RUGIDO VERDE

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Quinta-feira, Abril 25, 2024

Neste dia… em 1951, Festa de despedida de Canário

Alguns bons apontamentos na festa de Carlos Canário

Canário, em posição de sentido, muito emocionado, escuta as palavras de apreço que lhe são dirigidas.

Primeiro dia de bola. Festa de Canário, no estádio Alvalade.

Muito público. Casa cheia, quase à cunha. Muita gente terá ido ali por causa do jogo em si. Para matar saudades. Para retomar o contacto com os seus ídolos. Mas muitíssima foi, sem dúvida, para prestar homenagem a um rapaz simpático, despretensioso, correcto e aprumado. Um rapaz que fez do futebol o seu divertimento predilecto e que através do futebol caminhou na vida para firmar uma posição.

Estavam presentes os três grandes de Lisboa: Sporting, o clube de Canário; Benfica e Belenenses. Também colaborou o Barreirense. E se, neste, tudo seriam novidades para o público, a avidez dos espectadores concentrava-se nisto: saber que novos jogadores têm os seus clubes para os ajudar a grimpar na tabela da classificação.

Eis, pois, razões fortes, poderosas, para o estádio se encher. Bom começo de vida deve, com certeza, ter arrecadado o esforçado e magnífico jogador.

A cerimónia foi curta, despretensiosa, como sempre tem sido a vida do homenageado. Com os clubes alinhados no terreno, distribuídas que foram medalhas aos jogadores e elementos das equipas de arbitragem. Lança Moreira, conhecido locutor da rádio, fez o elogio de Canário. Poucas palavras. Vibrantes, certas, ajustadas ao acto. Não traçou, em esboço, a história de Canário. Disse, interpretando o pensamento geral, que todos admiram e estimam o internacional «leonino».

Seguiu-se a entrega das prendas. Flores, muitas flores. Abraços, muitos abraços. Salvas, taças, envelopes, objectos de arte, medalhas. Dos clubes presentes, da Associação de Portalegre, do Desportivo Portalegrense, dos seus companheiros de equipa, da direcção do clube, da Associação de Futebol de Lisboa. Que da Federação não houve um gesto público! A um jogador que foi nove vezes internacional

Finalmente, o louvor da direcção-geral de Desportos. Tradicional. Mas traduzindo o reconhecimento oficial de uma carreira excelente.

Carlos Canário agradeceu. Leu um pequeno discurso, simples, de gratidão. E recebido que fora com palmas vibrantes, recolheu após a leitura nova ovação, por ventura mais prolongada e quente.

Este foi o acto da homenagem.

No primeiro desafio o Benfica venceu o Barreirense por 2-1.

No jogo principal o Sporting derrotou o Belenenses por 3-1.

O desafio principal foi uma antecipação, em ponto pequeno, claro da primeira jornada do próximo nacional: Sporting-Belenenses.

Sporting: Azevedo; Caldeira, Gonçalves (ex- Costa de Caparica) e Juvenal; Canário e Veríssimo; Jesus Correia, Vasques, Galileu, Travassos e Albano.

Belenenses: Sério; Figueiredo, Feliciano e Serafim; Castela e Frade; Mário Rui, Martins (ex-Ferroviários do Entroncamento), André (ex-Farense), Pedroto e Castanheira.

Algumas novidades. Poucas, porém. No Sporting um estreante, Gonçalves, que veio a mostrar-se jogador expedito, desembaraçado e vigoroso. No Belenenses, Martins e André. habilidosos sem dúvida, mas acanhados. André, especialmente, atemorizou-se duas vezes com o renome de Azevedo… Não pode ter sido outra coisa, tanta a ingenuidade que revelou nesses lances. O próprio golo que marcou estava longe do guarda-redes «leonino» – este já não era Azevedo, era Carlos Gomes… André deixou-se impressionar demasiadamente. Tem explicação, de resto. Tem sucedido o mesmo a outros de mais «barbas»…

Ganhou o Sporting: 3-1. Com 1-0 ao intervalo.

Apreciáveis momentos de jogo na primeira parte. Equipas movimentando-se bem, superioridade global dos «leões» com bocados agradáveis de jogo ligado, prático e com sentido de entre-ajuda. Os belenenses replicando bem, sem esforço, mas revelando carência de remate, inépcia e acanhamento. E desnível entre a defesa e o ataque, aquele superior, este revelando debilidade, falta de poder. Poderá ser uma indicação? Talvez… Na ala esquerda dos «leões» esteve o melhor sector. No meio, Galileu, esteve a inexperiência. Perdeu golos à farta, o loiro jogador do Sporting…

Vasques marcou uma grande bola, aos 33 minutos. Simplesmente assim. Um grande golo. Sério foi a grande figura belenense neste período. Defendendo muito bem.

