RUGIDO VERDE

Levantar e levantar de novo, até que os cordeiros se tornem Leões!

Quinta-feira, Abril 25, 2024

O Bicho Croquete

No meu anterior desabafo neste espaço prometi que dedicaria umas linhas ao meu ódio aos croquetes (assim mesmo, nem aspas merecem). Vou ser honesto: sou daqueles que durante muito tempo fui embalado naquela onda de que só poderia tomar devida conta do Sporting quem tivesse grande disponibilidade financeira. Por isso, achava adequadas as soluções de cooptação dentro do Sporting, onde ia desfilando “gente de sucesso”, com status, com nome na praça como se costumava dizer. Escusado será dizer que Jorge Gonçalves foi a excepção que só veio “confirmar” a regra e que serviu de desculpa à continuação do desfile de notáveis como forma de evitar os “aventureiros” (da mesma forma que doravante Bruno de Carvalho será sempre o espantalho escolhido por eles para amedrontar os sócios).

Confesso que ficava esperançado quando ouvia os planos de um empresário como José Roquette, herdeiro de um nome sonante, filho de José de Alvalade, que parecia ter os planos bem estruturados para recuperar o Sporting em toda a sua glória. A única coisa que conseguiu foi ser campeão no primeiro ano em que se instituiu o sorteio dos árbitros. O seu a seu dono, quebrou um longo jejum de títulos, mas tinham chegado ao Sporting os modernos métodos de gestão, a opção pela SAD, a multiplicidade de empresas do universo Sporting, separação entre clube e SAD e mais uma série de “modernices” que pouco dizia à maioria dos sócios. Tinha-se iniciado no Sporting uma longa linhagem de croquetes, tudo gente com mais de três nomes e alguns até com dupla consoante em nomes estrangeiros, o que é sempre sinal de competência e de condição sine qua non para ser croquete.

Afinal o que é um croquete? O croquete é um bicho nojento, ou melhor, ele é vários bichos a um tempo. O croquete é um pavão, vaidoso, serve-se do clube para se pavonear pelos corredores, pela tribuna, pelas televisões, desdobra-se em entrevistas e gosta de ser conhecido como um “notável”. O croquete é uma sanguessuga, está no clube para se promover, para tirar dividendos, se possível ganhar uns contratos e umas encomendas ou até uns convites extra. O croquete é uma hiena, ataca em grupo porque é cobarde e de preferência ataca presas enfraquecidas por outros croquetes com conhecimentos em órgãos de comunicação social que passam a sua mensagem. O croquete é um tubarão que sente o cheiro do sangue a milhas e sabe que há uma presa ferida e vulnerável que tem de ser atacada rapidamente. O croquete é um abutre que se atira à carniça moribunda ou morta e só larga quando não houver mais do que ossos. O croquete é um crocodilo que está sempre emboscado à espera que passe ao alcance da sua boca peçonhenta uma pobre vítima incauta. O croquete é um burro porque acha que no futebol português há lugar para fair-play, para palavrinhas bonitas, para a hospitalidade; ele prefere ser derrotado vezes sem conta e ser comido de cebolada… a ser incómodo, ostracizado na sua vida social e a ver-se atacado na comunicação social.

É uma espécie que normalmente faz parte de todos os grupos que enxameiam o universo do Sporting, desde o Conselho Leonino ao Grupo Stromp, Cinquentenário, Leões de Portugal… e que, em minha opinião, só tolhem os movimentos e empecilham a vida de quem quer verdadeiramente trabalhar pelo clube. Para os croquetes, o clube é uma espécie de country club, ou campo de golfe privado ou a marina onde tem o seu iate: é só mais um elemento do seu status social. Gosta de gastar à tripa-forra, pois o dinheiro não é dele, e enche o peito quando fala em movimentar milhões. O clube é o seu palco e o seu púlpito, o seu cartão de visita para aumentar a sua rede de conhecimentos e possibilidade de negócios. O croquete não se zanga com ninguém porque isso é baixar de nível e faz inimizades. O croquete gosta de conviver com as gentes dos outros clubes, gosta de mostrar fair-play, de fazer amigos e ser elegante nas atitudes e nas palavras. Fala em acções, empréstimos obrigacionistas, stakeholders, VMOCS e outros palavrões bonitos e fica com um sorriso escarninho porque no seu íntimo sabe que a plebe que paga quotas com grande esforço não percebe nada do assunto e fica até impressionada com o lenço de seda que ele traz ao pescoço, o sapato vela e o pólo com bolso. Sempre que o clube está em crise tem já discursos técnicos complicadíssimos preparados, várias desculpas engatilhadas e o apoio dos jornalistas e croquetes cartilheiros que arregimentou ao longo do percurso, graças a pequenos brindes pontuais que eles lambem das mãos do dono com canina devoção: um bilhetinho, um assento no camarote, um convitezito para a festa privada no rooftop, um lugar no avião da equipa e, com alguma sorte, recebem a vaga sugestão de um eventual lugar no gabinete de comunicação.

O croquete tem horror à populaça que enche as bancadas do estádio: acham-nos barulhentos, incultos, mal-vestidos, pouco educados, ainda a cheirar às bifanas e às bitolas que emborcaram nas rulotes, uma verdadeira escumalha. O croquete olha para os adeptos e para aquele espectáculo com o mesmo desdém com que Eça retratou em “Os Maias” as corridas de cavalos “à inglesa”. Não percebe os assobios que lhe dedicam porque pertence a uma raça superior que está a fazer um favor em orientar o clube e os outros não percebem nada de futebol nem de gestão. O croquete detesta as modalidades porque o pavilhão é um palco pequeno para a sua grandiosidade e as que se praticam ao ar livre sujam o sapatinho vela e a meia branca.

Este é o retrato (a minha visão) dos croquetes. E a verdade é que eles existem, são muitos e reproduzem-se. E a verdade é, também, que nunca como hoje a dicotomia existente no que toca à interpretação da essência do clube foi tão acentuada. Sempre me venderam que o Sporting era um clube das elites (ao contrário daquela outra coisa lá do outro lado), mas eu sempre me recusei a ver o clube assim: não sou assim, não vejo assim os adeptos que conheço, não sinto isso nos adeptos e sócios no estádio, só vejo esse elitismo nos croquetes. Quer queiramos quer não aproxima-se uma verdadeira luta fraticida onde o principal foco é a essência e a raiz do clube. Esqueçam títulos e SADs e VMOCS e contratações: o futuro do clube joga-se na definição do SER SPORTINGUISTA. Enquanto não arrumarmos esse tema nunca avançaremos rumo ao nosso destino: um clube tão grande como os maiores da Europa.

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Comments

  1. Luís Ramalho

    Melhor descrição do que é ser croquete não poderia haver, revejo-me totalmente nestas ideias e concordo em absoluto com elas…Também entendo que o futuro do clube joga-se na definição do SER SPORTINGUISTA, tal como referido.

  2. Excelente! Concordo em pleno com a descrição aqui exposta de um croquete.