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Sexta-feira, Maio 03, 2024

Neste dia… em 1958, o Sporting vence no Barreiro e fica com o título à vista

No Barreiro
A “muralha” abriu-se uma vez e o Sporting ficou com o titulo à vista

Por Fernando Seromenho

Nunca uma vitória terá custado tanto arrancar ao Sporting, nos últimos anos, como a de ontem no intolerável «pelado» do Barreiro. Até ao 42.º minuto, fazia um silêncio que se cortava à faca, supunha-se que os «leões» não regressariam à capital com os dois pontos – somatório quase suficiente para se considerar de posse do tão cobiçado título de campeão.

O empate persistia, teimosamente, não obstante as tentativas hercúleas, mas descontroladas, aparecidas para romper a muralha defensiva barreirense. O empate era como que um fantasma que não se queria ver mas que se materializava cada vez mais, projectando uma sombra gélida, que oprimia os corações numa angustia dolorosa. Joaquim José, porém, encarregou-se de afastar o pesadelo, ao marcar o golo que bem pode vir a ser rotulado como «o golo que valeu um campeonato». Tudo aquilo foi frenético. O remate, a bola a fugir a qualquer contacto, atitudes desesperantes dos que defendiam e dos que atacavam e, por ultimo, o contacto do couro com as malhas das redes. Respirou-se bem fundo, no campo. As bandeiras agitaram-se, bem alto, e das gargantas secas, pelo sofrimento, saíram brados calorosos de regozijo e incitamento. Valera a pena o sofrimento de 87 minutos, porque o prémio era aquilo mesmo, despido de arroubos literários, antes a exprimir a extraordinária riqueza das competições desportivas.

Propositadamente, insistimos na rememoração do histórico momento porquanto ele reflecte, afinal, a nota positiva de um jogo que careceu de espectáculo, de riqueza técnica, o que se compreende, sem esforço, dado que o embate não prometia senão a ansiedade do Sporting em conquistar o triunfo. E quando a ansiedade domina os sentidos difícil se torna esperar a exteriorização de outros factores.

Deve, no entanto, afirmar-se que a organização defensiva dos Barreirenses, admirável em muitíssimos aspectos, a travar os rompantes dos «leoninos» também prevaleceu no balanço do passivo e do activo.

Essa organização pelo brilhantismo e eficácia, quase justificava a igualdade no marcador, se não fora Joaquim José. E dizemos «quase justificava» (sem esquecer o maior numero de lances «ofensivos dos visitantes» porque, em boa verdade, o ataque barreirense pouco fez de positivo para merecer um golo. Carlos Gomes pode atestá-lo, embora José Augusto tivesse desperdiçado a grande ocasião, na 2.º parte.

O Sporting, abdicando disto ou daquilo, venceu. Não foi brilhante, nem convincente, é certo, mas o seu esforço acabou por constituir um adorno que não custa muito a admitir como lógico.

Um golo apenas, com o seu ar de felicidade, quando outros foram ingloriamente desprezados – ditou a sorte de um encontro, e provavelmente a do F. C. do Porto, que foi disputado palmo-a-palmo, com uma tenacidade invulgar. A impossibilidade física de Vadinho provocou a presença de Walter no eixo do ataque. Jogador possante talvez fosse o indicado para dar devida resposta a qualquer previsível hipótese de dureza por parte dos defensores locais.

Cedo, porém, se verificou que a previsão era errada. A impressionante atenção do reduto recuado local – à base de rapidez, alívios prontos e entre-ajuda eficaz – estava a pedir um homem maleável, de bom toque de bola, «escorregadio», lesto e intencional. Esse homem não existiu e por isso o Sporting sofreu mais do que esperava. Martins ainda transitou para o sítio nevrálgico, mas a homogeneidade da defesa era coisa que custava a destroçar.

Essa homogeneidade traduziu-se no escalonamento táctico adoptado: «Faneca»-Pinto-Silvino e Abrantes, como muralha protectora do guarda-redes e, à frente, Lança e Luís Vasques, no papel de médios alternantes, com mais disposição defensiva que atacante – exceptuado o «período de oiro» de Luís Vasques quando, no segundo tempo, levou aos seus avançados o facho do querer e do entusiasmo em três ou quatro arrancadas espectaculares, que provocaram calafrios.

