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Quinta-feira, Abril 25, 2024

Entrevista a Mário Jorge em 1986: «5 anos de inêxitos causam alguma frustação.»

Texto de: José Paulo Canelas

Homem prevenido vale por dois, e Mário Jorge sabe-o bem. Escaldado com determinados jornalistas, interrompeu o prolongado silêncio para conversar connosco. Mas mediu as palavras uma a uma, respondeu com precaução e evitou tocar em temas mais melindrosos. Mesmo assim falou-nos de si, sorriu com optimismo quando o diálogo versou o «seu» Sporting, e deambulou levemente quando a Selecção veio à baila. Afinal, ele está em todas as frentes de batalha, apesar do início de época menos promissor.

Natural de Ponta Delgada, Mário Jorge cedo abandonou os belos ares açoreanos para se instalar em Lisboa. Na primária, ou mais tarde, na Escola Secundária Gil Vicente, no Bairro da Graça, em plena zona velha da capital, O internacional leonino era já a estrela entre os companheiros e, com O sol desaparecido no horizonte, rumava a Alvalade para mais um treino com os da sua idade. Preparava-se para comemorar O seu 14.º aniversário, quando pela primeira vez atravessou a porta 10-A, e começou a realizar o seu grande sonho: ser futebolista profissional no Sporting Clube de Portugal. Muitos ficam pelo caminho, por insuficiências técnicas, falta de perseverança, ou simplesmente azar. Mário Jorge da Silva Pinho Fernandes, nascido em 24 de Agosto de 1961, seguiu em frente, sem conhecer outra camisola que não fosse a verde-e-branca de Alvalade. Aliás, envergou por 27 vezes O «jersey» vermelho da Selecção Nacional! Com o emblema das quinas ao peito, foi duas vezes internacional juvenil, seis júnior, 13 esperança e outra meia dúzia no conjunto principal.

UMA VIDA DE LEÃO

«Sinto imensa honra em jogar no Sporting» – disse. Outra coisa não seria de esperar. Afinal, tem tido uma vida de leão… ao peito. Todavia, Mário Jorge não garante ficar em Alvalade até morrer, e acentua que «no futebol, não se pode prever o futuro».

Um sério aviso para aqueles que quiserem vê-lo concluir a carreira onde a começou. «Acima de tudo, gosto de jogar, e procuro sempre as melhores condições para o fazer – prossegue antes de ressalvar – mas o Sporting oferece boas condições, e até à data nunca tive quaisquer problemas, sempre me respeitaram, e esta é a minha 12. ª época em Alvalade».

É boa a maioria das recordações desse tempo, mas a mais marcante terá sido o lançamento na equipa principal, da responsabilidade de Rodrigues Dias. «Nesse ano vivi logo a festa do título, o que veio a repetir-se em 1982».

Depois disso, as faixas voaram para outros lados, e o Sporting corre cada vez mais o risco de viver do passado. Mário Jorge discorda desta tese e, embora reconheça que «há alguma frustração», garante também que o «clube tem muitos jogadores com um largo futuro pela frente, e pode fazer uma equipa ainda melhor do que a actual, que já é muito boa».

O TÍTULO E A TAÇA

Boa ou não, a verdade é que o sonho europeu já se diluiu, e os nacionais surgem um pouco comprometidos, num momento em que a época se aproxima da primeira metade. Sobre o afastamento da UEFA, provocado pelo Barcelona, o esquerdino de Alvalade considerou-o como «uma eliminação inglória que já pertence ao passado».

Em relação ao futuro, Mário Jorge aposta «nas conquistas do título e da Taça». E dá a receita; «É necessário partir sempre à conquista da vitória, jogar com tranquilidade e acreditar nas potencialidades de um plantel recheado de grandes jogadores».

