RUGIDO VERDE

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Domingo, Maio 05, 2024

Neste dia… em 1955 – Hat-trick de Vasques na vitória sobre o Atlético

A caminho da verdade

Por Tavares da Silva

Foi bem aproveitado o feriado de 5 de Outubro para realizar o desafio oficial da 4º jornada Sporting-Atlético, já que a equipa leonina se via na perspectiva de seguir viagem no próximo domingo de manhã para Belgrado, a fim de cumprir uma obrigação de carácter internacional, a 2.º «mão» com o Partizan, da Taça dos Campeões da Europa.

Os grupos alinharam na Tapadinha, sob a arbitragem de António Calheiros (de Lisboa), da seguinte maneira:

Sporting: Carlos Gomes; Pacheco, Passos e Galaz; Barros e Juca; Vasques, Travaços, Walter, Joaquim José e João Martins.

Atlético: Ernesto (Ribeiro); Valente, Vitor Lopes e Barreiro; Tomé e Castiglia; Rosário, Germano, Messiano, Armando Carneiro e Silva Pereira.

A Tapadinha encheu-se por completo, e a sua visão panorâmica tornou-se ainda mais bela. No rio, as velas dos barcos enfunavam-se; no terreno de futebol, a bola sofria a influência do vento. Tinha caprichos!

A equipa do Sporting acabou a primeira parte a ganhar por 3-1, havendo começado a partida da melhor maneira. Diga-se, de resto, que a Lei da Sorte, esteve com o Sporting, talvez arrependida de lhe ter virado as costas de outras vezes.

A toada da 1.º parte foi sempre a mesma do principio até ao intervalo: domínio territorial sportinguista, com admiráveis jogadas individuais, a que o Atlético procurava contrapor lances ordenados do tipo do futebol rasteiro, procurando assim fugir à acção maléfica do vento verde-branco.

Logo aos seis minutos, um excelente passe de Joaquim José a Walter proporcionou a este um golo, por cima de Vitor Lopes e de Ernesto, o primeiro batido no tempo da jogada, o segundo abandonando as balizas com má visão do golpe que se desenrolava.

A obtenção do ponto incitou os sportinguistas ao jogo de ataque, e, aos dez minutos, um remate de Joaquim José – como se vê, este jogador abriu o caminho do triunfo e deu confiança à equipa – embateu no corpo (se não estamos em erro) de Vitor Lopes, e a bola anichou-se nas redes.

Mais tarde, aos 24 minutos, uma passagem de Barros a Vasques, proporcionou o remate do 3.º golo a cargo do conhecido internacional.

3-0 era resultado que obrigava uma equipa a jogar bem, provocando por outro lado a descrença no conjunto dos contrários. Mas o Atlético, aos 28 minutos, reduziu a diferença, marcando um golo, de «penalty», apontado por Germano. E só o desconhecimento das regras ou má interpretação tornou possível a marcação deste primeiro tento do Atlético, pois a carga de Pacheco a Germano foi um caso nítido de carga fora de tempo incriminada pelas Regras com livre indirecto.

Com 3-1 a favor do Sporting chegou-se ao intervalo.

Walter (esquerda) e Joaquim José (direita) deram muito trabalho à defensiva alcantarense.

Correspondia o resultado à superioridade de uma equipa relativamente à inferioridade da outra?

No ponto de vista técnico, o Atlético operava de maneira assaz regular, procurando traçar os seus esquemas na fórmula do futebol rasteiro. Talvez até se possa dizer que os atléticos faziam jogo mais ligado, intencionalmente, do que o antagonista.

O Sporting, pelo seu lado, procurava aproveitar as condições favoráveis do vento, para, audaciosamente, surgir em frente das redes e rematar com perigo. Os seus lances, na maioria, careciam de ligação, mas os jogadores com uma toada pronunciada de ataque tentavam infiltrações, individualmente, com jogadas fora-de-série, tornando eficaz a movimentação precária no ponto de vista do conjunto.

Essa orientação de ataque era dada pela colocação adiantada dos médios que seguiam as jogadas sem receio de as perder, e ainda pela existência de um único interior recuado (Joaquim José).

O que é um defeito transforma-se algumas vezes em qualidade e, por isso, fora do terreno, só se pode dar princípios gerais, pois a manobra depende, em ultima análise, das circunstancias do jogo e da colocação dos homens (de uns e de outros) no terreno.

É possível que o Atlético fosse capaz de enfrentar com êxito um quadro; não o conseguiu em frente de individualidades. Porque as equipas devem ser maleáveis, e estarem preparadas para tudo: a conjunto opor conjunto, individualidade contra individualidade.

Teve a equipa leonina oportunidade talvez única, de qualquer modo excelente, de fazer um destes jogos que levantasse a assistência, ao pôr-se em vencedora por margem folgada e ao reconhecer, o que derivava do decorrer da partida, que a sua qualidade de jogador era melhor, não podendo haver comparações. Mas isso não se verificou, devido ao grupo não estar ainda senhor do seu plano, dando a ideia de que a improvisação subsiste.

Diga-se que, apesar de tudo, o Atlético não era uma equipa batida, mas pretendia organizar-se seriamente na defesa sem o conseguir, inteiramente, tendo no ataque apenas uma força, muito viva, a de Germano, o homem que se mostrava capaz de lançar o pânico nas linhas contrárias. E com tudo isto, o desafio decorria sem grande apuro técnico, porém, com motivos suficientes para nos prender a atenção. E fazia uma tarde poeirenta!

Apreciando um onze como o do Sporting não se pode ter a mesma bitola que para um qualquer… Trata-se de um conjunto do melhor rasto no futebol português, e ao qual nos parece licito exigir, sempre, uma exibição dentro de certo nível.

