RUGIDO VERDE

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Domingo, Abril 28, 2024

Neste dia… em 1981 – A história de Vaz – O suplente que se tornou titular nas balizas do Sporting

Vaz fez parte desta equipa do Sporting de 1979/80 que conquistou o título nacional. Da esquerda, em pé: Eurico, Jordão, Menezes, Helinho, Bastos e Vaz; agachados: Fraguito, Manoel, Barão, Manuel Fernandes e Freire.

Infância rude, tremendamente espinhosa, a deste beirão, persistente e animoso, que hoje é titular da baliza do Sporting. António Vaz começou a jogar futebol no clube da sua terra e, hoje, vive, naquela, que escolheu para lá acabar os seus dias, Setúbal, do rio azul, das gentes sinceras e amigas.

Foi uma infância do arco da velha, como diz, agora, com frequência o Vaz recordando os seus tempos de miúdo, lá na serra, onde o vento sopra mais rijo do que no sul, onde a neve faz regelar os ossos e onde, não poucas vezes, um naco de broa servia de refeição completo. Mas vão longe esses tempos bem diferentes daqueles que hoje, em sua casa saboreia o Paulo César, seu filho que, pode dizer-se, nasceu em berço de ouro.

Em Penalva do Castelo, a meia dúzia de quilómetros da cidade de Viriato, há 35 anos, Vaz viu, pela primeira vez, a luz do dia, e depois aprendeu a saber o que era a existência de um miúdo pobre, tão pobre de iguarias e brinquedos que, praticamente, nunca soube o que era ter, por exemplo, uma bola de borracha para chutar ou ferir os dedos, que, não raras vezes, à mingua de sapatos, se esfolavam nas pedras agudas e contundentes dos caminhos que tinha de percorrer para ir até ao mato, fazendo recados para ajudar os pais em tudo o que lhe era possível.

Uma infância atribulada – diz hoje o Vaz – até porque, naqueles tempos, as coisas eram diferentes de hoje, e o pai, um pobre homem que vivia para a casa, para a mulher e os filhos, não tinha as sempre prometidas hipóteses de se valer de um Banco e pedir um empréstimo para abrir uma casita, e montar um negócio. O sr. José Vaz – que remédio – andou largos anos a trabalhar, por conta de outros, na profissão que escolhera ou que o destino lhe designara, de escanhoar a cara dos clientes.

Era barbeiro, lá na terra. Foi assim que o “Fígaro” de Penalva viveu, grande parte da sua vida, com imensas e constantes dificuldades, tanto mais que, e nisso era ele bastante rico, os filhos iam aparecendo, uns atrás dos outros, tendo nascido a seguir ao Vaz mais três raparigas.

Hoje as coisas são diferentes, felizmente, o sr. José Vaz já tem uma barbearia dele, coisa moderna, a que só faltará uma manicure. De resto, tem de tudo quanto seja essencial, incluindo aquelas coisas modernas que os homens gostam de usar como perfumes e lacas, estas para segurar os penteados modernos que, nos tempos de antanho não existiam. Norma geral, entre gente pobre a laca consistia num pedaço de brilhantina ou fixador, que mais não era preciso, até porque grande parte das pessoas usavam o penteado à… escovinha.

De tudo isto, do que foram aqueles tempos, dos problemas surgidos, incluindo as dificuldades de conseguir o “canudo” da 4ª classe. De tudo isto – dizíamos – nos fala o guarda-redes do Sporting, com imensa saudade, porque, e não é mentira nenhuma, naquela altura era ele miúdo e, nessa idade, o mundo é todo nosso não obstante as dificuldades que possam surgir.

Oficina de automóveis e serventia a pedreiros

Princípios da aprendizagem

Muito novo, ainda, o Vaz começou a trabalhar. Primeiro numa oficina de automóveis, como aprendiz, ajudando em tudo o que fosse preciso e ele soubesse fazer. Aí que ganhou os seus primeiros cobres, que, alegremente, ia a correr entregar à mãe, lá em casa. Depois, como aquilo dava pouco, mudou de ofício, empregou-se numa obra, como ajudante de pedreiro.

