RUGIDO VERDE

Levantar e levantar de novo, até que os cordeiros se tornem Leões!

Quinta-feira, Maio 02, 2024

Estranho mundo este

Meados de 2012, início de Verão. Na mochila para a praia levo os apontamentos para estudar para os exames, mas a caminho certamente tinha de comprar os jornais desportivos. Era esta a minha rotina diária. Parava na papelaria, comprava o Record (na altura dizia-se afecto ao Sporting), trocava duas ou três palavras com o Sr. Manel da papelaria sobre as gordas da capa e seguia para praia.

Antes de pegar nos apontamentos, lia o jornal da primeira até à última letra. Era um ritual veraneante que me tinha sido passado pelo meu avô e pelo meu pai. Era importante para mim saber quem poderia entrar para o plantel, quem poderia sair, as análises feitas pelos especialistas, contra quem iríamos jogar na pré-época, o doce sabor das vitórias, a despreocupação nas derrotas (por ser pré-época obviamente).

Passava o dia a pensar se havia alterações nas notícias. Será que o jogador x sempre veio? Já há novidades sobre os equipamentos? Era sempre assim até chegar a casa. O estudo nem saía em condições!

Chegava a casa, corria para o computador para ver as novidades. À noite, se houvesse um jogador na iminência de ser contratado, passava as horas a carregar ’F5’ para actualizar a página. Mandar mensagens privadas a supostos informadores para saber “inside info” também era norma. Muitas noites mal dormidas para, na manhã seguinte, estar tudo igual.

https://www.flickr.com/photos/dfrauchiger/8201919885

Com a chegada do fim-de-semana e ao dia do jogo amigável, o ritual mudava. Nesse dia, o que se fazia era passar na tasca, comprar um balde de caracóis e acampar em frente à televisão com a família. “Este novo jogador vai dar craque, nunca me costumo enganar” – diz o avô. “Se em vez de ter ido buscar o jogador Y, tivessem ido buscar o jogador Z faziam melhor figura” – reclamava o pai. E eu ali, só a ver o jogo, satisfeito por ver a bola a rodar de novo, contente por finalmente rever o meu amor a jogar novamente, ansioso por voltar ao estádio.

Era assim o meu Verão. Rodeado de tradições familiares ligadas ao Sporting. Sentia que o Sporting fazia parte de mim e eu fazia parte dele. Dava-lhe mais atenção que a qualquer outra coisa. Punha relações interpessoais em segundo plano só para saber o que se estava a passar no meu Clube.

Chega 2013 e, com a nova direcção, a minha aproximação ao clube tornou-se ainda maior. Era quase doentio! Posso dizer que era viciado em Sporting!

Tudo o que fazia até então, era agora mais acentuado, incluindo as (novas) rotinas de verão.

Em vez de acordar às 09h para ir para a praia, acordava às 06h para ver as capas dos desportivos no telemóvel. Em vez de comprar um jornal, comprava os três. Em vez de fazer pausas no estudo para consultar as novidades, fazia pausas no mundo Sporting para estudar. Em vez de ir comprar caracóis antes dos amigáveis, estudava o rendimento da equipa.

Estava viciado naquilo e já não era só no futebol! Era também no andebol, no hóquei, no atletismo. Era dentro de campo e fora de campo. Tudo o que envolvia o Sporting, eu sabia e vivia! Para além de colocar relações interpessoais em segundo plano, agora discutia para defender este novo Sporting. Em vez de ver a bola com os meus familiares, via sozinho por não suportar ouvi-los falar mal do que se estava a passar no clube: falar mal do treinador, falar mal do Presidente. Estava cada vez mais isolado do mundo real, mas mais embrenhado no Sporting.

O problema é que gostava! Era viciante! Aditivo! Apaixonante! Amava o clube e dava tudo por ele!

Entretanto, os anos passaram. Vieram novas lutas e novas batalhas. Acontecimentos irreversíveis. Coisas que nunca voltariam a ser com eram e eu sabia disso.

