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Sábado, Abril 20, 2024

Neste dia… em 1952 – Sporting vence Porto por (4-2) e leva a 1/2 final da Taça de Portugal para o jogo de desempate

Por Tavares da Silva

O caminho seguido pelo Sporting e pelo Futebol Clube do Porto foi e é muito mais difícil de trilhar, pois está cheio de obstáculos e alçapões, quase sendo indispensável a exploração prévia antes de se avançar um pouco. Os dois adversários encontraram, mesmo, ontem, no estádio do Lumiar, o caminho tapado, tornando-se preciso um longo desvio, por Coimbra, verá um qualquer dos dois chegar ao Jamor, talvez um pouco derreado, e, para cumulo, encontrando depois as forças mais frescas, além de mais certas.

Há muito tempo, no entanto, que não se via uma partida tão emotiva como a que se travou no estádio Alvalade, não sabendo nós se, na hipótese presente, valem de alguma coisa as considerações de ordem técnica. Caso se dissesse, simplesmente, que o Sporting só conseguiu a resolução do problema, no prolongamento concedido pelo juiz de campo para compensar as demoras intencionais de uma das equipas, que a partida foi rica em incidentes e escaramuças, mais picuinhas do que grande vendaval, que a forma como ela decorreu e o marcador oscilou lhe deu a mais singular vibração e nervosismo, visível nos jogadores, contagiante, transformando o estádio em labareda, já daríamos uma imagem suficientemente esclarecida do que se passou.

E ao mesmo tempo livrar-nos-íamos assim de falar da arbitragem, pois bem sabemos que muitos adeptos deverão estar à espera de que desanquemos o homem do Apito. E da sua tarefa, evidentemente, não se poderá dizer bem, devendo-se-lhe pelo contrário inculpá-la de alto a baixo, mas é justo também referir que a própria natureza da partida e o estado psicológico dos jogadores e adeptos tornaram a arbitragem o mais complicada e difícil que é possível conceber, especialmente não querendo o juiz de campo expulsar jogadores, ideia que perfeitamente se concebe ainda que não se justifique, dado o tom e o volume que as coisas tomaram. Afinal, houve duas expulsões, a de Correia e Vasques, por culpas mais leves do que outras que se verificaram no rectângulo…

O árbitro não teve autoridade nem pulso, deixando que toda a partida se impregnasse de comportamento grosseiro, que é uma figuração das Regras. Ele não dava um passo sem que uma dessas aflorações se verificasse, e de transigência em transigência acabou por ser jogado, cabendo-lhe a sorte que sucede em tais casos, de Pedro e Paulo se considerarem vítimas. Se passarmos do capítulo da autoridade para o aspecto técnico, o panorama da arbitragem nem por isso melhora, podendo dizer-se com verdade que os seus erros não têm conta: não punição de faltas graves na grande área (fechar os olhos para não ver); beneficio do infractor com a marcação de várias penalidades; não-acompanhamento do jogo (só assim sendo possível que um golo, legítimo, marcado pelo Sporting, após o seu primeiro tento, não tenha sido validado, tendo a bola ultrapassado, clara e insofismavelmente, a meta); recurso exagerado e escusado à advertência; e outros males que fizeram da figura do árbitro, muito por culpa dos jogadores e muito por sua culpa, um elemento de discórdia dentro do rectângulo. E está dito tudo a este respeito.

Digamos agora que a partida se encaminhou sempre da pior maneira para o Sporting, que não teve a Sorte pelo seu lado, apesar de quanto a produção haver acentuada diferença entre as duas equipas, ficando os leoninos muito por cima dos portuenses, como o diz um domínio territorial intenso e um fabrico de jogadas, ininterrupto, de extraordinária actividade.

Para evitar as más interpretações, afirma-se desde já que a ideia que acabamos de traçar refere-se ao pleito verificado, tal qual como as forças actuaram, mas deve ter-se em conta que, caso não se houvesse dado a lesão de Virgílio, o tom do jogo seria possivelmente muito diferente.

Repare-se que o F. C. do Porto, mal abriu o jogo fez duas bolas, aumentando para quatro o seu efectivo, em jogadas simples e luminosas pelo centro do campo, com uma defesa sportinguista incrivelmente situada, nervosa e insegura, na marca da inferioridade, e que o grupo portuense se mostrava forte e desembaraçado, mexendo-se com destreza e na boa regra de movimentos.

Pois esta foi a altura em que se deu a lesão de Virgílio, em choque com Pacheco, de fundas repercussões na organização da equipa, Virgílio subia para… extremo-esquerdo e Monteiro da Costa descia para ponta-direita, ao passo que Carlos Vieira passava para o centro. Quer dizer, no meio de todo o seu azar, o Sporting teve a Sorte de ver a equipa adversária muito cedo desorganizada.

