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Sábado, Abril 20, 2024

Entrevista a Travassos em Janeiro de 1987: «O Sporting podia ter feito o dobro de Campeonatos vitorioso»

Nasceu em 22 de Fevereiro de 1926, mesmo ao lado do velho Campo do Lumiar, então residência oficial do Sporting. Descendente de adeptos incondicionais daquele clube, desde cedo que andou de leão ao peito, sem nunca sonhar que viria a ser naquelas condições que ganharia um lugar para a história do desporto-rei universal.

José António Barreto Travassos foi um dos mais destacados componentes da célebre «orquestra de espectáculo e golos» denominada por Cinco Violinos, conquistou quase uma dezena de títulos nacionais absolutos e várias Taças de Portugal, guardando ainda com especial carinho a sua faixa de tetra-campeão, proeza inédita no nosso «association». E foi ainda o primeiro futebolista de nacionalidade portuguesa a representar a Selecção da Europa!

Tudo isto ao serviço do Sporting, depois de se ver rejeitado pelo… Benfica. É verdade: José Travassos, leão desde o berço, só não vestiu de águia ao peito porque o seu chefe no Lisboa Filmes não gostava de futebol e, como tal, impediu-o de sair mais cedo para prestar provas no velho Campo Grande. Um episódio caricato, que o «violinos recorda com alguma saudade:

«Mesmo sendo sportinguista, eu queria era jogar futebol, e por isso decidi aproveitar as inscrições no Benfica. Só que, no dia das provas, o meu encarregado não me deixou sair mais cedo. Quando cheguei ao Campo Grande, já o treino de juniores estava a acabar, e disseram-me para na próxima vez ir mais cedo. Se soubessem o pontapé que estavam a dar na sorte, até faziam uma sessão especial para mim…»

CAMPEÃO DE ATLETISMO

O desalento seria sol de pouca dura, já que a CUF requisitou de imediato os seus serviços, dando-lhe ainda um emprego melhor que o anterior. Entretanto, o sonho do Sporting ganhava forma… mas no atletismo, onde também os triunfos de José Travassos se sucediam. «Cheguei a fazer 10,9s no hectómetro, e a conquistar inúmeras medalhas, mas depois foi proibido praticar duas modalidades em simultâneo, porque o Espírito Santo contraiu uma tuberculose…»

Mas as portas do Campo do Lumiar já estavam abertas, e dois anos foi o tempo que separou a frustração no Benfica e o sucesso imediato no onze titular do Sporting. «Recordo-me como se fosse hoje, da minha estreia, na Tapadinha. Estivemos a perder por 4-0, mas recuperámos com cinco golos, um deles de minha autoria, a mais de 30 metros da baliza!»

Oito vezes campeão nacional, com o invejável recorde ainda hoje imbatido de quatro triunfos consecutivos – entre 1950/51 e 1953/54 – José Travassos garante-nos que «o Sporting podia ter feito o dobro de Campeonatos vitorioso, não fossem as asneiras dos dirigentes e alguns descuidos dos jogadores. E, com oito títulos consecutivos bastava-nos ganhar a época de 1949/50 – jamais alguém ultrapassaria o nosso recorde».

O nosso interlocutor baseia a sua afirmação no facto de o Sporting da época dominar tudo e todos. «Vencíamos por quantos queríamos, e a massa associativa já ia para o campo a fazer apostas acerca do total de golos… Com o Oriental fomos todos zangados para as cabinas e, na segunda parte, marcámos nove…»

SELECÇÃO DA EUROPA

Assim, só com o «tetra», José Travassos está convicto de que o recorde poderá ser batido a qualquer momento, e vacticina: «O FC Porto tem agora todas as condições para o fazer. Também se não for agora, duvido que o seja neste século…» Porém, a melhor recordação da carreira, tem-na José Travassos de Belfast. «Foi lá que, em 13 de Agosto de 1955 representei a Selecção da Europa. Não deixei ficar mal o futebol português, apesar de ter interrompido as férias para jogar aquele encontro inesquecível. Lembro-me que a Imprensa inglesa – que avalia jogadores como faz com os cavalos – disse que eu, o Kopa e o Vujkas valíamos cada um 50 mil libras – cerca de quatro mil contos na época

A convocação para a equipa representativa do Velho Continente valeu-lhe ainda a Medalha de Mérito Desportivo até aí apenas concedida aos hoquistas e que José Travassos guarda religiosamente numa sala de troféus pessoais, na sua actual residência, em Alvalade, claro!

«Foi isto e as 28 viagens ao estrangeiro, tudo o que o futebol me deu. Eu dei-lhe mais, mas nesse tempo não se retribuía como hoje. O meu valor era bastante superior aos 750$00 mensais com que me iniciei, e aos 2500$00 com que me despedi, 14 anos volvidos. Quando éramos campeões, recebíamos um prémio extra de 100$00 por cada encontro realizado…»

SANTIAGO BERNABÉU

«Sem passar dificuldades», José Travassos reconhece que «podia estar muito melhor». Apesar de não esconder o orgulho por ter realizado toda a sua carreira naquela que considera ter sido «a melhor equipa da história do Sporting e a melhor linha avançada de sempre do futebol português», ele sabe que as suas potencialidades podiam ter sido melhor aproveitadas. E acrescenta: «Passei ao lado da Fortuna!»

Se não são muitos os jogadores que se podem orgulhar de ter actuado no Estádio Santiago Bernabéu, José Travassos deve ter sido o único português, que teve em sua casa o próprio presidente espanhol em carne e osso:

«Santiago Bernabéu veio convidar-me para engrossar as fileiras do Real Madrid, o melhor clube mundial da época! Perdi a grande oportunidade da minha vida, porque o dr. Ribeiro Ferreira, então presidente do Sporting, opôs-se firmemente à minha vontade. Em troca dos 800 contos e tudo pago, que me ofereciam em Madrid, fiquei com uma quota numa fábrica de refrigeração, juntamente com o Vasques, que também fora sondado para emigrar, rumo a Itália».

Aquela fábrica fechou há dois anos, e hoje José Travassos é vendedor de equipamento hoteleiro na J. Botica. Para trás, um certo sentimento de frustração, por ter desperdiçado convites como os do Real Madrid, Vasco da Gama e diversos clubes italianos. Assim, em termos materiais, pouco ou nada lhe ficou de década e meia a correr atrás de uma bola. Até porque «nem sequer uma reforma existia, tive de começar quase tudo de novo quando abandonei o futebol, em 1959. Hoje eles têm tudo – relvados em todo o lado, melhores bolas, e ordenados muito acima da média. Os futebolistas são verdadeiros profissionais, enquanto nós brincávamos ao futebol, e trabalhávamos fora das horas dos treinos. É como do dia para a noite».

A terminar, um desabafo: «O meu neto é que se vai vingar do que fizeram ao avô. Ele há-de levar do futebol tudo aquilo que eu lhe dei, sem recompensa». No íntimo, José Travassos sonha que aquela criança de quatro anos filho do seu único filho , hoje com 37 de idade – enverede pelo desporto-rei. «O meu filho ainda esteve no futebol, mas optou pela caça submarina, onde já foi campeão nacional… pelo Sporting».

Fonte: Revista «Foot» N27 Jan/87

Data: 01/01/1987
Local: Revista «Foot» N27
Evento: Entrevista a José Travassos

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