RUGIDO VERDE

Levantar e levantar de novo, até que os cordeiros se tornem Leões!

Sexta-feira, Abril 19, 2024

Neste dia… em 1995 – Santana Lopes é eleito 36º presidente do Sporting, dando início ao Projecto Roquete

O HOMEM QUE QUER MUDAR O SPORTING!

Por Manuel António

Alvalade foi ao rubro! Contrariando o hábito, um grupo de personalidades «leoninas» da política, do direito e da alta finança lusitanas assumia, no dia em que fora eleito, a responsabilidade de dirigir (e revolucionar…) o Sporting durante o próximo mandato. Diz-se que tais personalidades pesam milhões, mas, no dia 2 de Junho, quem mais concitou a paixão das gentes sportinguistas foi Pedro Santana Lopes, um homem que vive do seu trabalho de advogado. Como em pleno arraial sportinguista alguém disse, «é hora de mudar; e mudar tudo! O Sporting e o futebol português». É esta a pesada e gratificante tarefa do 36.º presidente da dinastia «leonina», a partir de agora visto por olhos de todas as cores…

Que mais haverá para dizer de Pedro Santana Lopes? Muito, muito com certeza…

O enfant terrible que despertou enorme simpatia em Sá Carneiro, com um discurso incisivo e determinante, saber-se-ia mais tarde, para a ascensão imparável do carismático líder do PPD/PSD. O novo presidente do Sporting gosta de se afirmar programado, mas, atesta-o o seu passado, foram as grandes coisas a ir ter com ele e não ele, obstinadamente, a procurá-las. Em Outubro do ano passado, Pedro Santana Lopes não denunciava, em extensa entrevista à revista do «Expresso», que no seus planos estaria a conquista da cadeira -mor do clube do seu coração. Vincou o seu gosto pela política e sobre o futuro afirmaria então:

«Vou voltar à minha vida privada, dar aulas na Universidade. Sou assistente da Faculdade de Direito de Lisboa, na Universidade Clássica e na Universidade Lusíada. E sou advogado, também.»

Nove meses depois, e já fora do Governo – não duvidamos de que terá sido o primeiro a prever a rendição política de Cavaco Silva -, ei-lo de novo na crista da onda, impante e determinado em mudar o rumo ao Sporting e fazer história no futebol português. Aceitou o comando do grande barco «leonino» sabendo que não seria, nem podia ser, o seu motor – tarefa aceite por José Roquette, afinal o homem que lhe conseguiu mudar o curso de vida. E aceitou, ainda, correndo por fora, em desafio aos conselhos paternos e de amigos. O pai opinou desfavoravelmente; Joaquim Letria, que fora o primeiro director da revista «Sábado», projecto que o ora presidente sportinguista liderou e que marca a sua entrada na Informação, também o procurou desenganar. A todos Santana Lopes fez ouvidos de mercador. Definiu a estratégia e avançou, conseguindo o pequeno-grande milagre de sensibilizar e retirar da boca de cena um homem como Sousa Cintra!

E agora, que ganhou mais uma corrida? E agora, o que será o futuro? As almas «leoninas» estão em ânsias e Pedro Santana Lopes sabe de ciência certa que, tal como em política, também no futebol não existe gratidão. No futebol contam os golos e, com eles e por eles, os títulos. E a este propósito, lembramos, nesta breve apresentação deste D. Pedro I, 36.º presidente da dinastia «leonina», a sua aversão premonitória ao n.º 34, como referiu à «Visão» (o avião de Sá Carneiro tinha este número de registo; o avião que caiu na Jamba, onde esteve para embarcar, idem, idem…) e que o jornalista Pedro Vieira, com oportuna ironia, glosou assim: «Talvez ainda não tenha reparado que o Campeonato tem 34 jornadas.» O maior aliciante, como sempre, está na dúvida sobre qual irá ser o verdadeiro comportamento da equipa de futebol. Um golo anulado ou uma bola na trave podem muito bem apoucar um trabalho dantesco do ponto de vista empresarial, tarefa essa anunciada como propósito cimeiro de um projecto que pretende revolucionar a realidade dos clubes de futebol profissional em Portugal. Mas, voltando a respigar gente de algo, não sobram dúvidas de que um dos maiores aliciantes desta entrada triunfal de Pedro Santana Lopes no futebol passa pela ciência da palavra, pela oportunidade da palavra, pela fluidez do discurso e, acima de tudo, pela sua reconhecida capacidade de combate. Tal como disse Joaquim Letria, «o Queirós que se precate, que de repente leva uma chicotada psicológica. E o Pinto da Costa também, porque vai ter alguém capaz de lhe dar respostas taco-a-taco. Mais que qualquer outra coisa, é a perspectiva deste diálogo que me está a apaixonar». A mim também… Aliás, nunca um presidente do Sporting foi tão saudado! Por gente da cor e de outras cores também…

