RUGIDO VERDE

Levantar e levantar de novo, até que os cordeiros se tornem Leões!

Sexta-feira, Abril 19, 2024

Um Presente Envenenado

Pensei muito se o título desta crónica deveria ter um ponto de interrogação ou não. Decidi escrever este texto porque tenho andado com uma sensação de “dejá vu”, uma sensação que me diz, ao contrário do dito popular, que sim, que a história se repete.

Tinha 25 anos quando o Sporting ganhou o título de 99/2000 e lembro-me perfeitamente da alegria que senti e da forma como festejei. Foi um título muito festejado. Mas também me lembro de tudo o que veio a seguir. Infelizmente. A lenta agonia e definhar do clube até 2013, que chegámos a uma situação em que estivemos quase a fechar portas. Agora, em 2021, parece que o filme todo está novamente a passar na minha cabeça. Situações muito parecidas a acontecer. Resta-nos saber quem vai ser ou se vai haver um Santana Lopes desta vez ou se o clube é definitivamente vendido como a linhagem dos “notáveis” sempre defendeu e continua a defender.

Lembro-me em 2000 de estar a festejar o título do Sporting no Café Brasil na minha cidade de Coimbra. Casa cheia e um sentimento de alegria. Finalmente o café podia subir dos 25 escudos em que se manteve anos a fio. Lembro-me também que a equipa quando veio do Porto, depois do jogo com o Salgueiros, parou em Coimbra. Vi entrar o senhor Roquette que tinha prometido lá ir se o ganhasse. Logo ali não me impressionou. Com uma altivez indisfarçável, um ar assustado e a olhar desconfiado para todos os lados. Notava-se que não se sentia confortável entre os seus. Pouco falou e o que me ficou mais na retina foram aqueles olhos muito abertos e salientes de boga em sofrimento. Mal sabia eu o que vinha depois disso.

Já tínhamos tido um “cheirinho” em 95/96 com o “testa de ferro” Santana Lopes. Uma espécie de pré projecto Roquette, mas o projecto mesmo estava a começar agora. Nos cinco anos de José Roquette junto com os “estimáveis” e imprescindíveis” Luís Duque e Carlos Freitas ia começar a assistir-se à lenta agonia do clube.

Depois do verão quente de 2000 em Alvalade, que nos mostrou que os “notáveis” até nas vitórias se devoram uns aos outros, assistiu-se quase a uma década e meia de sofrimento em que o clube se arrastou em penosa caminhada. Com esse Verão quente, que culminou com a saída de Roquette e Duque, também acabou da minha parte a dedicação ao clube. Pelo menos enquanto sócio. Esse abandono e afastamento era inevitável. Estas guerras todas que nem as vitórias fazia cessar, juntamente com o facto de ter acabado à pouco tempo a universidade e estar a começar o meu percurso profissional, colocavam-me cada vez mais longe do clube. Não tinha nem tempo nem paciência para um clube que nunca estava bem e não se sabia governar. Foram tempos angustiantes que assisti ao longe. Com a devida distância a que só o nojo nos faz sujeitar.

Assisti de fora e com vergonha a um circo de horrores entre 2000 e 2013. Começou com a entrada do “cooptado” Dias da Cunha. Nestas castas de “notáveis” e de “gente de bem” era normal as cooptações dinásticas. Sempre se acharam acima do comum dos sócios. O clube era deles. O grande sonho era fazer do Sporting um clube privado e de elite, com a escumalha longe. É gente que não se sabe comportar. O ideal era voltar ao Campo Grande futebol clube como era antes de 1906. Não se misturavam com a ralé que fala muito alto e assobia. Copulavam entre eles para o sangue circular sempre nas mesmas veias e não haver cruzamento com rafeiros.

Não me recordo de festejar o campeonato de 2001/2002, o clube já me dizia muito pouco naqueles termos e não me revia nem me sentia atraído por aquela fachada que escondia um interior podre. Já não sentia o clube como meu. Nunca vibrei muito com o “Português Francês” do Boloni, nem com a relação de pai e filho de João Pinto e Jardel. Tinha um sentimento premonitório do que estava para vir. E veio mesmo.

O projecto Roquette e a criação da SAD sugaram a essência do clube, aquilo que me fazia tremer de emoção. A partir daí deu-se a descida. E foi a pique. Assisti sempre ao longe com o devido afastamento.