Conheci um novo sporting e, com ele, um novo verão e um novo significado de férias.

Agora, vou directo para a praia com os meus amigos, jogo à bola, como e bebo, mergulho, convivo, leio, ouço música, adormeço, rio-me e vivo cada momento. Ao fim do dia, junto o pessoal, fazemos churrascos e festas. Vamos a bailaricos, a bares e discotecas. Dançamos e conhecemos pessoas novas. Voltamos de madrugada a casa ou vamos directos para a praia e repetimos a dose.

Mas, como todas as verdadeiras paixões, arde por dentro saber que acabou e vivemos sempre com uma ligeira esperança de que ela volte. Mas, até lá, estranhamos, habituamo-nos e (re)vivemos com a sua ausência.

Foi o que aconteceu comigo. Alguma coisa estranha aconteceu, mas eu estou a gostar. O Sporting como o vivia acabou e este novo sporting não me atrai. Sinto que perdi uma paixão, mas ganhei uma vida nova. Fiz o meu luto e virei a página.

Deixei de viver num estranho e doloroso mundo novo que envolve o sporting, mas passei a viver um estranho e maravilhoso mundo novo fora dele.

R.

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Comments

  1. Gos Tosa

    Pois, mas a ideia é mesmo essa. Matar a paixão dos mais acérrimos, para depois quando venderem a SAD não haver ninguem para se opor.

  2. Rei Leão

    É isto que me deixa apreensivo. Estão a conseguir matar a paixão pelo Sporting. A preocupação é tanto maior quando vemos que até os jovens que seriam o nosso futuro estão a deixar de se identificar com aquilo em que o clube se está a tornar.
    Parabéns pelo texto.

  3. Paulo Vieira

    Meu caro, como eu o compreendo.
    Apesar da nossa diferença de idade ser grande, eu também vivi o Sporting tão apaixonadamente como você. A primeira coisa que fiz quando em 1976 cheguei a Lisboa para estudar na faculdade, foi fazer-me sócio do Sporting.
    Mas tudo tem um fim e no ano passado, quando o sabujo do Marta Soares declarou ter sido Frederico Varandas o vencedor das eleições, decidi deixei de ser sócio do Sporting Clube de Portugal.
    Devo dizer que, desde a AG de destituição, tenho sérias dúvidas na veracidade destas votações. Não nos podemos esquecer que estamos perante as mesmas pessoas que fizeram o churrasquinho para eleger Godinho Lopes.
    Mas esta é a estratégia dos golpistas, com Rogério Alves à cabeça, fazer com que as pessoas se desinteressem pelo Clube, para, sem grande antagonismo, poderem entregar a SAD ao Fundo Apollo. A falta de informação como forma de manter os adeptos na total ignorância do que se passa no Clube, faz parte desta estratégia.
    Já Soares Franco dizia que queria um clube só de futebol, sem sócios mas com adeptos que não se intrometam na gestão nem tenham voto nas eleições dos corpos sociais. Lembra-se quem era o PMAG de Soares Franco?… Rogério Alves. Sempre que estamos em vias de ficar sem a SAD, lá na sombra estão sempre uns óculos de míope.
    Tudo está a ser feito para que a situação financeira chegue a um ponto em que os sócios apenas poderão escolher entre a falência ou a venda da SAD.
    Penso que neste momento pouco se poderá fazer para inverter esta situação porque a raposa está a guardar o galinheiro e Rogério Alves apenas cumpre os estatutos quando lhe convém, por isso não vejo maneira de correr com esta corja de golpistas, de forma a podermos sentir de novo orgulho em ser sportinguistas.

  4. Neca Pinto

    Meu caro, uma paixão tão forte como esta nunca morre. Quanto muito pode estar adormecida mas acredito que voltará. Eu sinto um pouco do mesmo mas tenho esperança que as palavras do Mundo Sabe Que voltarão a fazer sentido.

  5. Undertaker

    Quase que podia ter sido escrito por mim!