ARRITMIAS
COM VOSSA LICENÇA…

Li com atenção o manifesto eleitoral da nova Direcção «leonina» («Um novo tempo para o Sporting») no convencimento de que iria encontrar nele, ou perceber através dele, que o grande clube de Alvalade iria, de facto, fechar um ciclo e partir, determinado, como as caravelas para a Índia, à cata da solução económica consentânea aos tempos que se vivem. Afinal, o que encontrei foi uma ideia socializante de distribuição de riqueza. Ideia que subscrevo por inteiro por acreditar na solidariedade como solução de ontem, hoje e sempre, para o equilíbrio do Planeta, mas desenquadrada, com vossa licença, senhores Pedro Santana Lopes, José Roquette e Miguel Galvão Telles, do eixo vital que os entendidos da ciência económica, insensíveis aos valores da existência humana, chamam de mercado livre ou concorrência de mercado, sendo que as duas fórmulas mais não querem dizer que capacidade de competir, liberdade de acção, estratégia de longo prazo e, acima de tudo, uma responsabilidade de atitude e de risco que necessita não apenas de sensibilidade ou «feeling» negocial mas de duas condições fundamentais: o Ter e o Poder sem estar dependente de um universo de milhares e milhares de accionistas.

Com toda a franqueza, bem gostaria de acreditar que em Portugal, e ajustada à realidade dos seus clubes profissionais de futebol, tal ideia desse rebentos e florisse como botão de rosa ao romper do dia. Quanto mais não fosse para provar ao País e ao Mundo que é possível e desejável que um sapateiro, marceneiro, empregado de escritório, camponês ou desempregado decida do seu bem-estar em pé de igualdade com o dr., o eng.º, o endinheirado, o escritor ou o letrado. Bem gostaria…

Olhando, porém, para trás, sobram-me razões, não para duvidar da boa-fé de tão ilustres personalidades, mas para… ter dúvidas quanto à exequibilidade de tal ideia – perdoem-me o pleonasmo. A ciência que gera o lucro não é solidária, antes assenta no domínio completo e absoluto da coisa que se vende ou pretende vender em benefício próprio. É este egoísmo que cada vez mais distancia os ricos dos pobres, e ao qual se dá o nome pomposo de capitalismo. Só ele, o capitalismo, segundo a tal ciência, gera o lucro e o bem-estar social…

Eu discordo, está bom de perceber, mas também não ando no mundo a apanhar bonés já que faço os possíveis por viver, e viver o melhor que a minha jorna permite. E é por este meu lado desgraçadamente pragmático que eu não consigo ver sucesso, ou pelo menos sucesso de longo prazo nos propósitos ora anunciados. Acredito, sim, que é possível criar mais riqueza mas duvido da eternidade do modelo.

Passo a explicar porquê: em primeiro lugar, Portugal deve ser o único país no Mundo onde os Relatórios e Contas, deficitários de milhões, são aprovados por unanimidade e aclamação!; depois, porque nunca mais me vou esquecer do clientelismo que marcou selvaticamente empresas, antes privadas e lucrativas e que, passadas a empresas públicas, deram prejuízos de morte. Um exemplo apenas: o «Diário Popular», que Deus haja em paz e sossego, que bem merece, deu fartos lucros até 1974. Depois mataram-no aos poucos os partidos da nossa (des)governação quando, para satisfazerem a sua clientela, nomearam para o gerir professores de Educação Física, silvicultores, advogados, homens do aparelho partidário, coronéis na reforma e outras barbaridades que tais, gente que de jornais não sabia patavina (nem era condição…) e que só se manisfestavam disponíveis para dois tipos de atitudes: investir, investir muito, nem que algumas máquinas ficassem empacotadas meses e anos, e agradar ao chefes que os nomearam; em Inglaterra, na Itália, ou na Alemanha, países com história e tradições muito diferentes da nossa, eu sei, os clubes são empresas, de facto e de direito vocacionadas para a produção de um espectáculo, que vive e sobrevive à custa das suas propostas. Se forem medíocres fecham a loja e ponto final! Não têm outro jeito…

Com vossa licença, senhores Pedro Santana Lopes, José Roquette e Miguel Galvão Telles: digam-me lá se a bola continuar a bater na trave, o árbitro a não marcar um «penalty» e outras acontecências ocorrerem, do género ou mesmo surrealistas, que as há, graças a Deus ou ao Diabo, não sei, acham que os milhares de accionistas os manterão no poder? Estarão V. Exas. predispostos a arrostar com a ingratidão, quando ela, porventura, surgir?

Gostaria que a este meu apontamento não fosse dada a interpretação que ele não tem. Esclareço, em pé de página, que as minhas grandes dúvidas, ontem como hoje, estão no modelo que é preciso encontrar para viabilizar os clubes desportivos. No futebol português, as únicas coisas que desejo imutáveis são o carácter do nosso jogador, a sua imaginação, o seu repentismo, a sua capacidade inventiva e a sua técnica. Por razões culturais e porque gosto…

Fonte: «A Bola Magazine» Junho de 1995

Data: 02/06/1995
Evento: Eleição do 36º presidente do Sporting Clube de Portugal

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