RUGIDO VERDE

Levantar e levantar de novo, até que os cordeiros se tornem Leões!

Quarta-feira, Maio 01, 2024

Neste dia… em 1945, o Sporting vence o Benfica por 4-0, com bis de Peyroteo

Azevedo defende com segurança

NO LUMIAR
Uma primeira parte do Sporting de boa técnica e magnifica vibração
Os homens do Benfica procuraram jogar; mas nada conseguiram

Por Tavares da Silva

Os grupos sobem e descem na corda-bamba da forma. Ás vezes conhecem-se as causas que provocam o fenómeno, a coisa mais estranha do jogo da bola. Outras, não. Sentem-se apenas, na maneira como o grupo se move em campo e nos resultados apresentados. Que há uma grande variedade de causas que podem influir na chamada lei da forma, desde o aspecto moral ao técnico! A mudança de uma direcção ou de critério de orientação. Um reforço providencial. Uma desgraça pesada despertando energias adormecidas. Enfim, um ror de coisas.

No caso especial do Sporting, afigura-se-nos que a resolução da transferência de Luiz Cordeiro foi um balsamo. António Marques estava a ser (que pena que assim sucedesse!) um elemento pernicioso no conjunto. Como que abatia o moral não só do team como de toda a gente sportinguista. Havia associados que não escondiam a sua aversão, vamos lá, um pouco doentia: Se o A. M. continuar no grupo deixo de ir à bola!

Assim, o reforço de Luiz Cordeiro (costumamos desconfiar dos jogadores de quem toda a gente diz maravilhas antes de os verem jogar) chegou na altura própria, no momento do abalo produzido pelo Estoril e de outros abalos, mais ou menos tangíveis. Foi o suficiente vara dar uma vida nova ao team.

Que dizer, no entanto, de Luiz Cordeiro e da sua estreia? Em consciência, e sob base técnica? Fugimos sempre dos juízos precipitados. Ao primeiro golpe, pode reconhecer-se o jogador excepcional, o astro de primeira grandeza. Mas não é esse o caso de L. C., por enquanto, no sector dos rapazes jeitosos, com habilidade. De resto, o novo sportinguista não tem fundo nem fôlego suficientes para suportar a hora e meia com a frescura de várias das suas intervenções, no 1.º tempo. Deixem que ele se prepare convenientemente, deixem que ele se martirize no jogo a sério, e então veremos.

Todavia, o estreante revelou-se jogador, resolvendo com inteligência e acerto, mais, com a serenidade consciente que dá o saber jogar, vários problemas em frente das redes, a começar pelo goal de Peyroteo. Todo o primeiro tempo constituiu excelente lição de futebol, por parte do Sporting. Viu-se um grupo, magnifico e sólido no seu conjunto, pronto a afirmar-se superior: Tudo ligado, e todos procurando com inteligência o bom caminho. No coração daqueles rapazes havia, certamente, o forte desejo de apagar ou atenuar a página desoladora da semana passada. Colaboração plena, utilização metódica e precisa da passagem triangular e, de quando em vez do serviço retilíneo, em aproveitamento da maior figura dos tempos modernos do futebol português.

Quem gosta do bom jogo – gostou de ver jogar o Sporting. A clareza de ligação, a ordenação dos lances, à rapidez de movimentos, o pequeno toque de efeito como se o caoutchou fosse borracha, tudo isso nos deu o grupo dos leões, num espectáculo de vibração, pujante de energia, com qualquer coisa de arrebatador. Porque à segurança do bloco defensivo ligou-se, num amalgama de boa fibra, a potência de um ataque que, ao desencadear-se, dá sempre a sensação de perigo. A emoção do goal!

É possível que tenha faltado à luta do Lumiar qualquer coisa. Talvez um Benfica suficientemente forte para entravar a acção do seu adversário, construindo em seguida. Vistas as coisas por este lado, o trabalho leonino ficaria, possivelmente, um pouco diminuído. Estamos em crer, porém, que, mesmo com um grupo vermelho forte e decidido, os leões poderiam ter ganho. Animava-os uma força interior e o jogo não passou de uma expressão do seu estado de espírito.

O Benfica jogou deploravelmente mal. É preciso rebuscar muito na memória para encontrar exibições como a de ontem. Organizado razoavelmente na defesa (devemos prestar-lhe essa justiça) mostrou desorganização absoluta na linha da frente, e não se pode vencer sem a marcação de bolas. Conhecemos a existência de atenuantes, pois ainda há pouco lemos uma exposição de José Simões. Mas julgamos pelos factos em campo. A formação dianteira do Benfica foi um arremedo, uma caricatura do que deve ser um ataque. Todos os assistentes, por certo, convenceram-se de certa altura em diante que o Benfica conquistando território, não tinha o poder de perfuração suficiente para abrir brecha no ultimo reduto do adversário.

O team benfiquense provocou-nos dois sentimentos: o de satisfação e o de tristeza. O primeiro, resultante da forma como os jogadores lutaram, especialmente no segundo tempo, animados pelo desejo de reacção e de mudar a face do encontro. Francisco Ferreira, ao declarar que o team iria jogar com unhas e dentes, aceradas, dissera a verdade. Não se pode exigir aos jogadores mais vontade, mais esforço e sacrifício. Á custa disso, conseguiu o Benfica instalar-se no campo sportinguista durante algum tempo. O segundo sentimento é provocado por reconhecermos que a classe técnica do conjunto não corresponde à energia dos seus componentes, estando muito abaixo da linha que é licito exigir a um clube da grandeza do Benfica. Com as cedidas reparações, estamos certos, o onze voltará ao seu devido lugar. Mas não poderá descuidar-se.

Procurando ver quem se destacou na equipe benfiquense – nas dificuldades sérias. Para distinguir todos menos um. O médio-centro do Benfica não se diminuiu nada, procurando organizar o que andava desorganizado e ainda dar ordem no meio da confusão. Francisco Ferreira também fez o que pode, neste seu momento. Assim como Gaspar, que nos deu alguns lances de sol. Como nos deu pena ver um rapaz da habilidade de Mário Rui aturdido na confusão de um jogo que não foi aquele que o treinador lhe tem ensinado!

Da parte do Sporting não surpreende o bom jogo de Peyroteo, de Manuel Marques, de Azevedo, ou de Albano. Mas já surpreende o jogo brilhante e efectivo da linha medular com o recurso, por sinal, magnifico, de Juvenal, o rapaz da Malveira.

O Sporting livrou-se de apuros no Lumiar. O Benfica continua apreensivo.

Fonte: Diário de Lisboa

Sob arbitragem de Andrade Pinto, o Sporting alinhou com:

Azevedo; Álvaro Cardoso e Manecas; Octávio Barrosa, Veríssimo e Juvenal; Jesus Correia, Armando Ferreira, Peyroteo, Luís Cordeiro e Albano.

Golos: Peyroteo (22′ e 80′), Octávio Barrosa (35′) e Albano (44′)

Data: 04/11/1945
Local: Estádio do Lumiar
Evento: Sporting (4-0) Benfica, 6ªJornada - Campeonato de Lisboa

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