RUGIDO VERDE

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Sexta-feira, Abril 26, 2024

Futre – A história secreta do “rapto” do Sporting

Futre foi um dos «quatro magníficos» da «Batalha das Antas». Eis as suas confissões – e, sobretudo, o que não se sabia sobre aquilo a que se chamava o seu «rapto».

Por Hugo dos Santos

Ele era o «ai Jesus» de milhares de sportinguistas. Aquele jeito malandro de levar os defesas, aquele vendaval de entusiasmo na ponta esquerda, a finta, o sonho de ter, em Alvalade, um outro Chalana. E, de repente, na triste guerra dos clubes, a «bomba» – Futre passou-se para o inimigo. Passariam a ser os nortenhos a gozarem das delícias dos seus lances empolgantes e a aplaudirem-no no fogo máximo do entusiasmo das bancadas. Os portistas receberam-no de braços abertos. Futre não era, apenas, o reforço bem vindo. Significa mais, muito mais, mesmo. Significava a resposta exacta ao descaramento «leonino» de seduzir Jaime Pacheco e Sousa.

A meu lado, Futre não perde uma só oportunidade de nos dizer que não tem nada com essas guerras.

Falamos-lhe do Sporting e ele diz-nos: «Saí de Alvalade porque o F. C. Porto me ofereceu excelentes condições, mas não posso dizer que tenha razões de queixa de quem quer que seja.». Falamos-lhe do F. C. Porto e diz-nos: «Fui muito bem recebido no F. C. Porto. Toda a gente me tem ajudado, toda a gente tem sido muito boa para mim». Raramente tínhamos visto um avançado tão à defesa…

A RAZÃO DE UMA MUDANÇA

Mas, evidentemente, que tinha de haver uma razão forte para que Futre (desde os onze anos em Alvalade) saltasse assim, tão de repente, para trezentos quilómetros de distância. É essa a história que nós queríamos ouvir contada por Futre. E Futre contou:

– A verdade é que eu ainda tinha três anos de contrato com o Sporting e as condições desses contratos eram francamente más. Para esta época (84/85) o Sporting iria pagar-me setenta contos por mês. Eu sabia, não só, que era o jogador mais mal pago do Sporting, como ainda sabia que o jogador que estava imediatamente a seguir a mim, ganhava mais do dobro (150 contos por mês). Mas não era só isso. Para a próxima época, eu passaria a ganhar 100 contos por mês. Dentro de dois anos, ou seja na época de 86/87 eu passaria a receber apenas 120 contos.

Futre confessa que o Sporting afirmou estar na disposição de melhorar essas condições. Porém, revela-nos:

– A melhoria que propunham não era, de facto, significativa e eu não aceitei. Até que, um dia, apareceram enviados do F. C. Porto para falarem comigo em Lisboa. Fiz uma proposta e fomos discutir a hipótese da transferência para o Galeto (um conhecido restaurante de Lisboa). Chegámos a acordo e, ainda em Lisboa, fomos a um escritório de alguém ligado ao F. C. Porto. Assinei, aí, o primeiro compromisso, depois levaram-me de automóvel ao Montijo, onde eu vivia, fiz a mala e fui logo direito ao Porto. Cheguei ao Porto às quatro horas da madrugada do dia 2 de Agosto.

PROFISSIONAL AOS 14 ANOS

Futre não decidiu tudo sozinho. O seu pai esteve sempre ao corrente do que se passava e foi ele quem entusiasmou o filho a aceitar as condições (incomparavelmente melhores) que o F. C. Porto oferecia. Mesmo assim, Futre não deixa de dizer:

– Os primeiros tempos foram muito difíceis para mim. Nunca tinha dado assim um salto tão grande na minha vida e, de repente, aí me encontrava eu noutro clube e noutra cidade. Não lhe vou mentir: custou-me muito esse primeiro tempo no Porto. Depois, aos poucos, fui-me adaptando e agora sinto-me bem cá por cima. Foi só aquele primeiro mês…

No Porto, Futre também já tem “alguns amigos. Pergunto-lhe se são amigos como alguns de Lisboa dos quais se diziam, à boca pequena, «cobras e lagartos», enfim, gente que gosta de levar os outros para a má vida. Futre nega que alguma vez tivesse tido dessas amizades:

– É verdade que em Lisboa tinha os meus amigos, mas sempre levei uma vida regrada, porque Sabia que não podia levar uma vida igualzinha à de outros jovens da minha idade. Aos 14 anos de idade, eu já era profissional de futebol e fui aprendendo que esta vida obriga a muitos sacrifícios e a muita responsabilidade. Claro que não vou dizer que não fazia, também, as minhas coisas, mas só às fazia quando sabia que as podia fazer.

Futre admite que mesmo nestes tempos de jovem futebolista, mesmo sabendo da necessidade de cumprir uma «vida militante», terá feito, uma ou outra vez, alguma asneira, mas não vai além dessa mínima confissão:

– Os meus amigos deitavam-se às duas ou às três da manhã, porque isso é perfeitamente natural num jovem. Eu não os acompanhava nessas noitadas. Desde os meus catorze anos que descobri que não poderia nunca ser igual à eles, nem poderia gozar a juventude como eles a gozam. E isso custa. Custa mesmo muito, mas, depois, uma pessoa acaba por se Conseguir mentalizar.

