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Sexta-feira, Abril 26, 2024

Neste dia… em 2009 – Discriminação? Promoção do Sporting exclui casais homossexuais

ASAE recebeu queixa, mas não pode intervir em relações contratuais privadas.

Tem o nome de “Gamebox Duo” e é uma promoção do Sporting para casais de sócios que queiram ter descontos na aquisição de lugares anuais no Estádio de Alvalade. Casais, sim. Mas apenas heterossexuais: embora não peçam documentos que comprovem a relação entre os sócios que queiram comprar o produto, os serviços comerciais do Sporting vedam o acesso a esta campanha a casais homossexuais, sejam eles gays ou lésbicas.

“É ilegal. Não pode haver uma promoção que se destine apenas a casais heterossexuais”, diz o advogado José Miguel Júdice. “É absolutamente inaceitável. Pura maldade. Não há legislação que dê aval a uma discriminação dessas”, reforça o deputado e activista do movimento LGBT Miguel Vale de Almeida.

A descrição do produto no site oficial do Sporting não deixa dúvidas: o conceito de casal associado à “Gamebox Duo” contempla apenas “dois sócios do sexo oposto” e a “obrigatoriedade de serem Homem e Mulher”. Situação que motivou mesmo a apresentação de uma queixa formal por parte de um sócio do Sporting, Rahul Kumar, no dia 12 de Outubro. “Não sou homossexual, mas o conceito de gamebox só para heterossexuais fez–me confusão. Decidi ir à secretaria e dizer que queria comprar uma para mim e para um companheiro: não me deixaram”, conta ao i. Uma situação que a direcção da ILGA considera “claramente inconstitucional”. E o presidente da Opus Gay, António Serzedelo, vai mais longe: “Não percebo como é que em pleno século XXI, um grande clube como o Sporting, que terá seguramente sócios homossexuais, pode fazer uma discriminação insultuosa como esta”.

ASAE em silêncio A queixa inscrita no livro de reclamações da secretaria do Sporting seguiu para a ASAE, que defendeu não poder pronunciar-se sobre o assunto, por ser matéria do “âmbito das relações contratuais privadas”. Ou seja, poderia “apenas ser resolvida com recurso à via extrajudicial ou à via judicial”.

Mas a direcção de marketing do Sporting também entrou em campo e convocou Rahul Kumar para uma reunião, no dia 2 de Novembro. E a acusação de discriminação sexual teve como resposta oficial do marketing do Sporting “a teoria de ser uma iniciativa para trazer mais mulheres ao estádio”. “Disseram que se abrissem excepções para casais de homens, outros sócios podiam aproveitar e inscrever-se nesta iniciativa, levando o clube a perder até 30% de receitas”, explica Rahul Kumar. Mas, segundo este sócio, os mesmos responsáveis de marketing “fragilizaram o seu próprio argumento”: “Embora a campanha seja para mulheres, confirmaram-me que ela também não está acessível a casais de lésbicas”.

O director-geral do Grupo Sporting, Pedro Afra, rejeita, no entanto, quaisquer polémicas. “Se sob o ponto de vista jurídico alguém achar que há matéria para polémica ou ilegalidades, o Sporting não tem qualquer comentário a fazer sobre o assunto”, disse ao i quando confrontado com as críticas ao modelo desta campanha.

Confirmando a reunião com o sócio que apresentou queixa, Pedro Afra optou por reiterar as explicações então apresentadas. “É uma campanha para mulheres e não para casais: as mulheres representam apenas 20% a 28% do público que vem ao estádio e considerámos ser um target interessante para a estratégia de aumento de sócios no Sporting. Só isso”.

O responsável defende, mesmo, que “o Sporting também tem vários dias com preços mais baratos para as mulheres e ninguém diz que isso é discriminação para os homens”. E sobre a impossibilidade de casais de lésbicas acederem ao “Gamebox Duo”, a resposta foi prosaica: “Não pensámos nisso. Não está contemplado apenas porque não pensámos nisso. Não temos de pensar nos homossexuais em todas as campanhas que fazemos”, diz.

dúvidas legais No mundo jurídico, nem tudo o que parece é e os constitucionalistas ouvidos pelo i são unânimes em considerar que só a fundamentação do Sporting relativamente à campanha permitirá avaliar se há ou não discriminação. Sportinguista convicto, que ainda anteontem à noite sofreu com o empate em Alvalade, Rui Medeiros considera que a dúvida levantada “não tem uma resposta evidente”. Desde logo porque no caso de entidades privadas entram em confronto dois direitos: o da igualdade e não discriminação e o da autonomia individual. “A distinção torna-se ainda menos clara nas situações intermédias, quando há privados com níveis diferentes de poder ou que exercem um interesse público”, explica.

Vital Moreira, constitucionalista e eurodeputado socialista, concorda que a resposta “não é óbvia”. Embora admitindo que deve pesar o facto de o Sporting ter um estatuto de utilidade pública, “continua a ser uma entidade de direito privado”. Considera ainda que neste caso não há uma efectiva discriminação da orientação sexual, mas do sexo. Em último caso, um heterossexual sem companheira fica igualmente impedido de aceder à campanha.

Outro ingrediente para análise é dado por Pedro Bacelar de Vasconcelos: não está em causa uma penalização, mas uma discriminação positiva de sócios em determinadas condições. Ou seja, um benefício do qual alguns são excluídos. “A questão é saber se há uma justificação para essa exclusão”, explica, voltando a colocar o ponto nos fundamentos a dar pelo Sporting.

Será, então, legítimo que uma opção comercial possa ditar uma selecção dos destinatários? Em teoria, sim. E Pedro Bacelar de Vasconcelos exemplifica. “Vamos admitir que o Sporting quer ter a presença de mais mulheres no estádio. Parece até uma medida positiva para a igualdade de género e a fundamentação poderia ser aceitável.”

Nesse caso, se atrair uma mulher é bom, atrair duas seria muito mais. Como se encaixa a exclusão de casais de lésbicas? A dúvida é pertinente, diz Bacelar de Vasconcelos. Ou será mais do que isso, afirma o advogado Magalhães e Silva: “Na contradição que envolve, a exclusão de casais lésbicos acaba por confirmar uma aparente discriminação.”

Deixemo-nos de polémicas, parece ser o lema da advogada (não sportinguista) Rita Sassetti. “Olho para o aspecto prático da matéria. Parece-me evidente que se pretende evitar abusos por parte de dois amigos que toda a vida tenham ido juntos ao futebol.”

Fonte: Jornal i

Data: 30/11/2009
Local: Jornal i

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