A orientação do Sporting foi notória! A equipa pôs o pé no rectângulo com a consigne de ataque, como o indicava a colocação das suas peças, abrindo bem as fileiras, e por um destes estranhos casos de Ironia do Jogo, foi vitima da sua lógica, até certo ponto, orientação. Justificando-se que, ao dar-se conta do fracasso, o seu sistema nervoso tenha sido abalado e subido a proporções infinitas, ao sentir-se superior e reconhecendo a impossibilidade de afirmar a sua superioridade.

O nervosismo dominou sempre a equipa sportinguista, e concordando que era muito difícil que tal não sucedesse, acrescentaremos que um pouco de calma se impunha para aproveitamento dos lances mortais, que muitos houve, cortando por completo a resistência do adversário. Porque o centro-dianteiro Martins, que já nos vai acostumando a estes desgostos, e Pacheco Nobre foram os beneficiários das melhores situações, são hoje o alvo mais directo para se referir a falta de produtividade e de remate do onze leonino.

Mas é indiscutível que o Sporting, após a marcação da sua primeira bola, pegou no fio do jogo e não mais o largou, exercendo um domínio total e perverso, explicito na invasão do território – os defesas postaram-se invariavelmente a meio do campo! – e na ligação dos segmentos, quer rasteiros quer aéreos, domínio lá de vez em quando, muito de longe em longe, cortado por iniciativas individuais de alguns dos dianteiros portuenses quando agarravam a bola.

A situação não se modificou no segundo tempo, com a expulsão de uma unidade de cada lado, pois, segundo cremos, embora Vasques seja uma peça preciosa, a saída de Correia vincou mais fortemente a desagregação do Porto.

O que se dava era que a tarefa portuense se punha em termos mais fáceis do que a sportinguista. Esta precisava de buscar no 2.º tempo mais duas bolas, já que a 1.º parte acabara 2-2, importando-lhe, pois, organizar jogo para criação de oportunidades e seu aproveitamento ao passo que o papel do F. C. do Porto era de simples corte de jogo, pois não lhe interessava, nem tinha forças para isso, organizar-se no capitulo defensivo, já que lhe chegava para as suas aspirações a diferença de uma bola, somando as duas mãos: o 3.º golo do Sporting chegou aos 27 minutos, e o empate só se verificou no tempo do prolongamento arbitral, provocando louca alegria no Sporting e o reverso deste sentimento, com a mesma ou maior intensidade, no F. C. do Porto.

Não temos duvidas em afirmar, e pomos até muito gosto, que o Porto lutou com denodo, alma e ímpeto, pelo triunfo, sucumbindo no limite quando sem forças mas ainda com energias, o que é paradoxal mas verdadeiro, sendo uma equipa consequentemente que soube honrar as cores clubistas, à altura das suas tradições. Se Barrigana, despropositadamente, provocou sempre um estado de irritação, em campo, nem por isso se deve deixar de o incluir no esforço colectivo, pois o guarda-redes contribuiu para a grandeza da sua equipa. O Sporting facilitou o processo do Porto, mas isso não tira nem põe ao caso, levando tempo a adoptar o método de ataque maciço, em bloco, pois os seus defesas, ainda que adiantados não participavam no futebol ofensivo, marcando, por assim dizer, o inexistente, e, verificado, que a calma não entrava nas fileiras sportinguistas, que por consequenciais, o pleito não podia ser ganho com futebol cientifico mas sim em afirmação de energia, era intuitiva a fórmula de todos ao ataque que, como dizemos, só tardiamente se pôs em prática.

Foi preciso, na busca do empate, que Albano e Travassos, resistentes e destemidos, se transformassem em gigantes. Visto por qualquer ângulo, tanto pelo lado dos vencedores como dos vencidos, o empate no somatório das duas partidas desta meia-final foi uma das notas mais dramáticas que nos tem dado o futebol português.

Fonte: Diário de Lisboa

Ficha do Jogo:

Estádio do Lumiar
Árbitro: António Calheiros (Lisboa)

Sporting: Carlos Gomes; Amaro da Silva e Manuel Passos; Joaquim Pacheco, Veríssimo e Juca; Pacheco Nobre, Vasques, João Martins, Travassos e Albano.
Treinador: Randolph Galloway

Porto: Barrigana; Virgílio e Carvalho; Pinto Vieira, Correia, Bibelino; Diamantino, Hernâni, Monteiro da Costa, José Maria e Vieira.
Treinador: Luis Pasarín

Golos: Bibelino 15′ autogolo, Travassos 44′ e Albano 71′ e 90′ (Sporting) ; Diamantino 2′ e Vieira 6′ (Porto)

Data: 08/06/1952
Local: Estádio do Lumiar
Evento: Sporting (4-2) Porto, 2º Mão da 1/2 Final da Taça de Portugal

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