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Sexta-feira, Abril 19, 2024

Neste dia… em 1992 – Manuel José sem papas na língua em entrevista onde assume o seu sportinguismo e expressa que gostava de morrer cedo


Manuel José – Uma vida de luta

Texto: José Gonçalves

Homem do mar, amante incondicional da pesca, Manuel José diz gostar da vida, mas quer morrer cedo. O futebol foi de início um divertimento, porém, hoje, a experiência levou-o a outra atitude…

A história é longa. Cheia de proezas e alguns percalços. Longa não só no aspecto temporal, mas longa pelos inúmeros acontecimentos que «embelezam» a vida de Manuel José. Um treinador, um homem do futebol que faz do seu dia-a-dia uma luta constante de modo a atingir a estabilidade necessária para encarar o futuro.

Hoje, técnico do Boavista, o «Manel» – como é conhecido no seu vasto mas bem discriminado círculo de amigos – diz querer morrer cedo «os prazeres da vida gozam-se enquanto há saúde» mas, mesmo assim, não deixa de passar os seus momentos de tranquilidade como, por exemplo, a pesca lhe proporciona.

Ligado ao mar, por vínculos que a sua infância não deixa apagar, Manuel José trata o futebol por «tu», depois de 30 anos de plena actividade. Talvez – como nos disse – não tenha sido um jogador muito responsável pela actividade que desenvolvia. Como treinador sente-se feliz, embora a profissão lhe tenha aparecido por «acaso».

Admira a forte personalidade do seu pai, facto que lhe marcou enormemente o seu carácter, e não deixa de criticar «os morcegos», que teimam destruir o seu clube de sempre: o Sporting.

Gosta de ler e de estar ligado às novas ideias que fazem do futebol uma modalidade moderna. Em completa renovação. Mas não se esquece da cana de pesca e sempre que pode lá está ele virado para o mar com a consciência bem firme em terra. A história é longa, mas interessante (apaixonante, se quiserem) de contar…

VIRADO PARA O MAR

«A pesca sempre foi uma das minhas grandes paixões. Desde miúdo e juntamente com o meu falecido tio, lá andava eu nas traineiras, em Vila Real de Santo António, a minha terra natal. Hoje, a pesca é para mim um meio de evasão e a melhor forma de descompressão. Quando olho para o mar não penso nos problemas que me afectam no quotidiano, no fundo é um recarregar de baterias.»

Adora animais – «não gosto da caça, embora não sinta qualquer pena quando vejo um peixe morrer» – e embora o considerem um «homem duro», o facto é que Manuel José tenta ser sempre compreensível com os elementos que fazem parte do grupo em que está inserido. «Não gosto que confundam as coisas. Eu desempenho a minha função de treinador com responsabilidade; responsabilidade essa que exijo dos jogadores que comando. No entanto, isso não me impede de dialogar com eles; de transmitir-lhes a minha experiência; de, no fundo, ser um amigo.»

Treinador com reconhecidas credenciais, Manuel José enveredou pela profissão «por um mero acidente». Tudo aconteceu em 1975, num curso para técnicos «sem duvida o mais sério que se fez até hoje».

«Pratiquei futebol até aos 27 anos, encarando-o mais como uma forma de lazer do que propriamente como uma profissão. Nessa altura tive conhecimento do curso, tentaram-me convencer a inscrever-me, mas pouco liguei ao assunto. A minha sorte foi que as inscrições foram prolongadas por mais dez dias. »

FUTEBOL VIVE DE MODAS

Para Manuel José o futebol contemporâneo «vive um pouco de modas. Ora se aposta no jogador mais maduro, ora na juventude. De momento vivemos a moda dos jovens, mas a realidade é que se apostarmos unicamente neles não vamos a lado nenhum. Penso que tem de haver um certo equilíbrio e é isso que eu tento implementar no Boavista. O projecto do Carlos Queirós é, por exemplo, extremamente positivo, embora não existam projectos perfeitos. Ele, com os novos valores do nosso futebol, conseguiu êxitos nunca atingidos e por isso deve merecer o respeito de todos nós».

