Neste dia… em 1944 – Azevedo e o Vasco da Gama: «Tenho autorização da Direcção para ir, falta só a aprovação dos sócios em Assembleia Geral»
O «keeper» nacional fala à «Stadium» da sua projectada viagem ao Brasil
A notícia apareceu nos jornais, lacónica, como todas as notícias sensacionais – porque não se
pode negar a essa informação a categoria de caso sensacional do ano desportivo: Azevedo, o grande guarda-redes do Sporting, foi convidado a jogar no Brasil!
A novidade circulou rapidamente e como a notícia era falha de pormenores, logo foram postas a circular os mais substanciosos boatos, as mais desencontradas informações. No aspecto de vantagens que o conhecido jogador iria receber, atingiu-se o máximo das idealizações… Chegou-se a falar em somas que constituiriam apreciável fortuna. Pelo interesse do assunto e no desejo de esclarecer os desportistas, «Stadium» entrevistou João Azevedo, ouvindo-lhe as primeiras informações sobre este «grande caso» da sua vida desportiva.
No ambiente sossegado de um fim de tarde no Barreiro, Azevedo começou por nos dizer:
– O interesse que a notícia da minha possível ida ao Brasil despertou no nosso meio desportivo é compreensível. Reconheço a posição que neste momento ocupo no futebol nacional, defendendo as redes do Sporting, e por isso o natural receio de todos os «leões» de que eu troque o meu lugar pelo que me oferece um grande clube brasileiro: o Vasco da Gama. Mas para mim, que sinto com verdade o que significa ser desportista praticante, era de facto soberba a missão que me confiavam: como jogador português – ir alinhar num grupo brasileiro. Além disso – quem não se entusiasmaria por ter a oportunidade de conhecer o Brasil, a grande nação irmã?
E porque surgiu essa oportunidade?
– O Brasil, onde o futebol goza de prestígio e entusiasmo formidáveis, luta nos seus «teams» com a falta de duas categorias de jogadores: guarda-redes e médios-centro. A recente vinda a Portugal de um conhecido comerciante de Lisboa e do Rio de Janeiro, sportinguista convicto, ocasionou que lhe fosse incumbida a missão de conseguir em Portugal um guarda-redes para o Vasco da Gama: E o meu nome, já conhecido no Brasil, foi-lhe indicado como o preferido…
– E de que está dependente a sua viagem?
– Da resolução de dois casos que são a base da materialização deste convite: as condições que enviei para o clube brasileiro e o consentimento dos sócios do Sporting.
Com sinceridade Azevedo expõe-nos as suas razões:
– A proposta que acompanhou o convite mereceu-me a maior atenção. Ponderei a minha situação particular, o afastamento do meu emprego, a família que ficava, e disse as condições em que me interessava ir ao Brasil. Prezo-me ser jogador profissional, mas sei avaliar as minhas possibilidades. Aguardo a resposta do clube brasileiro. Da parte dos sócios do Sporting – porque a respectiva licença terá de ser votada em assembleia geral – espero que não me dificultarão este meu desejo. Considero-me tão sportinguista como aqueles que sempre o foram! Ao fim de dez anos consecutivos a defender as cores do Sporting, sinto pelo clube natural e forte amizade, além de que tenho recebido de directores e sócios provas de muito boa estima, que não se podem esquecer. Nada me tem faltado, mas eu também nada tenho exigido. Agora, em face deste convite, quero-lhes pedir que olhem para o meu dia de amanhã… Não estará, nesta minha ida ao Brasil, o meu futuro e dos meus. Se ao contrário do que espero, a assembleia do Sporting me negasse o seu consentimento para esta minha deslocação ao Brasil, salvaguardariam essa resolução pensando no meu futuro, quando as minhas possibilidades de jogador abrandarem até atingir a inevitável substituição e o consequente esquecimento? Os anos que tenho ligados ao clube e o meu comportamento como jogador já me davam direito a exigir qualquer coisa. E no entanto nunca pensei nessas exigências. Espero, com confiança, que os sócios do Sporting, chegado o momento de apreciarem este meu caso, ponderem com justiça a razão que me assiste.