Essa, a mentalidade ambiciosa e ofensiva que o técnico Manuel José incutiu nos jogadores leoninos, tal como o fizera noutros lados, embora em Alvalade com ausência de resultados práticos. Mário Jorge acorre em defesa do «mister» e recorda: «As tácticas defensivas utilizadas em anos anteriores também não surtiram efeito… há cinco épocas que o Sporting não é campeão. De qualquer modo, com os jogadores de que dispõe, a equipa terá de ser sempre superior, jogar ao ataque em qualquer sítio».

O optimismo do nosso interlocutor não sofre nem uma beliscadura quando o confrontamos com os adversários directos na corrida para o título. Do FC Porto diz apenas «ter mais quantidade que os restantes», mas afirma que «em qualidade, o Sporting nada lhe fica a dever. Faltam-nos apenas algumas alternativas».

O JOGO COM O BENFICA

Acerca do eterno rival da Luz não tece comentários, mas olha já o próximo «derby», e pensa em voz alta: «Tem um certo significado, embora não seja decisivo. Será uma oportunidade crucial para nos aproximarmos do topo, à custa de um opositor directo».

Quanto às grandes revelações da temporada – V, Guimarães e Belenenses – Mário Jorge admite tratarem-se de boas equipas, disse respeitá-las, mas… «falta-lhes estruturas e bases para poderem ombrear com os três grandes, numa prova onde a regularidade é indispensável. Mesmo assim o Vitória está cada vez mais ambicioso e… perigoso».

Um alerta, certamente, para o jogo que se seguirá ao «derby» lisboeta, e com o qual o Sporting culminará, em pleno Municipal minhoto, a primeiro volta do Campeonato racional.

Um aviso lançado por um jogador que durante largo período esteve afastado do onze titular do Sporting, numa ausência bastante notada, posteriormente rectificada por Manuel José. O próprio recorda-nos, a propósito, que o Sporting não tem «lugares cativos».

Um lugar comum, uma fuga à questão. Com a nossa insistência Mário Jorge pouco adiantou: «Todos os jogadores têm altos e baixos, é provável que tenha atravessado uma fase menos boa». Confrontado perante a boa exibição rubricada na Suiça, quando ainda estava na condição de suplente em Alvalade, concluiu: «Acredito em mim, sei aquilo que valho, e pelo que tenho feito em prol do futebol do Sporting, julgo que tenho condições e valor para continuar».

A SELECÇÃO E SALTILLO

E foi pela Selecção que terminámos o diálogo com Mário Jorge. Chamado a intervir nos dois jogos de apuramento para o Europeu de 1988, Mário Jorge mostra-se despreocupado com a resolução do problema de Saltillo. «Não sei o que se passou, nem me compete a mim resolver a questão. Mas o certo é que aqueles que substituíram os jogadores que estiveram no México, deram o melhor de si e não o fizeram nada mal».

Concluindo o seu raciocínio, O jogador leonino alega que «as exibições satisfizeram, e os resultados não foram óptimos, mas também não foram maus». Segundo ele, «há que dar tempo a esta nova Selecção, e ver até que ponto poderá atingir o sonho desejado, que será sempre o apuramento para a fase final, na RFA».

Outra questão quente: Concorda com a escolha de um civil para a liderança do conjunto representativo do futebol português? A resposta ambígua: «Se dissesse que sim, todos pensariam que estaria a tentar agradar ao seleccionador. Respondo apenas que, tendo o cargo sido entregue ao dr. Ruy Seabra, se deve confiar nele, e apoiá-lo».

Foi Mário Jorge, 25 anos de idade, metade deles ao serviço do futebol sportinguista. Iniciado para o desporto-rei na posição de defesa-esquerdo, criou raízes mais ofensivas já na categoria de seniores, mas parece querer regressar às origens… nas palavras. Porque, no campo, o engodo pelas balizas e o sentido atacante são realidades irreversíveis.

Fonte: Revista «Foot» Nº26 Dez 86

Data: 07/12/1986
Local: Revista «Foot»
Evento: Entrevista a Mário Jorge

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