RUGIDO VERDE

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Sábado, Abril 27, 2024

Neste dia… Damas na «Foot» em 1986: «Toda a gente sabe que sou tímido. Resumo-me apenas a ser um bom profissional e não um ídolo»

SOU UM PRIVILEGIADO

Ele tem 25 anos. De carreira, não de idade. Ou melhor, mais anos de carreira que muitos dos seus actuais companheiros de equipa têm de idade. Mas ele não se importa nada com isso. Está-se nas tintas, nem liga. É tão jovem quanto eles. Em todos os aspectos. Mesmo que alguns tenham idade para ser seus filhos. Mas não são. Ele tem dois – uma de 17 e um de 15 – e pronto. E ainda uma maneira muito própria de estar na vida e… no futebol. É simplesmente o Damas, um dos melhores guarda-redes que as balizas portuguesas conheceram e que ainda hoje gosta tanto de jogar futebol como no dia em que começou. E que vai longe. Mas isso que importa?

Continua a ser precisamente o mesmo. Jovial, descontraído, sempre com um sorriso, mas ao mesmo tempo tímido e receoso das multidões. «toda a gente sabe que sou tímido. Resumo-me apenas a ser um bom profissional e não um ídolo. Também não sou pessoa para me expor de modo a ser incomodado. Na verdade nunca conseguiria ser um Maradona ou um Platini. Não tinha capacidade para resistir a tantas pressões, de pessoas ou de jornalistas. E ainda bem que assim é. Aos 38 anos de idade, Vítor Damas conserva a mesma disposição de sempre no Mundo do futebol. E fora dele. Assume-se como um bom amante das coisas boas que a vida pode oferecer. Não tem nada a esconder porque a consciência não tem razões para lhe pesar. Há tempo para tudo.

CONSIDERO-ME UM TÍMIDO

«Há muitos anos que o futebol funciona comigo em «full-time», Não existem dias livres, mas sou um homem que adora a noite. Claro que não posso fazê-lo, até pelas minhas obrigações familiares, mas não deixo escapar a oportunidade de beber um uisquizinho com os meus amigos. E isso é até necessário para eliminar o stress lógico de quem leva o futebol a sério».

Damas é assim mesmo. Leva já uma longa carreira no activo. Respeita e é respeitado. O seu trajecto foi por demais traçado. «De facto já nem sei o que se pode dizer de mim».

Damas não sonha com homenagens, nem tão pouco se sente seguro de anunciar o abandono da sua carreira no final da presente época. Assim:

– Penso que será esta minha última época, mas sabe, ainda é prematuro. Sinto-me muito bem, em forma e no fundo exige muita responsabilidade jogar no Sporting e para isso tenho que estar em condições. Se não estivesse não jogava.

E depois? Algum dia terá que sair:

– Mas penso ficar ligado ao futebol. Não sei coma mas quero ficar no futebol!. Na altura verei as condições.

Nada de negócios então:

– Nem pensar nisso. Tive uma má experiência no pronto-a-vestir e isso tornou-se numa óptima ajuda para não voltar à repetir o fracasso. Ser-se profissional numa equipa grande, torna difícil à conciliação com outra actividade. E a maior de todas é à ausência de preparação para assumir qualquer outro ramo.

«VIDA DE SALTIMBANCO»

Vítor Damas é já uma legenda do futebol português. Até parece que o resto da sua vida continuará a ser passada entre os postes de uma baliza. E sempre na mó de cima, sem grandes aparatos. Tudo acontece com grande naturalidade.

Posso fazer um balanço positivo da minha carreira. Tenho sido daqueles que tem levado uma vida de saltimbanco, sempre de um lado para o outro. Talvez até seja isso a que devo a minha longevidade. No fundo, faço o que sempre gostei de fazer durante todos estes anos. E isso é sempre um privilégio.

Mas nem tudo terá sido um mar de rosas:

– Concerteza. Até pelos muitos anos que cá ando isso seria muito difícil. Mas mesmo esses momentos negativos, ou digamos, não tão positivos, me deram forças para continuar e portanto só tenho que agradecer ter passado todos estes anos dentro do futebol.

Que inclui uma passagem de quatro anos em Espanha, no Santander:

– E logo no meu melhor período como guarda-redes, entre os 28 e os 32 anos. Foram quatro anos que me deram prestígio, e dos quais tirei proveito até em relação às pesetas. Fui um profissional digno e aquele que durante mais anos actuou no estrangeiro. E resolvi vir-me embora porque quis.

Damas recorda como foi parar a Espanha. Se a emigração dos futebolistas portugueses já não é fácil, sobretudo naquele tempo, então na especialidade de guarda-redes o caso merece outra atenção:

– Bom eu tinha um contrato com o FC Porto. Era um dado adquirido a minha saída do Sporting, mas num ápice surgiu o convite do Santander, que era simplesmente irrecusável. Olhe, foi o contrato mais rápido da minha carreira. Também tinha o Quinito a fazer força e a publicidade feita sobre mim, ainda mais ajudou a convencer os responsáveis espanhóis. Foi tudo muito rápido.

