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Sexta-feira, Abril 26, 2024

A apologia de Varandas

Comecei este artigo com a ideia de fazer uma sátira sobre o famoso trabalho da “Apologia de Sócrates” e uma defesa do Varandas, mas quanto mais me recordava das aulas de filosofia e das acusações de que o Sócrates foi alvo, e quanto mais relembrava os argumentos utilizados pelos três acusadores do Sócrates e as respostas deste, mais achava a tarefa impossível. Ou pelo menos muito acima das minhas capacidades.

Em vez, vou escrever um pouco sobre a figura que foi Sócrates. E sim, liga muito bem com o Sporting.

Sócrates viveu em Atenas, há cerca de 2400 anos e é considerado o pai da filosofia ocidental. A escola de pensamento que ‘criou’ continua a influenciar o nosso pensamento nos dias de hoje. O método socrático defende que um diálogo dicotómico fomenta o aparecimento ‘da verdade’. Por miúdos, duas pessoas podem argumentar, não para defender o seu lado a todo o custo com o intuito de derrotar o adversário, mas com a intenção mais pura de atingir a ‘verdade’ e, por conseguinte, a união.

Sócrates não deixou nenhuma obra escrita pelo seu próprio punho. Os relatos que sobrevivem são de contemporâneos, os mais famosos dos quais foram os seus discípulos Xenofonte e Platão.


Dos relatos dos seus acusadores, aquando do seu julgamento, não há muitos registos, aliás, dos três que o acusam, apenas sobrevivem as acusações de um deles. Muito pouco portanto.

Por outro lado, do Sócrates temos uma pletora de pessoas que escreveram livros e artigos sobre ele: os seus discípulos acima mencionados, outros pensadores e filósofos da altura e até Aristófanes, um dos mais importantes e influentes dramaturgos, diria da história, escreveu uma peça de teatro onde a personagem Sócrates é proeminente. Nada mau para uma pessoa que foi ‘convidada’ a cometer suicídio…

Se leram até aqui, provavelmente, já adivinharam a direcção final deste pequeno devaneio.

Sócrates acabou por morrer por defender a verdade na sua mais pura forma.


O que me assombra é o paralelismo que podemos fazer sobre o caso de Sócrates e o que temos vivido no Sporting desde Fev./Mar. de 2018.

Do mesmo modo que Sócrates foi acusado de ‘corromper a juventude’, também Bruno de Carvalho foi acusado de incendiar o futebol português. Fizeram de Bruno de Carvalho um bode expiatório, não porque ele ‘corrompeu a juventude’, mas como com Sócrates (e a sua crítica da sociedade de Atenas), pela sua crítica do estado do futebol em Portugal.

Com Sócrates utilizaram os soundbytes de não ‘acreditar nos deuses’ ou de ‘criar novos deuses’, quando na verdade o que Sócrates fez foi questionar, apenas. De modo semelhante, Bruno de Carvalho apenas questionou o status quo do futebol nacional.

Do mesmo modo que Sócrates criticou a sociedade ateniense, o curso da sua política, a imoralidade crescente das suas elites, especialmente a defesa que era feita por estas de que ‘o poder faz o direito’ – might makes right – também Bruno de Carvalho lutou e criticou uma sociedade portuguesa promíscua e corrupta, subjugada ao poder de um rival, onde might makes right serve como uma luva. Onde estar contra o poder estabelecido apenas ajuda a granjear inimigos. Basta dar uma vista de olhos na situação dos vários casos de tribunal que envolvem o nosso rival para vermos em prática este ditado. (A ideia de que o que uma sociedade entende como certo ou errado está directamente dependente de quem está no poder).

Sócrates avisou, muitas vezes, defendendo Sparta contra a sua amada Atenas, pela sua disciplina e rectidão, em contraponto com Atenas e a sua displicência e corrupção. Do mesmo modo, Bruno de Carvalho deu inúmeros exemplos de como é possível ter um futebol mais transparente e justo, contra uma série de poderes estabelecidos, mas tal como com Sócrates, apenas aumentou o número dos que se declaravam seus inimigos.

Might makes right


Sócrates viveu numa altura de declínio da sociedade ateniense, que teve o seu corolário com a derrota contra Sparta e o regime “dos 30 tiranos” que passou a governar Atenas. Infelizmente, o paralelo com o Sporting é assustador, pois vivemos agora um regime muito semelhante no Sporting…

A história, finalmente, fez a apologia de Sócrates, mas Atenas não sobreviveu! A derrota contra Sparta levou a que o poderio naval histórico Ateniense se fosse diluindo ao longo dos anos e permitiu o surgimento dos Macedónios e, mais tarde ainda, dos Romanos.

Atenas deixou de ser uma grande cidade estado, deixou de ser factualmente importante na definição política do mar Mediterrâneo, para passar a ser uma referência histórica, uma nota de rodapé. Uma nota que Macedónios e depois os romanos se esforçaram por emular, mas sempre incapaz de querer reviver a sua antiga Glória.

E desculpem-me se sou incapaz de pôr em palavras o paralelismo que vejo entre o destino final de Sócrates e Atenas e com o que vejo acontecer com Bruno de Carvalho e o Sporting…. apenas digo:

Espero que a história não se repita.

Saudações Leoninas!



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Comments

  1. Neca Pinto

    Excelente artigo. A analogia é perfeita.
    No regime em que vivemos, poucos são os que ousam desafiar o poder. E quando o fazem, são destruídos sem apelo nem agravo.

  2. GreenMarquis

    Muito bom texto. Na realidade o BdC entrará para a história do nosso clube. Será um idolo, um icone, tal como o João Rocha. Infelizmente isso apenas acontecerá quando for muito tarde.
    Duvido até que nessa altura ainda haja clube.

    Quem enfrenta o status quo acaba sempre por ser queimar. Mas isso tem de ser feito. Porque mais cedo ou mais tarde algo irá mudar. Mas serão sempre esses que ficaram pelo caminho que serão lembrados.

  3. Rei Leão

    Belo texto para começar o dia. Temo que o nosso fim seja o mesmo que tiveram Sócrates e Atenas. Até porque como Sócrates continuam a haver poucos e acusadores é o que não falta. E em termos de acusação qualquer coisa serve por mais pifia que seja.

    1. Shir Sabzy

      É assustador como a história se repete continuamente, e nada se aprende.

      Acho que o Sporting corre o grave risco de se tornar uma Atenas. Perder toda e qualquer influencia que ainda tem para passar a ser uma nota da história, um ideal que todos querem emular, por paternalismo, magoa ou gozo: “ah, O Sporring é que era, aquelas modalidades – todos os clubes deviam ser assim!”