RUGIDO VERDE

Levantar e levantar de novo, até que os cordeiros se tornem Leões!

Domingo, Abril 28, 2024

Neste dia… em 1954 – Sporting vence derby por (3-2) e sagra-se Tetracampeão com 7 e 11 pontos de avanço em relação aos rivais, Porto e Benfica.

Martins em acção.

Perfeitos exemplares de futebol

por Tavares da Silva

A média de futebol no Vale do Jamor parece-nos aceitável. Nem sempre o jogo foi da melhor qualidade, é certo: Mas houve trechos fulgurantes, várias páginas regulares – o suficiente para se esquecer o medíocre. Sempre que as equipas procuram organizar, regra geral, está-se em presença de uma partida que merece boa classificação. E tanto o Sporting como o Benfica buscaram, afanosamente, construir, ainda que esta ideia envolva também o sentido de destruição. Neste rumo, devem desculpar-se várias imperfeições.

A prova de que os grupos procuraram construir e, por consequência, fugir ao futebol de acaso, está em que, soprando o vento fortemente e numa direcção muito prejudicial, os grupos desenvolveram os seus esquemas, organizadamente, na espécie de jogo rasteiro, retendo a bola ou sendo mais expeditos conforme as circunstancias. Registaram-se, pois, traçados simples, alegres, com a bola orientada com precisão, embora com manifesta má vontade por parte desta.

Não temos duvidas acerca de uma coisa: de que, no aspecto de conjunto, ambas as equipas evidenciaram organização, não interessando, de momento, qual a mais perfeita. Verdade seja, os benfiquenses manobraram regularmente, em vários trechos; mas os sportinguistas não lhes ficaram atrás noutros.

Pensamos, contrariamente a um conceito quase generalizado, que o grupo do Benfica sabe jogar futebol e é capaz de atingir um nível elevado. A comprová-lo estão, insofismávelmente, muitas jogadas ontem articuladas com grande clareza, em velocidade, de elemento para elemento, deixando o adversário fora do traçado ou do caminho. Um grupo que fala esta linguagem, não pode deixar de ser considerado. O que não significa que, rebuscando, não se encontrem defeitos de engrenagem, a maioria dos quais resultantes da falta de aptidão de algumas unidades. Mas qual será a equipa que não apresenta deficiências; e tenha à mão os valores indispensáveis para todas as determinadas tarefas?

No Benfica, a experiência junta-se à frescura, parecendo-nos que o conjunto tem recursos suficientes, mesmo assim sair dos seus limites; para nos dar boas provas de futebol. O mal está em que os adeptos só se contentam com os títulos, e estes são ganhos apenas por um dos concorrentes e não por todos. Em todo o caso, tivemos a impressão de que os médios benfiquenses precisam de ganhar sentido de colocação, aperfeiçoando a sua visão de jogada, pois, sem isso, o projecto de muitos dos esquemas jamais será uma realidade. Há princípios fundamentais para o jogo dos médios (como para toda a engrenagem) mas, acima disso, como interpretação, deve haver sempre um “sexto” sentido.

Devemos anotar ainda que, em muitos esquemas benfiquenses que sem duvida resultaram, em convergência de movimentos e toques, a bola chegou ao local do remate, mas não teve, ninguém que rematasse, dando a impressão de que certos jogadores, aliás, já muito calejados, tinham as pernas presas por cordas invisíveis ou pelo-estranho receio de não acertarem no alvo, fazendo má figura. Temos nos olhos alguns lances entre Palmeiro e Rogério, em que a bola andou de um lado para o outro, ambos hesitando e sem que nenhum dos referidos jogadores se resolvesse ao remate, apesar de ser caso disso e as condições fossem favoráveis. Ora, todo o esforço que se desenvolve na pista tende a colocar a bola no bom ponto para a conquista do golo, e não tentar depois o golpe supremo, é negar o futebol. Ou melhor, destruir num ápice uma vida!

Insista-se que a superioridade leonina se fundamenta na harmonia dos seus sectores, na maneira como eles estão ligados, e no perfeito conhecimento de manobra por parte de todos que constituem o quadro, ainda iluminados pelo chamado espírito de equipa e pela luz clubista que orienta a sua tarefa. Essa harmonia patenteou-se mais uma vez.

Seria de não insistir neste ponto se não se desse a circunstancia da equipa sportinguista ter sido alterada. Em que medida essas alterações influenciaram o jogo de equipa?
-Não estando em causa o rendimento dos jogadores ou a sua maior ou menor perícia, entendemos que a engrenagem se manteve intacta (com Pedro ou com Paulo, a mesma coisa!). É evidente que se registaram pequenos abalos, aqui ou ali, mas o conjunto resistiu: o mesmo recorte e conteúdo.