A DROGA

Falava-se em juventude. Pergunto a Futre o que considera ele ser o maior problema da juventude actual. A sua resposta é imediata:

– A droga. Não é um problema da juventude portuguesa. É um Problema mundial.

Pergunto também se Futre alguma vez experimentou a droga. Oiço um não decisivo. Futre diz-nos que admite perfeitamente que um jovem queira experimentar algo que é novo para ele, mas diz-nos também que, no seu caso, como profissional de futebol, nem sequer a experiência seria admissível. É pois a imagem do jovem consciente, bem comportado, impermeável às tentações, que nossos avós diriam ser do demónio, que, a pouco e pouco, Futre vai desejando criar. Passamos, então, a falar da generalidade dos jovens, tomando sempre em linha de conta que Futre é um deles. Pergunto muito simplesmente:

– Droga, porquê?

Futre hesita, mas responde:

– Em alguns casos, porque gostam de experimentar algo de novo. Nos casos mais graves, de habituação, não sei, talvez falta de perspectivas…

Prefiro manter-me nas perguntas directas e curtas: Sexo antes do casamento? Futre já não hesita:

– Isso, aceito.

– Mas também aceita para a generalidade das mulheres?

– Claro. Se aceito para homens, tenho de aceitar para mulheres, Caramba, nós, hoje em dia, já vamos estando mais evoluídos…

– E quanto a casamento?

– Nem pensei nisso.

– A maior preocupação que tem, a nível nacional?

– Conquistar, com o F. C. Porto, o título de campeão nacional.

Não era bem na área do futebol que esperávamos a resposta, mas já que se está a falar de futebol, perguntámos:

– Quem é o melhor jogador português na posição que o Futre habitualmente ocupa?

– Chalana!

– E o melhor jogador mundial, nessa mesma posição?

– Chalana!

– Dizem que o Futre, desde que veio para o F. C. Porto, está diferente. Mais evoluído como jogador e até com outra mentalidade. E verdade?

– Sim, talvez esteja mais adulto. Aprendi muita coisa nestes últimos meses, sinto-me mais responsável, com outra mentalidade, enfim, mais crescido.

FUTEBOL… E MÚSICA

Recentemente, Futre regressou a Alvalade… para jogar pela selecção nacional. Pergunto-lhe como sentiu o seu antigo público e responde-me que o sentiu a desapoiar, sobretudo no treino de conjunto antes do jogo com a Suécia e, durante o jogo, diz-nos que ouviu aplausos e ouviu assobios. Isso parece provar que os adeptos «leoninos» ainda não lhe perdoaram. Futre comenta:

– Se eles pensarem, a frio, dirão que fiz bem. Esta é a minha vida. Desde muito cedo optei por ser profissional e, por isso, é natural que aproveite quem me oferece melhores condições.

Relembro a Futre que, oficialmente, a mudança para o F. C. Porto só foi possível porque ele invocou «falta de condições psicológicas». Futre sorri e só acrescenta: «É, foi isso.» Agora ele é jogador, de corpo inteiro, do F. C. Porto. Parece que a sua ambição está inteiramente virada para o título de campeão nacional, mas não perde segurança e logo nos fala das dificuldades em atingir tal objectivo, tanto mais que ainda há que contar com o Sporting e com o Benfica. «Com o Benfica?» – perguntamos nós, num tom exageradamente surpreendido. E Futre a dizer que sim, com o Benfica também.

Futebol, música e televisão (video) enchem, por inteiro, a vida deste jovem. Do futebol fala ele com reservas, bem no jeito de não querer criar qualquer espécie de complicações. E diferente, por exemplo, quando nos fala de música:

– A música, para à juventude de hoje, e para mim, é tudo. A música a nós, faz-nos esquecer a política, faz-nos esquecer até a crise.

Não deixamos passar a frase, sem interferirmos:

– Não venho lá dos confins do século. Sou de uma geração próxima e muito marcada pela música dos anos sessenta. Para nós, no nosso tempo de juventude, a música era muito, mas estava longe de ser tudo. Havia os grandes movimentos da juventude, O Maio de «68» em França, o movimento «Hippy», os pacifistas, os ideais, a noção bela de que, talvez por sermos jovens, seríamos capazes de transformar o mundo. Para vocês é assim tão diferente o tempo de hoje?

– É. Para nós é viver a vida pela vida. A nossa política é a música.

– E não vos assusta, por exemplo, a ameaça de uma guerra nuclear?

– Assusta, mas que podemos fazer?

– Não podem lutar, para que seja menos possível?

– Acho que não. Basta um louco qualquer carregar num botão e, pronto, acontece.

Fonte: Revista «Foot» Nº2

Data: 01/12/1984
Local: Revista «Foot»
Evento: Entrevista

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