Evidentemente, o Sporting tratou de furar este dispositivo, mas fê-lo da maneira menos aconselhável: bola pelo ar, compassos de espera e tentativas individuais.

Estas características foram como que um doce para os defesas locais que «matavam» à nascença o perigo que se desenhava. Autoridade absoluta que teve o condão de adensar o nervosismo dos Sportinguistas. Somente, aos 11 minutos de jogo, os visitantes desfrutaram da primeira ocasião perigosa, quando Martins, aproveitando-se de um excelente engano de Walter, entrou na área, mas a finalização ficou-se na duvida: remate ou centro?

Mais tarde, por volta dos 24 minutos, Walter saltou melhor que Bráulio, mas a bola saiu pela linha de fundo. No minuto seguinte, Osvaldinho, de uns 30 metros, atirou um «petardo»; o guarda-redes largou o esférico e o poste encarregou-se de ser um colaborador precioso.

Estes foram os trechos mais elucidativos das intenções ofensivas «leoninas», em confronto com dois, dos Barreirenses, de autoria de José Augusto, aos 13 e 17 minutos. Na segunda parte – a bola (continuou a surpreender os visitantes nos ressaltos e girar pelo ar – houve mais intenção ofensiva, Luís Vasques apareceu ao de cima, até que, no 12.º minuto, o árbitro perdoou um «penalty» ao Sporting (a rasteira de Galaz a José Augusto foi dentro da grande área). Podia ficar decidida a sorte do jogo, se o sr. Álvaro Rodrigues, que viu a falta, não tivesse posto a bola mesmo em cima do risco do limite das 18 jardas. Preciosismo ridículo. Depois a luta aqueceu sem, no entanto, se ter ultrapassado as regras do «fair-play». Os visitantes, num frenesim natural, afanosamente procuravam romper a muralha. Vasques, aos 26 minutos, hesitou um centésimo de segundo, e Hugo, aos 32, foi rasteirado a 2 metros da grande área.

O despique assumiu emoção especial, reforçado com algumas ameaças dos Barreirenses, uma delas, aos 38 minutos, graças a José Augusto que, livre de adversários, chutou ao lado do poste!

Depois surgiu o golo, a três minutos do fim, e… tudo esqueceu!…

O Barreirense, que deu uma lição de dignidade desportiva, procurando dificultar os propósitos da vitória, que animavam os Sportinguistas, teve no seu labor defensivo o índice valorativo mais apreciável. Pinto, Silvino, «Faneca» e Luís Vasques foram inexcedíveis de brio, força, rapidez e solidariedade,

Na frente, os saltos espectaculares de José Augusto e a sua intenção em desferir remates frontais sobressaíram no cotejo com as acções dos companheiros, onde «Faia» não pôde desta vez destruir as ilusões de um possível campeão.

O Sporting, que não primou per um articulamento consciente – terá faltado um maestro a meio do campo – apresentou um Julius, incansável; um Galaz, eficaz; um Hugo, animoso e atrevido, e um Martins, sóbrio.

Estas referências não destroem em nada o louvor que todos merecem, vencedores e vencidos, pelo espírito de luta evidenciado – verdadeiras mente esgotante.

O sr. Álvaro Rodrigues produziu trabalho irregular, servido por critérios desiguais, com excepção para os «off-sides», realmente bem assinalados. A desculpa do «penalty» foi o erro mais clamoroso.

Fonte: Diário de Lisboa

Ficha do jogo:

Estadio: D. Manuel de Mello (Barreiro)

Árbitro: Álvaro Rodrigues (Coimbra)

Barreirense: Bráulio; Faneca, Abrantes, Lança, Pinto, Silvino, Onóro, Corona, José Augusto, Faia, Vasques.

Sporting: Carlos Gomes, Carlos Valente, João Galaz, Joaquim Pacheco, David Júlio, Osvaldinho, Hugo, Vasques (cap.), Valter Brandão, Joaquim josé e João Martins.

Golo: Joaquim José (87′) (Sporting)

Data: 16/03/1958
Local: Estádio D. Manuel de Mello
Evento: Barreirense (0-1) Sporting, CN - 25ª Jornada

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