Eu não tenho medo! …afirma Vasques.
O Jornalista não é inimigo do jogador, E nem do clube A ou do clube B, deste e daquele. Às vezes topa no caminho, com um «amigo dos diabos» que lhe dispara setas deste quilate: – «Você não gosta do meu clube! Você faz tudo para ser desagradável…»
Isto, quase sempre, é afirmado por quem joga. Por quem não convive com o jornalista. Por quem julga dominar, submeter as opiniões mais desempoeiradas e imparciais. O jogador, que nós apreciamos domingo a domingo, às vezes asperamente, mas também com lealdade e simpatia, já não pensa como o torcedor que só aprecia as coisas a seu modo…
Nem sempre estamos de acordo. Não é possível dizer «que sim» a tudo, obter o aplauso geral, mas acredite-se nesta verdade: – procuramos, dentro do possível, servir o desporto e os elementos que dedicadamente lhe são afeiçoados.
Que importa o resto? Nós somos da bola, gostamos da bola, batemo-nos pelo mais popular dos desportos no nosso país. Sempre pelo futebol, pobres, graças a Deus, mas dizendo a todos que isso nos honra muito.
Começámos por afirmar que o jornalista não é inimigo do jogador. Verdade absoluta. Lidamos com o «rapaz», sempre uma joia, afinal. Quando Joga, pouco, que se há-de fazer? Dizer bem? Mas não pode ser. Temos a nossa responsabilidade…

No caso presente, actual, Vasques é o ponto de partida para uma reportagem. Só tínhamos determinada pergunta a fazer-lhe, uma única, e o interior-direito do Sporting e da selecção nacional não quis negar-se à resposta. Vasques é modesto, simples, embora alinhe no grupo dos catedráticos da bola, embora jogue como gente grande. É dos mais belos ornamentos do seu clube.
Por isso, depois da jornada aborrecida de Génova, com derrota de Portugal frente à Itália por 4-1, era oportuno perguntar-lhe, talvez atrevidamente:
– Você tem medo? Porquê?!…
Medo? Que coisa tão complicada na vida de um internacional! Medo de quem? Do jogador adversário, de botas com pitons e travessas, de atletas puros, dispostos a servir a sua equipa? Do público sempre apaixonado e amigo dos bons jogos?
Vasques, que alguns julgam retraído na luta, no corpo a corpo, responde abertamente:
– Não!!! Eu não tenho medo! Nunca fui «cobarde»…
Leitor: o rapaz que admiramos, no futebol, apareceu-nos nesta altura tal como é, praticante predestinado, clássico, quase com as lágrimas nos olhos, gritando contra certo sector da opinião geral:
– Eu não tenho medo! Eu não tenho medo!
O Manuel Marques e Jesus Correia, homens do Sporting colegas de equipa, o primeiro seu capitão, estavam junto de nós. Amigos, todos eles, sabendo bem que o jornalista sorri em presença de «incidentes» como este, reparam na afirmação perentória de Vasques.
Não tem medo? Essa agora… Mas vox-poppuli, vox Dei… E se «toda a gente» garante que o Vasques foge no embate, perde golos, renuncia ao lance fatal…
Vasques concentra-se, Manuel Marques e Jesus Correia olham-nos. O interior–direito dos campeões e da selecção nacional mostra-se contrariado. Claro que o jogador, simpático, fora de «questões», não pensa muito tempo no caso.
E diz:
– Quando a bola vai muito perto do adversário, deixo-a seguir. Persegui-la, para quê?
Esta afirmação de Vasques lembrou-nos a de um outro jogador, já desaparecido do número dos novos. Acácio Mesquita. O Vasques não o conheceu por certo. Também não lhe lembramos o seu nome no estágio da Venda do Pinheiro, onde o fomos entrevistar. O Acácio, velho e nobre amigo, dissera-nos um dia assim:
– Parece-te que eu devo correr sobre uma bola que vai direitinha ao adversário?
Lembramos a Vasques que o Araújo tinha garra, dominava o esférico, utilizava os dois pés… Fizemo-lo por pirraça, que o jornalista sabe disto às vezes, sorrindo, pensando desempoeiradamente na sua democrática maneira de julgar os casos de momento. E que bom! À arte de ser franco, honesto, desportivo, alheio a todas as influências, Vasques sentiu-se «fustigado».

O leão, contrariado e simpático, continua:
– Garanto-lhe que não tenho receio do jogador contrário. Gosto de enfeitar o lance, olho só para a bola, unicamente para a bola, mágica e amiga. Eu quero fazer golos, mas nem sempre é possível. Eu quero lutar, mas se a biqueira da bota contrária ameaça o meu físico, antes quero ficar pronto a jogar no domingo seguinte.
Parece que sirvo assim o futebol nacional e o meu clube!
Olham-nos mais uma vez o «Manecas» e o «Necas», estes rapazes que dia a dia nos ouvem, camaradas, conhecedores absolutos da nossa maneira de julgar. Concordam, com o simpático Vasques. Quase pedem a nossa «defesa».
Repetimos:
– Então. digam o que disserem, Você não tem medo?
– Não! Não! Eu não tenho medo! Jogo a bola, só a bola. Às vezes, sou forçado a ceder. Compreende… É difícil fazer a vontade a uns e a outros. Mas olhe que eu não sofro menos com isso. Os senhores da crítica têm muitas vezes razão, bem sei. Há o público, a vossa responsabilidade. Somos oficiais do mesmo ofício. Todavia, o jogador de futebol também chora, também conhece as suas responsabilidades.
Mau! A conversa já não nos agrada. O Vasques leva-nos para um campo perigoso, algo literário, e esquecemo-nos num repente de tanta e tanta picadela injusta.
Adiante…
O Vasques não tem medo! A sua palavra nos basta.
Entrevista de Rodrigues Teles
Data: 16/03/1949
Local: Revista Stadium
Evento: Entrevista a Vasques



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