RUGIDO VERDE

Levantar e levantar de novo, até que os cordeiros se tornem Leões!

Sábado, Abril 20, 2024

Neste dia… em 1981, Sporting eliminava Southampton de Keegan

Rui Jordão.

No cartão de visita: António Oliveira

Por Neves de Sousa

Meus amigos: de mãos sobre a Bíblia, estou pronto a jurar que, mais dia menos hora, as portas da selecção portuguesa de futebol ainda vão abrir-se a um rapaz, franzino e aciganado, diabo na pele e olho vivo, que se chama António Oliveira e (parece…) conseguiu, na noite esplendorosa de um Alvalade repleto, encher o espectáculo em dilatada meia hora do mais belo rendilhado que temos visto sobre o palco verde onde a bola anda aos saltinhos, mas nunca ao acaso.

Com efeito, mesmo agora que já lá vai um belo par de horas, ainda ficamos meio embasbacados: se o Keegan (bom, sem dúvida) vale o que vale, custou o que se sabe, quanto pode render, na grande bolsa internacional de valores, esse fabuloso talento para o jogo-rei que é o centro campista do Sporting, herói respeitado de mil batalhas em que a sua palavra triunfa como escritura e senhor tão altamente conceituado no universo do chuto na esfera que, se andasse viajando ao lado de um Alves em irmandade, dava cabo do canastro a quantos nos aparecessem no caminho para Espanha.

É que, desculpem a franqueza, será difícil vislumbrar um só defeito naquela portentosa exibição com que Oliveira, durante a meia hora em que era fundamental segurar o «pressing» do Southampton, fez gala e orgulho. Oliveira, com todos os cordelinhos na mão (e até porque o famoso Keegan andou largo tempo dentro do colete de Eurico), foi a figura exponencial de Alvalade, só não lhe atribuindo por inteiro a razão suprema da qualificação verde-branca até à etapa 3 do troféu uefeiro porque, ontem como há 15 dias, esteve no terreno um impressionante sentido colectivo e, ao lado do general, morou um brigadeiro a quem tiramos a cartola e prestamos homenagem. Meszaros, pois claro.

Aqueles 30 minutos diabólicos com que o Sporting retalhou e reduziu a cisco a fama britânica dos tempos heroicos valeu bem o dinheiro. Oliveira, com a bola, era um perigo: Meszaros, a evitar qualquer surpresa, foi um espanto. Porém, não se julgue que foram somente estes dois os polos altamente positivos do Sporting, porque do mesmo modo (e pelo tempo fora) haveria razão e verdade na reverência à juventude de Xavier e Freire, ao profissionalismo de Manuel Fernandes e Eurico, ao brio e coragem de um Jordão (com um calcanhar alinhavado) e à esperançosa e radiante alegria de um jovem que o público começa a fixar como fundamental no Sporting-80. Evidentemente, é de Virgílio que falamos.

Aí está, portanto, encontrada a fórmula que fez, na tal meia hora preponderante, como no quarto de hora final, que a balança nunca estivesse claramente inclinada para o sinal visitante. Oliveira e Meszaros (os maiores), mas igualmente e para além do sexteto de pagons, o labor de Marinho Ademar, mais a força com que Barão quer agarrar uma recuperação do tempo perdido, foram notas vincadas para bem se definir uma equipa, um todo, uma associação de ideias que (forçosamente) teria de recolher os melhores proventos em equação. O Sporting, tal como encarou o teste face aos acompanhantes de Keegan, patenteou uma tal consciência de classe que bem poderia ser espelho daquilo que todos desejávamos ver em qualquer «team» do futebol português mais altamente profissionalizado. Saber o que quer, e para onde vai: de cabeça erguida, técnica burilada consoante as posses e discernimento táctico sem mácula.

Porque, amigos, mesmo no período de cedência, de preconcebida desaceleração e entrega de larga fatia de terreno ao gato que vinha de além-Mancha, mesmo em 40 minutos já bem esticados, nunca o Sporting foi turma desgarrada: e, num ou noutro lapso em que o pingo de cinza poderia cair na toalha, lá estava Meszaros (o melhor guarda-redes que labuta cá por casa) a pôr água na fervura, cortando todas as veleidades de posse aos homens que procuravam o impossível e acabaram consentindo 20 pontapés de canto, o que bem diz das hipóteses verdes de chegar à meta.

Foi pena (especialmente) que Jordão tivesse escorregado quando a baliza tinha um rasgão de cem metros, que Freire inclinasse o tronco para trás nas duas «chances» de rede escancarada, que o tiraço de Virgílio não repetisse um fulminante disparo de Alberto perante o Bento do torneio triangular, que tolheu de assombro até os húngaros que estavam no camarote, aqui há umas semanitas. Foi pena: o Sporting merecia um golito mais no bornal e Keegan, se por acaso se chamasse Chico Carapau ou Licas Cebolinha, também tinha merecido ir tomar banho mais cedo por causa de ter perdido todo o fair-play, começando a fazer uma pontaria danada nas canetas mais ao pé ante a complacência de um apitador que deu mais erros no tempo complementar que toda a arbitragem lusa em domingo de campeonato. Vejam que, desde foras-de-jogo a pontapés de canto marcados com o fiscal atrás do chutador, com agressões à frente das melenas e com a lei da vantagem atirada para o cesto das inutilidades, bem poderá escrever-se que aquela santa trindade helvética (Renggli, Barmettler e Jakober) não interessa nem ao menino Jesus.

Meszaros domina nas alturas.

Bem: o que importa é ficar com a ideia de que este Sporting é «team» para dar alegrias mil aos seus adeptos se não descarrilar em casca de sabão e que Keegan (que me desculpem os mais entendidos na matéria) tem por cá, ali mesmo em Alvalade, um espadachim que não lhe fica atrás nem perde no confronto com qualquer lenda viva do futebol europeu.

Não interessa divulgar aqui qual é o prémio com que João Rocha vai contemplar a rapaziada dirigida por Allison: querem melhor pagamento que a estrondosa ovação com que Alvalade inteira atapetou a recolha a penates dos seus cavaleiros que, ainda por cima, vêem hoje os nomes de Oliveira e Meszaros outra vez no topo da grande imprensa desportiva desta velha Europa que perdemos em bloco mas podemos atingir a retalho?

O árbitro suiço Renggli mostrou o cartão amarelo a Keegan, (aos 28 minutos, por agressão sem bola a Virgílio) e a Carlos Xavier (aos 68, por desrespeitar a distância regulamentar na transformação de um «livre»).

Sporting: Meszaros; Virgílio, Eurico, Xavier, e Barão; Ademar, Marinho e Oliveira; Manuel Fernandes, Jordão e Freire.

Southampton: Katalinic; Baker, Agboola, Nichool, e Holmes; Williams, Ball, Lawrence (Wallace na 2.º parte) e Keegan; Channon e Moran.

Fonte: Diário de Lisboa

Resumo do jogo.

Data: 04/11/1981
Local: Estádio José Alvalade
Evento: Sporting (0-0) Southampton, Taça Uefa 2ª Eliminatória

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