RUGIDO VERDE

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Sexta-feira, Abril 19, 2024

Neste dia… entrevista a Keita em 1976: «Aqui não há “craques”»

KEITA é, desde que chegou a Portugal, um dos nomes mais sonantes do futebol nacional, Precedido de fama mundial, tendo conquistado uma «Bota de Ouro» e outra de «Prata» como prémio das suas qualidades de grande goleador, o homem que virou totalmente o ataque sportinguista mantendo-se nas bocas do mundo aprestando-se para vir a conquistar o ceptro dos marcadores do nosso «Nacional» e a consequente conquista de mais um galardão, este a Bola de Prata, instituído pelo nosso colega «A BOLA».

Pois falar com Keita é um prazer. Dominando relativamente bem a língua espanhola, o simpático futebolista que o Mali viu nascer no seu seio, é aquilo a que se poderá chamar, com total propriedade, um futebolista de eleição.

Estivemos com ele após um dos treinos em Alvalade, onde com a humildade de autêntico principiante, isto como crítica positiva dado o contraste das suas atitudes com outros pseudo-vedetas cá da nossa terra, Keita se colocou à nossa disposição, ainda um tanto suado pela rigidez do treino que «mister» Hagan lhe havia dado, a ele e companheiros de trabalho, a obrigar a um esforço cujos resultados se têm estado a ver em cada jornada que se vai desenrolando.

Não podendo obrigá-lo a estar muito tempo sem o banho reparador e tão necessário, lançamos a primeira pergunta:

– Keita: já está decorrido um terço da prova e o Sporting caminha na frente, com mais cinco pontos que o Benfica. Diz a crítica e a maioria dos associados que a «culpa» é sua. Será que pensa de igual modo?

– Não. A razão do Sporting se encontrar a fazer uma boa prova é motivada pela grande camaradagem que existe na equipa, onde todos me receberam bastante bem e com a maior das simpatias, facilitando, em muito, a minha integração no futebol português. Aqui não há «craques», como tantas vezes se diz. Eu, por exemplo, considero-me uma peça mais a fazer parte da equipa.

KEITA RENOVAR O CONTRATO? SIM! É POSSÍVEL!

– Mas não restam dúvidas que muitas das vitórias lhe pertencem quási exclusivamente. Na Tapadinha, por exemplo, foi mais um remate seu que ditou o vencedor, mesmo sobre a hora. Não é verdade?

– Na verdade fui o marcador, mas a jogada, em si, pertenceu aos meus colegas, muito principalmente ao Marinho, que deu à equipa, quando entrou alguma da força que parecia estar a faltar-lhe. Daí que nunca se possa dizer que as coisas melhoraram por eu ter entrado na turma. Sou mais um, que tudo faz para cumprir e justificar a confiança que em mim depositaram os dirigentes.

Aliás – prossegue – eu não sou um marcador por excelência. Hoje sinto-me melhor no miolo. Mas se a oportunidade de ir lá à frente surgir, e o golo se me deparar como possível nunca me nego à tentá-lo. Repare que, digo se vir uma boa oportunidade pois se houver um colega mais bem colocado é certo e sabido que logo lhe passo a bola.

– Dizem especialmente alguns dirigentes do Belenenses, que você esteve para ingressar no «grémio» de Belém. Que me pode referir sobre o assunto?

– Existiram, na verdade algumas conversações para que eu ingressasse no Belenenses. Porém as coisas acabaram por se não concretizar por motivos que hoje não interessa escalpelizar. Verbas e o facto dos «azuis» já terem um estrangeiro, Gonzalez, parece ter motivado o desinteresse dos responsáveis pelo clube de Belém.

Arrependido?

– Como poderia estar arrependido se sou tão bem tratado, se tenho colegas tão excepcionais, se o treinador, «mister» Hagan é tão competente e, ainda, se os sócios e directores me considerarem tanto? Estou satisfeito a tal ponto que tudo pode ainda vir a acontecer quanto a uma possível revalidação do meu contrato.

GOSTO MUITO DE VIVER EM PORTUGAL

– Mais um ano em Alvalade?

– Nada está tratado, e nada foi ainda posto em estudo, pelo menos da minha parte. Mas se o Sporting acabar por estar interessado em mim, por mais algum tempo, se as condições vierem a interessar a ambas as partes, não será talvez difícil que acabe por assinar pelo menos por mais um ano. Quero pedir-lhe que se não faça disto uma certeza. bem pelo contrário. Digo, somente, que tudo pode vir a acontecer desde que o Sporting assim o queira e que eu acabe por assentar em fixar-me aqui mais uma temporada.

– Sua mulher gosta de Portugal?

– Imenso. Aliás seria difícil não se gostar quando em nossa volta vemos tanta simpatia, tanta prova de amizade, tanto carinho. Estou, eu, ela e até as crianças, encantados com este pais, especialmente pelas razões que já referi.

Sporting campeão é uma coisa que muita gente já diz por aí. Quisemos saber como via KEITA o problema.