Houve esquemas bem definidos e traçados com mão de mestre, da defesa ao ataque, com envio de bola para sítios e espaços não sonhados, apanhando o adversário de surpresa. É esse o fim principal no futebol de hoje, em que as defesas se organizam solidamente e são objecto dos maiores cuidados. Por isso se torna cada vez mais difícil a perfuração, ou o jogo imaginativo. A muitas equipas, estandardizadas, o que falta é imaginação. Se virmos a partida noutro plano, mais precisamente, no aspecto individual, encontramos fulgores! Uma série de jogadas (fintas e corridas) de Manuel Vasques, da mais brilhante execução, homem, bola e adversário contribuindo para o lance, dando a ideia de se tratar de um numero que andou muito tempo a ser ensaiado. Poderá incriminar-se talvez Fernando Mendonça, dada a sua tendência para preciosismos, mas, quanto a nós, não se pode cortar, totalmente, num jogador-artista, a sua inspiração. São, no fundo, estas imagens que animam as partidas e enaltecem o futebol; como espectáculo.

Cada jogador tem, evidentemente, o seu estilo e características, as quais se fundem no cadinho do conjunto. E admirável, por exemplo, o impulso, a força, a rapidez e o poder de remate de João Martins, havendo quem goste mais deste ou daquele estilo. Mas isso é outro aspecto, e bem-aventurada nos parece uma equipa que dispõe de tão perfeitos exemplares de futebol!

Sob a arbitragem de Cunha Pinto do Porto, as equipas alinharam:

Sporting: Carlos Gomes; Manuel Caldeira e João Galaz; Mário Gonçalves, János Hrótko e Juca; Galileu Moura, João Martins, Manuel Vasques, José Travassos e Fernando Mendonça.
Treinador: Joseph Szabo

Benfica: José Bastos; Joaquim Fernandes e Francisco Calado; Francisco Moreira, Fernando Caiado e Fernando Gato; Francisco Palmeiro, José Águas, Salvador Martins, Rogério Pipi e Arsénio Duarte.
Treinador: José Alberto Valdivieso

Golos: Hrótko (27′) e Martins (52′ e 66′) (Sporting) ; Águas (7′) e Salvador (43′) (Benfica)

NAS CABINAS DO ESTÁDIO
O penalti existiu – confirma o árbitro Cunha Pinto

As contendas entre verde-brancos e encarnados sempre tiveram sabor especial e continuam a ter. Da partida de ontem, saiu vencedor o Sporting, e isso bastou para que os simpatizantes leoninos dessem largas à sua alegria, enquanto os vencidos, acabrunhados, lamentavam a sua sorte e davam mostras de desalento. O desporto é assim mesmo: hoje, ganham uns, amanhã, outros!

Entramos primeiramente na cabina onde os jogadores sportinguistas estavam concentrados. Todos eles se mostravam satisfeitos e contentes por mais um triunfo, mas sem grande exuberância, antes pelo contrário, sobriamente:

Abeirámo-nos de JOSÉ TRAVASSOS, que substituiu Passos no cargo da capitão do «onze». Disse-nos:
-Os jogos disputados com o Benfica são sempre difíceis! Merecemos vencer, especialmente pelo que jogamos na segunda parte, exibição que corresponde à nossa bitola e ao que estamos habituados. O primeiro tempo não foi famoso…

CARLOS GOMES, a seu lado, confidenciou-nos:
-Como «terminus» de campeonato, foi um bom encontro. Não fomos totalmente felizes, porque perdemos mais oportunidades do que o adversário, mais vincadamente quando o vento nós era favorável.

JUCA tinha acabado de tomar o reconfortante banho. Amavelmente, elucidou:
-O desafio foi emocionante, desde o primeiro ao ultimo minuto. O resultado podia ter sido mais expressivo, especialmente no segundo tempo, pois perdemos grandes ocasiões de golo feito. Quero salientar a correcção de todos.

Já há saída da cabina, deparámos com o vice-presidente do Sporting, sr. Francisco Casal Ribeiro. Afirmou:
-É motivo de orgulho pertencer-se a um clube com a pujança de um Sporting, rico em espírito de camaradagem e de entre-ajuda. Sou há pouco tempo dirigente dos «leões», mas estou absolutamente certo das palavras que proferi to acto de posse ao mencionar a «elite» de dirigentes, jogadores e de simpatizantes que formam a massa sportinguista.

