já com todas as suas unidades em pleno rendimento. E a partir do quarto de hora (Monteiro e Figueiredo haviam trocado de posições) instalou-se, com carácter mais ou menos permanente, no meio campo do Lusitano, lançando contínuos golpes ofensivos, imbuídos de variedade e de intenção, não obstante a rudeza dos homens de Évora, ser perfeitamente admissível. Menos para Lino que, atravessando o rectangulo, em diagonal, mercê dum lance, da direita para a esquerda foi atingir Teotónio de maneira espectacular, justificando o seu procedimento a «qualificação de lance brutal» e, por conseguinte, a expulsão, o que, todavia, se não verificou, constituir um obstáculo de monta. Mas a pertinácia ganhou o devido prémio. Uma incursão-aproximação de Lino, dois minutos após a sua irreflectida atitude, propiciou um remate perigoso que Geo desviou o suficiente para fazer anichar a bola nas redes.

Faltava um quarto de hora e o Sporting, cada vez mais eficiente nos seus movimentos, ditara a sorte da pugna. O 3.º golo (37 minutos) obra de um generoso esforço de Figueiredo, o qual agiu com marcado espírito de abnegação, confirmou a superioridade, causando tranquilidade, definitivamente, ao mesmo tempo que adornou as qualidades de Morais, o seu autor. Um tiro de respeito, espectacular, sem deixar bater a bola no chão. Conforme ia, assim foi.

Anotadas as principais incidências, em que foi evidente a melhor interpretação por parte do «team» de Alvalade, muito embora se repita a dificuldade que representou a transposição da zona frontal da área do Lusitano, por mérito de Falé e Vicente, dois gigantes que jamais baixaram os braços, conclui-se que o jogo foi incompleto. Tanto de um lado como do outro, mais notório nos sportingues, as balizas foram esquecidas. Quase foram consideradas como ornamentos da paisagem…

No demais, o choque adquiriu suficiente densidade emotiva, redundando, através do seu perfil, na vitória do factor «equilíbrio» – tanto na pujança atlética como na estrutura global – exteriorizado pela equipa «leonina».

Não houve a actuação individual, de recorte extraordinário, dentro do «onze» forasteiro. Morais impressionou, pela noção de positividade que os seus movimentos reflectiram em forma apurada, confiante, deve ser o mais fulgurante extremo«esquerdo português da actualidade, mas a sugerir porventura, mais audácia nas desmarcações. Geo, menos «genial», que na Luz, transmitiu, além do que dissemos, a ideia de que a vitória começou por um requinte da sua subtileza (o golo do «livre»).

Numa citação global, deverá distinguir-se a coesão do bloco «médios-defesas» onde é raro surgirem alçapões. Carvalho, pouco solicitado, foi demasiado espectador. Lino foi mais um médio apoiador do ataque do que propriamente um defesa-defesa. Indesculpável a sua acção que bastante prejuízos poderia ter causado à sua equipa, numa altura em que persistia o empate. Morato não estranhou a passagem para a esquerda. Muito sereno. Lúcio não chegou ao seu melhor, mas mostrou categoria. Pérides, incansável, jogador dos pés à cabeça: forma máxima. Figueiredo, demonstrou não ser o extremo contrário que a asa-esquerda esta a pedir. Quando trocou com Monteiro (apático e infeliz) foi útil, com o senão, claro, da ineficácia na finalização, pecha em que incorreu, também, Diego, o jogador mais triste do «onze» sportinguista,..

Das virtudes e defeitos dos homens de Évora já se aludiu ao principal. Vicente e Falé foram os melhores e mais constantes. Sosa predominou enquanto as forças lho consentiam. Foi, porém, uma unidade de relevo, bastante sabedora. Teotónio e Paixão limitaram-se a lutar. Na dianteira, foi demasiado evidente o contraste entre os meias-pontas e os extremos e avançado-centro. Adelino, Caraça e Fialho não lograram evitar a classificação negativa, enquanto José Pedro e Tonho sobressaíram enquanto puderam, fisicamente.

O sr. Virgílio Baptista, cuja arbitragem não deparou com intrincados problemas (a correcção foi a nota geral), abusou do apito, parecendo preocupado em punir a mais insignificante falta, com receio de que acontecesse o pior. Foi benevolente com Lino. A altura dos árbitros dignificarem as leis de que são ilustres instrumentos já se verificou há muito tempo. Mascarar as leis é prestar um péssimo serviço ao futebol português.

Fonte: Diario de Lisboa

O Sporting alinhou com:

Carvalho; Mário Lino, Lúcio e António Morato; Pérides, Fernando Mendes (cap.), Géo e João Morais; Figueiredo, Monteiro e Diego Arizaga.

Golos: Géo aos 21′ e 75′, e Morais aos 82′ (Sporting); Caraça marcou pelo Lusitano de Évora aos 52′.

Data: 21/01/1962
Local: Estádio da Estrela em Évora
Evento: Lusitano de Évora (1-3) Sporting, CN - 14ªJornada

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