No segundo tempo as inevitáveis substituições. A principio só no Belenenses. Raul Figueiredo, o filho de «Tamanqueiro» foi infeliz. Uma queda mal dada e um aleijão. Narciso entrou para defesa. É pau para toda à colher este rapaz… E, por coincidência, dele saíram os dois, momentos mais difíceis para os sportingues. Em incursões terminadas com chutos fortes; aos quais Carlos Gomes teve de prestar a maior atenção. No segundo lance Gomes fez uma excelente defesa, à Azevedo.

Albano marcou a segunda bola aos 26 minutos. Um pontapé a cair, Sério prejudicado pelo Sol, roçando apenas a bola, e esta nas redes. Os «azuis» redobraram de esforços. André pôde marcar uma bola aos 36 minutos, mas cinco minutos depois, Jesus Correia repôs a vantagem. 3-1 ficou realmente melhor. Porque os «leões» marcaram superioridade, não dando a impressão de fadiga que se temia… Veremos pelo tempo adiante.

Não foi um bom desafio. Teve, porém, na primeira parte relâmpagos frequentes de futebol de boa qualidade. Isso nos basta para começo de época, Não somos exigentes. E, ao mesmo tempo, fica demonstrada a utilidade de uns dias para os clubes aproveitarem. Serve-lhes para afinarem a forma, para acertarem as agulhas completando em jogos formais uma preparação que os treinos não fazem bastante.

Criador de jogo

Tavares da Silva, redactor desportivo do nosso jornal, escreveu para o Programa da Festa de Carlos Canário, a pedido deste, as linhas que a seguir publicamos:

Em quase todos os artigos deste género se costuma, insensivelmente, ou exagerar ou dizer coisas que não são verdadeiras! O homem que finda ou está prestes a acabar uma carreira desportiva é sempre um jogador impoluto, esquecendo-se algumas deficiências para reconhecer apenas qualidades e méritos. Há bons olhos para ver à sua acção e rever a sua figura.

Com Canário, porém, não saberia manifestar outros sentimentos que não fossem aqueles que estão bem dentro do nosso espírito. Trata-se de um caso de sensibilidade! Vivendo e convivendo com muitos jogadores de futebol, a experiência tem-nos dito não só que não podemos tratar todos pela mesma bitola como se torna impossível fazer confidencias, ou trocar impressões mais íntimas com todos os homens da bola, sem distinguir aqueles que podem dos que não podem ouvir.

Com Canário raramente temos tido conversações que não sejam sérias ou de interesse, sobre qualquer assunto mais digno de ser apreciado. Não é que o médio sportinguista, até bom cavaqueador, não goste de fazer um pouco de ironia, mas é que ele sabe destrinçar os assuntos sérios e a estes dá-se completamente com a agudeza da sua inteligência.

Este sentido de probidade reflecte-se no estilo do seu jogo em que são raras as filigranas ou inutilidades para todo se dar ao futebol de verdade, orientando, traçando os segmentos, numa faina sóbria, precisa, se quiséssemos empregar uma imagem tauromáquica, ortéguista.

Não hesitamos em afirmar que, Carlos Canário, quando convenientemente preparado, foi um brilhante médio no jeito do futebol que hoje se pratica. E tocámos no factor preparação por virtude da tarefa do médio o exigir, talvez a mais do que a qualquer outro jogador, competindo-lhe vigiar o caminho do interior contrário, além de outras nuances, e de aproveitar convenientemente a situação dos companheiros da frente,

Jogo de cabeça menos perfeito, mas domínio de bola e visão inteligente que caracteriza os grandes homens do futebol, Canário representou e representa uma pedra essencial no quadro sportinguista, visto o considerarmos um dos melhores criadores de jogo, desaparecido Amaro, dos médios portugueses.

Foi internacional, pela nossa mão, conferindo-lhe muito gostosamente, por bem conhecer o seu timbre, aprumo e carácter, o carga de capitão da Selecção B que desenvolveu em: Bordéus, a 3 de Maio de 1947 uma «ponta final» deslumbrante. Praticamente, jamais deixou de ser integrado de aí por diante: na Selecção A, impondo-se como sempre acontece quando se trata de jogadores de classe e envergadura. Vai-se prestar homenagem a um verdadeiro criador de Jogo!

TAVARES DA SILVA

Fonte: Diário de Lisboa

Data: 02/09/1951
Local: Estádio José Alvalade
Evento: Sporting (3-1) Belenenses, Festa de despedida de Canário

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