Por isso mesmo, a exibição que seria agradável ver em uma qualquer equipa, pode não ser satisfatória desde que se trate dum «onze» como os sportinguistas ou da sua igualha. É o caso! Todavia, não nos pode escapar o significado do que se passou na Tapadinha. Até aqui, a equipa verde-branca procurava resolver todos os problemas do jogo (acentuámos esta ideia noutro dia) com o saber técnico, que é sempre frio e não chega – quantas vezes! Agora, ou melhor, ontem, pôs temperamento no seu futebol, não renunciando à luta mesmo em jogada perdida, o que diz que os seus homens voltaram a sentir o coração, se por ventura algum dia este deixara de palpitar…

Não basta saber jogar ou ser melhor jogador que o adversário, é preciso passar uma vida dura em campo, ter espírito de sacrifício, acorrer ao lance quando ele parece perdido, e emendar os erros não imporia de quem sejam…

Não cremos que o novo arranjo da linha da frente esteja na base desta mudança, mas não deixamos de reconhecer que se trata duma solução, regularmente orientada, a caminho da verdade.

Estavam as coisas bem para o Sporting na 2ª parte quando, logo de início, aos dois minutos, um golo de Germano, conscientemente realizado, deu à partida o sinal de duvida.

O Atlético aproximava-se do Sporting; um grão de areia exerce influência na vida do jogo e das equipas… E a balança inclinou-se para os leoninos:
– foi aos 8 minutos desta parte que Ernesto, em lance inofensivo, deixou cair a bola das mãos, esta apanhada por Vasques que, com o pé esquerdo, a enviou para as balizas. A bola, caprichosa, bateu na barra, bateu no chão, saindo pela cabeceira por mando dum atlético. Julgava-se que o perigo havia passado quando o árbitro colocado à entrada da zona de reparação, se deixou sugestionar pelo juiz de linha (Manuel Luís), a trinta metros de distancia, concedendo golo!

Sporting fez 21 remates o que indica ataque realizador…

E, deixou, praticamente, de haver desafio. Foi manifesta a influência desta decisão no ânimo da equipa do Atlético que, ainda por cima, revelando má condição física, se sustinha por cordéis. Ernesto foi, então, substituído por Ribeiro e o grupo apagou-se, ao passo que os sportinguistas, já tranquilos, gozando felizes a vida, puderam fornecer algum jogo ligado, passando da individualidade para o conjunto.

Á meia-hora, um passe em profundidade a Manuel Vasques que, segundo nos pareceu, estava deslocado, proporcionou a este o ensejo de fazer o quinto golo, e o problema ficou completamente liquidado. A vitória do Sporting por 5-2 já não podia ser alterada, pois a equipa do Atlético estava ansiosa por chegar ao fim… Lutara bem, dentro da sua capacidade, mas sucumbira, por cinco-dois, devido à maior potencialidade do seu adversário e ás decisões injustas duma equipa de arbitragem menos-ponderada. A segunda parte foi bastante mais confusa do que a primeira. Ambas as equipas baixaram de nível. O Atlético mais do que o adversário, talvez por falta de condição física (repete-se).

Na verdade, alguns dos homens do Atlético chegaram ao fim do jogo, extenuados, e começaram a dar provas de falta de força muito tempo antes. Um exemplo frisante foi dado por Tomé que teve a seu cargo seguir para todos os lados Travassos (prática utilizada hoje por quase todas as equipas). O rapaz procurou cumprir a tarefa, mas, às tantas, queria e não podia, acabando por ser vítima, quase no fim, da sua força de vontade, ao fazer uma entrada desajeitada àquele que paga o tributo de ser um grande jogador…

Os defesas do Atlético passaram a conjugar ainda pior os seus movimentos, e a linha média não conseguia pôr a equipa a direito, de pé. Só Germano continuava a cortar o espaço com perigo, revelando que a sua crise, passageira, já deve ter passado…

O Sporting actuou, contra como a favor do vento, no mesmo dispositivo: sem variantes na defesa, com uma linha média que raramente fez transposição de jogo (Juca procurou remar contra a maré), e com uma dianteira na fórmula clássica, embora entregando a Joaquim José (naturalmente) e a Manuel Vasques (menos naturalmente) a posição de manobra.

Durante largos trechos, Travassos alternou com Vasques, decerto para se reconstituir das arremetidas do adversário e passar uns momentos mais livres e menos exposto. Tudo visto e conjugado, parece que o lado direito sportinguista, Barros-Vasques, ou Barros-Travaços, é aquele que não consegue armar o jogo, como dizem os brasileiros e os argentinos bem sabem. Em todo o caso, a nova formação dianteira tem qualquer coisa lá dentro. Walter, ao qual falta ainda a flexibilidade indispensável do lugar de centro-dianteiro, é de remate pronto, e Joaquim José manobra como se já tivesse experiência de largos anos. E não se queira atingir a perfeição num repente.

Sabe-se perfeitamente que é a rematar que se ganham os encontros, mas que nem todos os pontapés às balizas devem ter essa designação. Por vezes remata-se muito e não se faz um tento; outras remata-se pouco, e todas as ocasiões são aproveitadas.

Já é bom sintoma, apesar da fraqueza defensiva evidenciada pelo Atlético, verificar-se que o Sporting fez 21 remates, merecendo a designação de remate. Agora é armar definitivamente a equipa, e, entretanto, caminhar com ganas para Belgrado.

Fonte: Jornal Diário de Lisboa

Data: 05/10/1955
Local: Estádio da Tapadinha
Evento: Sporting (5-2) Atlético, CN - 4ªJornada

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