Seguiu-se na segunda metade da década o inenarrável Soares Franco. Admitia sem pejo e sem vergonha, em diversas entrevistas, dedicar dois horas por dia ao clube (excepto ao domingo, que era para a família). Foi o tempo em que se começou a acabar com o ecletismo. Para ele as modalidades só davam prejuízo.

Com o clube a definhar e os sócios a afastarem-se cada vez mais era tempo de se vender o património para disfarçar e mascarar os prejuízos. Se fosse a empresas das “famiglias” tanto melhor. O trambolhão era inevitável e comecei mesmo a temer pelo fim do clube enquanto clube de sócios.

Seguiu-se o senhor Bettencourt que vinha da banca e entrou logo com uma polémica. Queria ganhar o mesmo que ganhava na banca, pois só assim se podia dedicar em exclusivo ao clube. Não augurava nada de bom logo desde início. Esperei para ver. Desde logo me pareceu muito ingénuo e “tenrinho” no mundo do futebol. Obviamente ia ser devorado pelos tubarões e foram dois anos de lenta agonia (para ele e para mim). Saiu sem glória. Ele e o fiel escudeiro Dias “Sancho Pança” Ferreira. Disse anos mais tarde que deu cabo da vida. Acredito.

Mas não acabou ali. O que já se pensava que não podia ser pior ainda conseguiu sê-lo ou não fosse a “lei de Murphy” uma companheira de vida do Sporting.

Com a entrada do senhor Godinho Lopes assisti ao impensável. O senhor parecia ter saído do Muppets Show. A tragédia abateu-se sobre o clube. Centenas de milhões de défice, passes dos jogadores partilhados com vários fundos, o regresso de Luís Duque, um homem de mão para “assuntos difíceis” de nome Paulo Pereira Cristóvão, jogadores vendidos a preços de saldo para pagar despesas correntes e no fim de dois longos anos um PER à porta. Agora sim. Achei que era o fim da linha. Não havia salvação para um clube assim. Com este grau de autofagia.

A ver o clube assim e a arrastar-se nos lugares perto da descida na tabela classificativa eu próprio achei que o melhor para todos era “desligar a máquina” e acabar com o sofrimento.

Mas eis que, inesperadamente, um jovem da minha idade e que já se tinha mostrado (e ganho) nas eleições de 2011 vinha com “ganas” e disposto a mudar tudo. Corria o ano de 2013 e decidi ficar atento.

Pretendia, sem medos, lutar contra o “status quo” e o sistema instalado (interna e externamente) e afastar definitivamente os “notáveis” que entorpeciam o clube. A minha primeira percepção era a de que não o iam deixar, que ia ser devorado impiedosamente. A “gente de bem” não estava habituada a que os empurrassem para fora do palco. Ia ser uma tarefa hercúlea. Esperei para ver mais uma vez.

Aos poucos ia assistindo a um trabalho de raiz. A uma força de vontade que vinha das profundezas das entranhas. Assumiu-se as dificuldades, construiu-se uma equipa com a prata da casa pois não havia dinheiro para mais, foi-se buscar um treinador barato (na altura) Leonardo Jardim, encostou-se os bancos à parede obrigando-os a reestruturar a dívida e acima de tudo recuperou-se aos poucos as modalidades do clube e o seu ecletismo que sempre foi a espinha dorsal do clube. O brilho nos olhos e o orgulho em ser Sportinguista voltou. Era indisfarçável em todos. Nunca pensei ser possível. Voltei a ser sócio em 2014.

Aqui chegados e novamente campeões estou a rever um filme repetido na minha cabeça. Só não sei se vai haver um novo “projecto Roquette” ou se o clube vai ser vendido em definitivo.

Estou lentamente a voltar a afastar-me. É muito triste dizer isto num ano em que fomos campeões mas é a verdade. Sinto que se aproxima nova tempestade. Eu também já não tenho 25 anos. Agora com quase o dobro, com família para me preocupar e com a experiência adquirida sinto que já não me apetece voltar a repetir tudo novamente. Prefiro afastar-me em definitivo. Outras vezes, acordo com um espírito mais revolucionário e apetece-me lutar contra este novo sistema que se implementou. Estou assim. Numa fase de indecisão no que respeita ao Sporting.

Começo novamente a ver passes de jogadores partilhados (agora já não é com fundos mas com outros clubes, pelo menos na aparência), voltámos a trabalhar com o Mendes e outros empresários e a pagar chorudas comissões, o clube começa a apresentar prejuízos novamente e a dívida disparou exponencialmente. Algumas modalidades já começaram a ser deixadas para trás.