– E a direcção do clube?
– É-me favorável na sua opinião.
Azevedo, ao falar pela primeira vez para o público desportivo sobre a sua ida ao Brasil, aproveita a oportunidade para deixar ficar bem esclarecido um boato que tem circulado com desagradável insistência:
– Tem-se afirmado que a notícia do convite que recebi para jogar no Rio de Janeiro é falsa, pretendendo-se insinuar que ela foi lançada com o propósito de me fazer valer em possíveis pedidos de melhoramento de condições no Sporting. Não! Não é boato. A minha ida ao Brasil não foi inventada. O convite existe!
– Se tudo correr como espera, que tempo estaria no Vasco da Gama?
– Por três meses: Julho, Agosto e Setembro, para estar em Portugal no começo do campeonato de Lisboa.
Arriscamos uma pergunta…
– Se se desse bem e surgisse a possibilidade de ficar no Rio de Janeiro?…
Azevedo não responde logo. Olha um pouco vagamente em direcção ao Tejo, que se adivinha para lá do bem cuidado Parque do Barreiro, e diz-nos:
– Era o meu futuro que estava em causa, Mas viria a Portugal expõe a minha situação!
– E sente-se bem para corresponder à responsabilidade do convite?
– Perfeitamente. Como jogador correcto e profissional que me prezo, não enganei. Sinto que estou de posse de todas as minhas faculdades de jogador de futebol, à altura das exibições que tenho feito. A da inauguração do Estádio Nacional serviu até para confirmar o convite do Vasco da Gama. Fisicamente, estou no melhor possível e seguindo os cuidados que tenho comigo, e a forma como levo a vida, conto jogar até aos 35 anos.
Azevedo, que tem 28 anos, tem de facto vida regrada. Há até um pormenor interessante na sua cuidadosa orientação em dia de jogo: está em completo jejum até à hora de jantar.
– Está seguro de fazer boas exibições no Brasil? – perguntamos, retomando o fio da entrevista.
– Absolutamente. Só duas coisas poderiam influir nas minhas primeiras exibições: o clima e os jogos de noite. Mas estou convencido de que depressa eliminaria esses factores, se por acaso chegassem a influir nos meus primeiros jogos. Irei com a certeza de honrar o futebol português! Confesso, no entanto, que levo saudades ao deixar o meu país e o meu clube, onde ficam grandes amizades. Entre elas, a direcção, constituída por elementos conscienciosos e que têm feito uma gerência admirável, o massagista Manuel Marques e «mestre» Szabo, estas referências sem desprimor para os meus colegas do «team» e para aqueles sócios com quem convivi mais e em cujo grupo ficam boas amizades, especialmente a rapaziada do Barreiro.
Eis toda a verdade da sensacional notícia que tem animado as «falas» da gente desportiva. Dentro de dias os sportinguistas serão chamados a resolver este caso importante do seu clube. O amor clubista tem de ser absorvido pela consciência que o assunto «Azevedo-Brasil» tem de ser apreciado.
De esperar a elevação com que esses sentimentos vão ser demonstrados, para que, cumprindo-se os desejos do nosso grande guarda-redes (que a Espanha, França, Alemanha, Itália e a Suíça já premiaram com calorosas ovações) o futebol nacional se honre com as exibições de um seu valoroso elemento no futebol brasileira.
In Revista Stadium, 5 de Julho de 1944
Data: 05/07/1944
Local: Barreiro
Evento: Entrevista
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Aqui, os sócios não foram nada bananas e contrariaram em AG a vontade do jogador e da Direcção. Com a sua acção mantiveram Azevedo mais 7/8 épocas no Sporting, tornando-se o jogador mais titulado da história do clube, com 13 títulos, 9 dos quais de Campeão Nacional.
Hoje, com o bananismo e corno-mansismo vigente no clube, a história seria outra.
Muito bom. Como tudo é diferente agora.