De Espanha, Damas regressou ao futebol português. Foi para Guimarães onde encontrou José Maria Pedroto, com quem aliás chegou a ter problemas:

– Gostaria de não falar sobre isso, especialmente porque tem a ver com a pessoa que foi, que já cá não está, e não pode defender-se.

Seguiu-se o Portimonense:

– Aí foi talvez o empurrão para não abandonar a carreira. Tinha até perspectivas de continuar ligado ao futebol como treinador, mas o Artur Jorge e o Manuel José demoveram-me da ideia e incentivaram-me a continuar a trabalhar e a jogar. Foi um ambiente extraordinário, aquele que encontrei em Portimão. Gostei de lá ter estado. Em Portimão ganhei forças para continuar e cá ando.

«ÍDOLO NÃO SOU»

Jogar hoje ao lado de rapazes com 18 anos não lhe faz confusão?

– Se calhar até é mais curioso para mim do que para eles. Agora há mais facilidade de comunicação e para eles é mais proveitoso. A parte mais valiosa é ainda cá estar e o muito que ainda tenho a fazer.

E eles como o vêm a si?

– Não acho que algum dia tenha sido um símbolo para eles ou para os outros. Andei a saltar de clube em clube e isso nunca iria fazer de mim um símbolo. Além do mais penso que tenho sido um bom profissional, mas nunca atingi a etiqueta de ídolo.

E Damas recorda ainda:

– Penso que foi em Espanha que perdi algum do meu prestígio interno. E que, inclusivamente, me prejudicou na Selecção Nacional. E isso marca, a ponto de deixar de ser muito apreciado junto da juventude.

Hoje existem diferenças até em comportamento:

– Com efeito. Nunca fui homem de frases bombásticas. Sou um homem da outra geração. Os meus princípios também nada têm a ver com as atitudes controversas que hoje vemos e que eu aceito e compreendo. Isto pode não servir de justificação ou ser apenas uma justificação simples, mas tenho 38 anos e jogo com rapazes de 18 anos… Bom isso deve ter a ver com a mentalidade das pessoas.

Ou um outro país?

– Enfim, temos os problemas de sempre. Somos um país em evolução mas lenta. Ainda estamos muito atrasados em relação à Europa. Mas penso que continuamos a ser um país de brandos costumes. Os portugueses têm pouco por onde escolher porque tudo depende de interesses económicos. Na realidade penso que todos deviam ter o prazer de desfrutar o máximo da vida, afinal, tão curta que temos.

Se pudesse voltar atrás modificava alguma coisa na sua vida?

– Algumas. Jogaria sempre futebol mas modificava algumas coisas. Nunca fui muito exigente e daí, porventura, nunca ter tirado grandes benefícios. Mas, por exemplo, se calhar não voltava a ir para o estrangeiro ou então não tinha de lá voltado. Podia ter feito, de facto, outras coisas, mas eu funciono por instinto. Nunca penso duas vezes, e quando assim é os riscos de erro são muito maiores.

Isso não será um atributo de todos os guarda-redes que têm fama de malucos?

– Talvez. Um guarda-redes tem que ter pancada. Equipa diferente dos outros, é diferente por natureza e também assume outros riscos. Em Portugal há excelentes guarda-redes. Somos um país que fabrica guarda-redes de grande qualidade, ou melhor eles nascem por espontaneidade, uma vez que nem temos escolas de formação. O nosso instinto tem chegado para colmatar essas falhas.

E Damas fala dos seus preferidos:

– O Carlos Gomes, que foi o meu ídolo de menino, o Costa Pereira, o Américo, o Carvalho e o Iribar e o Albertosi entre os estrangeiros.

E quanto ao futuro:

– Não devemos ter grandes problemas. O problema vai ser colocá-los a jogar. O Sporting tem dois bons guarda-redes, o Vital e o Sérgio. O Zé Beto, do Porto é aquele que me parece poder vir a suceder ao Bento na baliza da Selecção Nacional.

OS D(R)AMAS DOS JORNALISTAS

A propósito da Selecção recordamos «Saltillo»: Damas tem alguns espinhos atravessados na garganta: Ele conta:

– O Damas era apenas mais um dos que estavam no México e registo uma reacção estranha dos nossos jornalistas, pelo drama que fizeram e o susto que apanharam quando viram que este rapaz tinha que ir jogar. Talvez isso seja resultado da minha maneira de ser e as pessoas tenham pensado que eu não tinha vontade de jogar. Houve até quem dissesse que eu não poderia jogar. No mínimo é ridículo. Também sobre o que sucedeu no México penso que alguns jornalistas jogaram uma série de cartas já viciadas com muita contusão à mistura e que terão sido uma das minhas maiores experiências no futebol. A forma como trataram os assuntos é que me chocou e não me parece que as posições tomadas por alguns, que todos sabem quem são, sejam compatíveis com a sua actividade. Um jornalista pode ser amigo de A, B ou C, mas quando escreve deve ser isento e imparcial. Isso não aconteceu assim e foi uma grande surpresa para mim. Mas enfim, são águas passadas.

Damas 38 anos de idade, 25 de carreira… que ainda não terminou.

Data: 01/10/1986
Local: Revista Foot
Evento: Entrevista

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