Sportinguista assumido, a sua passagem pelo clube de Alvalade deixou-lhe muitas mágoas que dificilmente esquecerá. Manuel José não poupa críticas e diz-se grande amigo do ex-presidente Jorge Gonçalves:

«No primeiro ano que estive no Sporting faltou-nos plantel para conseguir alcançar os objectivos delineados no princípio da época, o “staff” de apoio era fraco, nunca tivemos uma forte retaguarda. Foi uma grande desilusão, mas eu reagi bem a tudo o que me aconteceu, pois eu não me encosto a ninguém para chegar onde pretendo. Tive sempre grande vontade em mudar o Sporting, em introduzir uma outra dinâmica e forma de trabalho. Mas tudo o que passei… já faz parte do passado, quem gosta de reviver os factos são os historiadores… eu ainda sou treinador. Acho que quando as coisas correm bem não se devem deitar foguetes, como quando as situações pioram não se deve meter a cabeça num buraco, o equilíbrio é muito importante. Um treinador não deve ser só avaliado pelos empates, pelas derrotas ou pelas vitórias. Deve ser, essencialmente, considerado pela sua capacidade e empenho no trabalho, como pela sua honestidade.»

Manuel José não deixa de enaltecer o trabalho desenvolvido por Jorge Gonçalves no Sporting «Ele é um amigo e a única pessoa bem intencionada que estava, então, no clube. Os outros… só para rir. O Jorge Gonçalves cometeu imensos erros, alguns dos quais já foram resolvidos. O tempo provou que ele não era tão culpado como diziam. Ele é um sportinguista convicto.

Quando anunciou a sua candidatura alicerçou a sua corrida às umas com a minha contratação. Tentou desenvolver um importante trabalho, mas o grupo em que ele estava inserido não era o melhor. Haviam muitos vampiros. Aliás, o Sporting continua a parecer o asilo do Terço ou o Lar do Comércio – com o devido respeito que tenho por estas instituições, ainda agora apareceu lá um tal de Carlos Gomes atrás do filho, com um sem-numero de declarações lamentáveis.

O Jorge Gonçalves contou comigo para que alguns morcegos fossem afastados, para que o Sporting se transformasse e voltasse a ter grande expressão. A falência da vontade começou a matar o clube e como o Jorge Gonçalves era mais débil, não esperaram muito tempo para o tentar comer vivo…»

«GOSTAVA DE MORRER CEDO»

E é este o Manuel José «sem papas na língua», o homem que admira o seu pai (77 anos), lutador de tempos idos – chegou a estar preso em Caxias pela sua actividade antifascista – gente de fibra que moldou a sua maneira de ser Momentos difíceis que marcam qualquer pessoa.

Vivendo em Espinho – «a minha segunda cidade» – o «Manel» diz-se ainda descontente com todo o trabalho efectuado no Sporting local. «Eles ainda merecem mais.»

Ama a sua família – «de vez em quando andamos às cabeçadas, mas isso ultrapasso sempre» – e há alturas que se distancia do «stress» abalando sozinho para terras onde sabe encontrar a devida tranquilidade. Diz que «gostava de morrer cedo. Vou deixar o futebol daqui a dez anos, acho que é a altura certa. Depois não vou fazer nada».

O filho, jogador do Sporting da Covilhã, é o exemplo da educação que sempre lhe foi dada. Manuel José gosta de encarar as coisas à sua maneira dizendo sem quaisquer complexos que «contam-se pelos dedos quem merece crédito na I Divisão» a nível da classe dirigente. «O futebol português não tem projecto e há quem viva à custa dele, destruindo a vida a outras pessoas.»

«Digo-lhe, sinceramente, que foi muito bom vir para o Boavista – facto que já estava para acontecer há algum tempo. Este clube esteve sempre nos meus horizontes. Não estou arrependido. O Boavista tem a sua dimensão e tem todas as perspectivas para se tornar numa grande equipa. Estou bem. Vou continuar a trabalhar.»

Manuel José, trinta anos com o futebol…

Fonte: Revista «Foot» Fevereiro 1992

Data: 01/02/1992
Local: Revista «Foot»
Evento: Entrevista

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