É um “dejá vu”. Começo a ver o ciclo repetir-se novamente. É por causa dessas repetições que eu não aceito que digam que os Sportinguistas são os melhores sócios do Mundo. Em especial os da minha idade e mais velhos, que passaram por todas aquelas tormentas, deviam olhar para o estado actual do clube com outros olhos. Tinham a obrigação de não deixar o ciclo repetir-se.

Reconheço que ser do Sporting é especial. Tanto tempo afastados de títulos no futebol e continuou-se sem arredar pé a apoiar o clube. A apoiar todas as modalidades da mesma forma, sim, nisso somos especiais.

Agora eu não posso chamar “melhores do Mundo” a sócios com memória curta e uma ingratidão sem paralelo. Não o são. Se o fossem realmente não tínhamos chegado aqui. Infelizmente quando se acordar para o pesadelo será tarde de mais. É a minha percepção. Que desta vez não vamos a tempo de salvar o clube e ele vai ser mesmo vendido.

Espero estar enganado.

Por agora vou lutando, com as minhas parcas armas, e com aqueles que querem lutar a meu lado. Mas estou a perder as forças e o Sporting está novamente a perder-me a mim.

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Comments

  1. Nuno Miguel Mendonça Da Silva

    Tudo isso que escreveu me revi nesta suas palavras. Saudações leoninas e Parabéns.

  2. Victor Guilherme

    Creio que o senhor disse tudo, tudo quanto muitos outros sportinguistas, por razões diversas, não são capazes de o fazer.

    Aceite o meu muito obrigado e saudações leoninas!

  3. Rui Manuel Bengalita

    Excelente texto…, completamente de acordo…! Há mais de sessenta anos como Sportinguista (tenho 73), posso dizer que…os cinco anos e meio de Presidência de Bruno de Carvalho, foram os melhores de que me lembro de toda a minha vida como adepto…; também fui Sócio e com Gamebox…e vivo no Algarve…, terminei a minha ligação de adepto pagante, na Presidência de Godinho Lopes…, por motivos já esclarecidos e pela situação de quase falência do Clube, decidi excluir-me de Sócio…! Cinco anos e meio de BDC: encheu o Estádio…, havia uma empatia nunca vista…, recuperou o Clube a todos os níveis…, financeiramente…, modalidades recuperadas…, construção do Pavilhão João Rocha…, o Campeonato 2015/2016 não o ganhámos pelos motivos que os verdadeiros Sportinguistas conhecem..: ainda estamos à espera que o “enfermeiro” Varandas nos conte o que nos prometeu acerca desse famoso ano de 2015/2016…! Depois aconteceu o inesperado…, traidores que faziam parte da equipa de Bruno de Carvalho…, Marta Soares…, a Proença de Carvalho o Manel de Sarilhos e outros…etc.etc., e o Sporting Clube de Portugal…, regressou ao passado…! Leais Saudações ?

  4. Rui Viana

    Excelente visão! por ser entre sportinguistas. O Clube tem grandes valores e um enorme património imaterial a proteger um povo infantil como é o português. Somos uma Escola. Concordo com a autofagia e acredito que alguém dessa elite projectou e realizou o ataque a Bruno de Carvalho na vergonha de Alcochete. Espero que se venha a saber de quem foi o ardil? Quem permitiu a entrada? Só podia ser da casa e jamais o Presidente.
    Saudações leoninas e perca as pessoas, não perca a esperança, nem a coragem, nem o Grande Sporting, somos únicos na defesa de valores.

  5. Rui Barbosa

    Até parece que fui eu que escrevi este texto. Falta que se diga, como se ganhou em 2002. O Jardel veio para o Sporting, porque o Porto não o quis de volta (era caro). O treinador do Galatasaray era o Mircea Lucescu que é romeno. O resto das peças vocês encaixam-nas perfeitamente. O Sporting que conheci, teve dois períodos de fulgor: um com o Sr João Rocha e outro com Bruno de Carvalho. Os restantes tempos, mesmo os de agora, são um autêntico deserto, sem oásis, mas com muitos camelos. Mesmo muitos.
    Tristeza ver o meu clube neste estado. Mudem o emblema. Tirem o leão e ponham uma hiena. É mais apropriado.