Aos 15 anos, Vaz, um operário zeloso, extremamente cumpridor já aprendera, entretanto o que era o Futebol. Já sabia de cor e salteado os nomes de alguns ases daquela época. Já sabia, pelo menos, que o Benfica tinha tido uma grande equipa famosa, até, na Europa, e que o F. C. Porto era um dos baluartes do desporto nacional. Sabia, também, que, o Sporting, tivera uns “violinos” que ficaram famosos. A par disso tudo, na sua região, nada de especial. Nem Académico, nem Lusitano de Vildemoinhos ou Penalva do Castelo, conseguiam passar daquela modéstia, que se lhes conhecia, de serem famosos só para os “gastos de casa”.

Primeiros jogos em Penalva

Entretanto, nas horas vagas, o Vaz ia-se entretendo, como tantos outros a jogar futebol nos baldios que, em grande número haviam lá na terra. E a dada altura alguém descobriu que ele tinha vocação para aquilo. Descobrir a vocação e “voar”, de seguida, pouco tardou. Tudo foi fácil. Prestou provas no Penalva e ficou apurado.

Com muita presença na baliza, em breve se notabilizou como um dos melhores, mesmo o melhor guarda-redes da região e, desde logo, tudo lhe começou a correr de feição, a tornar-se popular e a ter amigos sem conta.

A vida militar

O Sporting e o F. C. Porto

Subitamente, na vida do Vaz, muita coisa se modificou. Em curto espaço de tempo ei-lo integrado na vida militar, num Regimento em Viseu e a ser solicitado pelo Académico ao Penalva para que o autorizasse a alinhar num jogo particular contra o Sporting. Mal imaginava o Vaz que esse encontro com o Sporting contribuiria, decisivamente, para o destino da sua carreira de futebolista profissional.

Contemos como foi. Nessa altura quem treinava o Viseu era o categorizado Vieirinha que, seguidamente, iria trabalhar no F. C. Porto. Pois nesse jogo, com o Sporting, que os lisboetas ganharam por 2-1… Vaz foi só o… melhor homem em campo. Uma exibição de se lhe tirar o chapéu.

Transferido para Coimbra, onde o serviço militar lhe ocupava grande parte do tempo, Vaz recebeu, um dia, uma comunicação de Vieirinha para se apresentar no F.C. Porto afim de entabular conversações com dirigentes do clube das Antas. Fora Vieirinha que, sabendo do interesse portista

por um bom guarda-redes, o indicara. Claro que, o entendimento foi muito fácil e, a partir daí, Vaz deixou de se preocupar, tanto, com o futuro, de dar voltas à cabeça a pensar no que havia de fazer quando saísse da tropa.

Era evidente que jogando num clube grande, a sua vida militar seria facilitada – como aconteceu – pois foi logo transferido para um Regimento do Norte, o que lhe dava muito jeito para poder treinar com regularidade no clube das Antas.

Sempre jogador barato

Ao revelar-nos estes pormenores, Vaz tem, por vezes, expressões curiosas não ocultando alguns períodos difíceis que viveu. “Porque hei-de mentir, de querer disfarçar, se é verdade que sofri bastante”, diz-nos ele agora. Entretanto, quando lhe perguntamos se ganhou muito dinheiro com o futebol responde com um “sorriso trocista: “fui sempre jogador barato”.

Futebolistas baratos é coisa que hoje, praticamente não existe, mas antes de entrar em vigor o actual regime de transferências… sabemos que isso era verdade, até porque, os clubes valiam-se de certos truques (nem sempre ortodoxos) para conseguirem contratar jogadores por preços inferiores ao que eles mereciam.