– Dizer-se que a minha equipa vai ser campeã, a vinte jornadas do fim, parece-me um tanto atrevido – sorri. Que vamos à frente é uma verdade mas dai a considerar-se já campeã vai uma grande distância. O Benfica, pelo seu prestigio que me fez conhecê-lo bem antes de vir para cá, é um sério candidato, isto apesar de ter cinco pontos de atraso, e outras equipas, certamente, ainda não deram tudo o que têm dentro de si. Que vamos bem lançados, isso é verdade. Que temos um excelente treinador, também, agora que já somos campeões isso ainda me parece prematuro.

Mas a fé, em cada jornada que passa deve ser cada vez maior, não é?

– Concerteza. Cada vez que passamos um obstáculo parece estarmos mais próximos do fim e, consequentemente, da vitória. Mas nada de pensar em coisas que ainda não são concretas para depois, se surgir qualquer azar, não sentirmos mais o acontecimento. Que espero vencer, isso é uma realidade, aliás todos os jogadores pensam sempre no melhor, e mal dos que assim não pensarem, mas há que ter calma. Quando as coisas tiverem de soar logo se vê.

Faláramos do campeonato e KEITA não esquecera o nome do Benfica, aquela equipa que diz já conhecer bem antes de ter vindo para Portugal. Perguntamos, então, como via o «team» Campeão Nacional de hoje e do tal Benfica europeu de que, pelo menos, tanto ouvira falar. Pensando um pouco, talvez a tornar-se mais explícito para com poucas palavras permitir que apanhássemos a sua ideia, KEITA responderia:

– O Benfica dos anos áureos não era, certamente o mesmo Benfica que este ano tem estado a disputar a prova. Tinha mais força, talvez melhores valores individuais. Mas não julgue que o Benfica deste ano é assim tão fraco. No encontro que lhes ganhámos por 3-0 a equipa «encarnada» jogou bastante bem na primeira parte, até poderia ter marcado, e somente nos últimos quarenta e cinco minutos, certamente por pior preparação física do que nós, se deixou bater. Isto, para mim, foi muito significativo. O Benfica tem uma boa equipa e agora, pelo que tenho ouvido dizer e pelo que já vi também, possuí um «miúdo» fantástico, autêntico fora-de-série, que deve ter mudado, para muito melhor, o poder do conjunto. É um adversário de temer e talvez o nosso verdadeiro «inimigo» nesta corrida para o título.

NÃO VIM COMO GOLEADOR! MAS VOU MARCANDO SEMPRE QUE POSSÍVEL!

– Contra o Atlético quase que empatavam. Frente ao Montijo empataram mesmo. Em ambos os encontros choveu torrencialmente. A que atribui esta coincidência?

– Apenas se tratou de uma coincidência, como diz, e nada mais. Se pretende referir-se a nós não jogarmos bem em terreno molhado, está enganado. O Sporting joga bem em qualquer terreno até porque para jogar com chuva é preciso ter boa preparação física e essa tem a minha equipa, talvez melhor do que nenhuma outra. O «mister» é muito exigente nesse campo e posso mesmo dizer que muitas das nossas vitórias até agora assentam, precisamente, nessa preparação. Não duvide. Por isso o empate verificado no Montijo e o tal jogo, que merecíamos ter ganho antes daquele lance, na Tapadinha nada querem dizer, e nada têm, com a chuva.

– Para terminar, KEITA, somente mais uma pergunta: – Pensa ser o melhor marcador do futebol português na temporada de 1976/77?

– Esse é outro ponto que não posso responder e que sinceramente, pouco me interessa. Se poder juntar as duas coisas, o título e o ser o goleador número um, muito bem. Se não optarei para que o Sporting vença os jogos e ganhe o título, seja lá quem for a meter os golos. O que é preciso é ganhar, sejam os golos do Marinho, do Manuel Fernandes ou meus. Aliás, e isto é bom que a «torcida» saiba, eu não vim para o Sporting como goleador mas sim como ordenador e canalizador de jogo. Tenho sido feliz e consegui, até agora, juntar as duas funções mais ou menos bem. Se para o futuro assim não suceder, então que sejam outros a meter, mas o Sporting sempre a ganhar.

Terminada a conversa com o «menino querido» dos sportinguistas. Aquele que, tal como Eusébio há anos, parece aprestar-se para ser o autêntico «abono de família» dos colegas. Simpatia não falta naquele moço, de cor de ébano, que além de óptimo futebolista é um autêntico «gentleman» do desporto. A sua carreira em Portugal pode bem vir a ser um novo passo para grandes façanhas a nível europeu, em nada nos admirando que o ceptro dos goleadores do velho continente, volte a ser seu. O caminho, pelo menos, está aberto. Agora há só que aguardar. Que o Sporting fez uma boa aquisição, disso ninguém duvida. Até onde ela irá só o futuro o dirá. Será mesmo o título? Nesta altura, e pelo andar da carruagem, tudo nos diz que sim…

Fonte: Revista «Golo» Nº15 – 1976

Data: 15/12/1976
Local: Estádio José Alvalade
Evento: Entrevista a Keita

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