Já a mesma disposição não encontramos no compartimento destinado ao Benfica. Uns queixavam-se da arbitragem, outros da pouca sorte da luta; e ainda outros calavam-se.

Hrótko (Sporting) aponta o tento do empate de grande penalidade aos 27 minutos.

JOSÉ ÁGUAS, mostrando desapontamento, indica-nos:
-O «penalty» nunca existiu! O Martins é que puxou o braço de Fernandes e, portanto, o meu companheiro não cometeu qualquer falta. Foi-me anulado um golo por deslocação. Porquê?! Naquela jogada não estava «off-side», e tanto assim é que o juiz de linha nem sequer assinalou. Podíamos ter ganho, mas o nosso «quinteto» avançado não esteve feliz na conclusão das jogadas.
E a terminar:
-Acho uma falta de respeito para com o adversário o baile provocado sobretudo por Mendonça e Juca aliás, anulado por Gato e Calado.

SALVADOR, o extremo-esquerdo encarnado, falou assim:
– Estou satisfeito por ter marcado um golo, o primeiro que consegui contra o Sporting desde que alinho no 1.º grupo. Perdemos mal e tivemos azar. Tenho a impressão de que se não se tivesse assinalado o hipotético penalti a sorte do jogo era-nos favorável.

ARSÉNIO, que dava alento ao seu companheiro Rogério, desabafou:
-Na primeira parte podíamos ter ganho o jogo. Não tivemos sorte e, ainda por cima, condecoraram-nos com um penalti inexistente. No segundo tempo, o adversário foi superior. O resultado mais certo seria um empate.

PALMEIRO, que desde Outubro veste a camisola rubra e, antes pertencia ao Portalegrense completou o pensamento:
-Perdemos um jogo que merecíamos ganhar. Só a má pontaria dos avançados ditou a derrota. O Sporting ganhou após a marcação daquele «desconhecido» penalti.

Por ultimo, abordámos o sr. Cunha Pinto, juiz do encontro.

Depois de dizermos as variadas opiniões acerca do penalti assinalado, o sr. Cunha Pinto explicou:
-Não tive duvidas em marcar a grande penalidade, pois bem vi Martins ser agarrado. Tudo quanto se disser em contrário, acerca da penalidade, carece de verdade. O encontro foi suado palmo-a-palmo, até parecia que estava em jogo o título.

A equipa do Sporting visitou Manuel Passos

Quando terminou a partida Sporting – Benfica, procurámos em sua casa o defesa central dos «leões», Manuel Passos, retido no leito, devido a uma lesão demorada ocorrida no jogo do Barreiro.

O simpático jogador encontrava-se acompanhado de sua esposa e filhinho, e de mais dois amigos sportinguistas.

E Manuel Passos disse-nos:
-Não ouvi o relato do jogo. Não tive coragem! Ficaria ainda mais nervoso! Sempre era a minha equipa que estava a jogar com o seu mais directo rival.

E continuando:
-Minha mulher é que seguia pela telefonia o decorrer da partida e à medida que o marcador funcionava, ela transmitia-me a noticia.

E quais foram as suas reacções? – atalhámos:
-Quando sofremos o 1º golo, fiquei aborrecido; ao empatarmos (1-1), animei e «melhorei» do joelho; quando o Benfica marcou o 2º bola voltei a piorar. Quando empatámos de novo senti-me melhorar…

-E quando do terceiro tento, indagámos:
-Senti-me bem, quase capaz de me levantar e de ir abraçar os meus companheiros.

Manuel Passos, bem disposto, exclamou depois:
-O pior de tudo é que devo ser operado… Todavia, tenho confiança e espero dentro de pouco tempo poder treinar.

A conversa tomou, depois, outro rumo, e, quando tudo parecia calmo, o lar de Passos foi invadido pelos jogadores e dirigentes do Sporting, que não esqueceram o amigo forçadamente retido no leito.

O dr. Góis Mota, depois de todos os visitantes cumprimentarem o infeliz capitão da equipa, disse a Manuel Passos:
-Devíamos reunir-nos hoje num jantar. Mas de acordo com todos os teus colegas, resolvemos esperar que te levantes para nos acompanhares nessa grande festa!

E Manuel Passos viu, assim, à sua volta, um grupo amigo, o do seu Sporting, cujos êxitos se baseiam também num belo sentido de amizade.

Fonte: Diário de Lisboa

Data: 16/05/1954
Local: Estádio Nacional no Jamor
Evento: Sporting (3-2) Benfica, CN - 26ª Jornada (última)

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