No F.C. Porto o rapaz de Penalva usufruiu de algumas vantagens. Não no tocante a verbas, que eram, todavia, razoáveis para a época. Tanto assim que Vaz não mais precisou de empregar a sua actividade extra-futebol em tarefas muito pesadas e, como foi sempre um indivíduo poupado, tanto no F. C. Porto como, depois, nos outros clubes que representou, sempre conseguiu amealhar algum dinheiro, o que lhe permite, hoje, encarar o futuro sem grandes preocupações. Além de profissional da bola é um comerciante, que já “manda algum peso”…

Possui, em Setúbal, um Mini-Supermercado, que, dentro em breve, vai ser muito ampliado. Daqui se deduz que o Vaz, também na vida comercial, tem sabido orientar-se não esbanjando o dinheiro, que com tanto sacrifício tem ganho, amealhado e investido.

Flashes

No F.C. Porto António Lopes Vaz teve muitos altos e baixos, alternando as horas de glória com outras de amargura, vendo-se por vezes afastado da equipa principal logo a seguir a momentos triunfais. Em compensação viveu, depois, no Vitória de Setúbal algumas das melhores horas da sua carreira desportiva. Nas balizas da equipa sadina ganhou a sua segunda Taça de Portugal. A primeira foi conquistada ao serviço do Porto. Mas, como dizíamos, foi no Vitória de Setúbal que conheceu mais alegrias, fazendo parte de uma célebre equipa cujo estilo tecnicista a tornou famosa, proporcionando-lhe algumas honrarias nas provas da UEFA. Foram oito anos quase sempre em plano superior os que o Vaz viveu em Setúbal, onde praticamente solidificou a sua vida. Desses melhores momentos ali vividos não esquece um empate a zero golos na Luz, frente a uma equipa de luxo que O Benfica possuiu há uns anos atrás. E esse resultado foi conseguido no período em que o Vitória esteve 26 jogos sem perder…

A ida para o Académico de Viseu proporcionou-lhe o regresso à sua região mas nada lhe trouxe de novo. Foi um capítulo, apenas, na história da sua vida, nada mais. De Viseu, então sim, nova etapa, esta, possivelmente, a última da carreira de Vaz, O que, ainda, não está decidido pois, o futuro ninguém o sabe, tudo dependendo do Sporting.

No clube de Alvalade o nosso biografado conseguiu, na época passada, o maior êxito da sua carreira desportiva, a conquista do título nacional da 1a. Divisão.

Os mais terríveis

As equipas adversárias que sempre mais temeu.. sem contudo se amedrontar… foram as dos três grandes do futebol português, ou sejam as do Benfica, Sporting e F.C. Porto, a deste último em tempos mais recentes, pois anteriormente quem lhe ensaboava o juízo eram os dois grandes lisboetas.

O Sporting, o futuro e outras propostas

No Sporting, Vaz tem tido bastantes horas agradáveis e vários foram os momentos, na época passada, em que perdeu o sono. Isso aconteceu, como é evidente, quando a equipa caminhava para o título. Foi uma longa e difícil etapa que só terminou no último dia, em Alvalade, com o triunfo sobre o Leiria por 3-0. Aquele inesquecível “Carnaval”, as comemorações da proeza “leonina” não se apagam, tão cedo, da memória deste homem que, na época corrente, dada a baixa geral operada na equipa, não pôde mais pensar na repetição do grande triunfo.

Será que o consegue na próxima temporada. Tudo depende de muita coisa, pois o futuro de António Lopes Vaz no futebol não pode prolongar-se por muitos anos mais. E um dia ele será obrigado, como é óbvio, a pendurar as botas para melhor se dedicar à vida comercial, longe dos Estádios e daquelas lutas em que, por vezes, principalmente o guarda-redes, como lhe aconteceu na época passada, vive, domingo após domingo, numa permanente ansiedade com o credo na boca!

Data: 01/07/1981
Evento: Revista Ídolos

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