RUGIDO VERDE

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Sexta-feira, Abril 26, 2024

Regulamento da Assembeia Geral – II (ou como retirar poder aos sócios ou como é que se vende uma SAD sem precisar de deixar as VMOCs vencerem)

No seguimento do último artigo sobre o Regulamento da Assembleia Geral (RAG), vou continuar com o tema, tentando analisar o restante documento. Peço apenas desculpa pelo longo título, estava muito indeciso… mas tem de ser. Agradecia que continuassem a ler, já vão perceber.

Antes de começar gostaria apenas de lembrar o Artigo 24, que define o modo de votação em Assembleias Gerais Ordinárias, e que para mim, tem sido utilizado para justificar o modo pouco democrático e transparente como as nossas Assembleias Gerais (AG) têm decorrido.

Artigo 24° Votações
Às votações nas Assembleias previstas neste Capítulo aplicam-se as disposições relativas às votações na Assembleia Geral Eleitoral, com as necessárias adaptações.

Os Artigos de que falo hoje são relativos à secção das Assembleias Gerais Eleitorais, de que fala o artigo acima.

Na ultima crónica, fiquei-me pelo Artigo 45 que define o método de voto presencial. Agora vou começar pelo Artigo 47 que define as características necessárias do Boletim de Voto.

Artigo 47º
Boletim de Voto

  1. Para a votação por correspondência, ou em caso de necessidade, designadamente por qualquer anomalia ou impedimento do sistema de voto electrónico, a Mesa da Assembleia Geral optará pela utilização de boletins de voto.
  2. Os boletins de voto são impressos em papel liso e não transparente, têm forma rectangular e dimensão apropriada para neles caber a indicação de todas as listas submetidas à votação.
  3. Em cada boletim de voto consta a menção explícita do respectivo órgão a eleger, do número de votos de que dispõe o respectivo sócio eleitor e dos elementos identificativos das diversas candidaturas, dispostos horizontalmente pela ordem alfabética resultante do sorteio.
  4. Em cada coluna, no final da linha correspondente a cada lista, figura igualmente um quadrado em branco destinado a ser assinalado com a escolha do eleitor.
  5. Os boletins de voto serão de cor diferenciada consoante o Órgão Social a eleger.

De notar que nenhum ponto refere os códigos de barras ou numéricos que identificam cada boletim ao sócio correspondente e que têm sido utilizados, uns e outros, nas últimas AGs.


Não refere, nem poderia, já que essa prática poria em causa o cumprimento do artigo 49º

Artigo 49º Segredo de Voto

  1. Nenhum sócio pode, sob qualquer pretexto, ser obrigado a revelar o seu sentido de voto.
  2. Dentro da Assembleia de Voto e fora dela, num raio de 50 (cinquenta) metros, ninguém pode revelar o seu sentido de voto.
  3. É proibida qualquer publicidade ou propaganda, na Assembleia de Voto ou num raio de 50 (cinquenta) metros, entendendo-se como tal a exibição de símbolos, siglas ou sinais distintivos, designadamente, de qualquer lista.

Claramente, o número 1 deste artigo impossibilita que se utilizem boletins marcados. Uma ilegalidade evidente que penso já esteja a ser dirimida em sede judicial, nomeadamente na acção interposta para a anulação da AG de 23 de Junho de 2018.

Neste caso especifico, não se trata de abuso interpretativo do Artigo 24º, que permite “as necessárias adaptações”. O facto dos boletins terem marcas que os identifiquem unicamente (a cada boletim corresponde um sócio) não viola somente o RAG, viola também a lei nacional como se pode ver no artigo abaixo.

Artigo 82º – Segredo do voto (LEI ELEITORAL DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA – Lei nº 14/79, de 16 de maio)

1 — Ninguém pode ser, sob qualquer pretexto, obrigado a revelar o seu voto nem, salvo o caso de recolha de dados estatísticos não identificáveis, ser perguntado sobre o mesmo por qualquer autoridade.
2 — Dentro da assembleia de voto e fora dela, até à distância de 500m, ninguém pode revelar em qual lista vai votar ou votou.

Findo o período de votação, a MAG deve proceder à contagem dos votos. O artigo 51º define as regras para a contagem dos votos e diz:

Secção V
Do Apuramento Eleitoral
Artigo 51º Conteúdo do Apuramento


O apuramento dos resultados eleitorais consiste na realização das seguintes operações em relação a cada um dos órgãos sociais em causa:

a. verificação do número total de eleitores inscritos nos Cadernos Eleitorais e do número total de votantes;

b. verificação do número total de votos expressos, em branco e nulos; c. verificação do número total de votos obtidos por cada lista; d. distribuição dos mandatos pelas diversas listas;

Este é outro dos meus artigos ‘favoritos’, desde logo pela exposição claríssima dos passos relevantes para o apuramento dos resultados. Especialmente o ponto a. – a bold.


Por miúdos. O que o ponto um diz é que, antes de se contarem os votos de cada lista, é necessário verificar se a bota bate certo com a perdigota. Os boletins em urna têm de ser os mesmos (ou menos) que os eleitores admitidos. Falo sobre este processo noutro artigo, mas não é demais relembrar que nas nossas AGs, face ao facto de se poderem utilizar as “necessárias adaptações” (Artigo 24 do RAG), não tem existido nas últimas AGS um caderno eleitoral a boca das urnas. Torna-se, assim, impossível, controlar se quem vota é o sócio com esse direito, se coloca um ou vários boletins na urna, se esta a votar na urna correcta etc…

Seja como for, não estamos a falar de um abuso de interpretação. O modo como as AGs estão a ser realizadas, impede a concretização do ponto a. do artigo 51º. Sendo, portanto, esta mais uma das ilegalidades cometidas pelas MAG desde Fevereiro de 2018. O papel da MAG é defender os interesses dos sócios à luz dos estatutos. E não o estão a fazer, claramente.

O próximo artigo de que desejo falar é sobre as recontagens:

Artigo 52º Recontagem de Votos

  1. Os delegados de cada uma das listas de candidatura concorrentes podem exigir a recontagem de votos sempre que entendam que o apuramento de resultados do acto eleitoral possa ser considerado comprometido ou falseado.
  2. Todos os pedidos de recontagem serão registados na Acta Eleitoral, bem como o respectivo fundamento.
  3. A Mesa da Assembleia Geral ficará encarregue da recontagem de votos, sendo o apuramento assim obtido considerado definitivo.
  4. Relativamente aos votos electrónicos presenciais, a recontagem será efectuada, numa primeira fase, electronicamente e, numa segunda fase, mediante a contagem dos recibos de voto depositados em urna.
  5. Em caso de divergência entre os votos apurados electronicamente e os votos apurados através dos recibos de voto depositados em urna, estes últimos prevalecem para todos os efeitos.
  6. A recontagem dos votos por correspondência será feita manualmente.


É esta a cereja no topo do bolo – em caso de dúvida, prevalecem os votos em urna. Em teoria não tenho nada contra. Mas na prática, sem controlo eleitoral à boca das urnas, o que este artigo diz é que qualquer MAG que deseje, pode desvirtuar os resultados de qualquer AG.

Ninguém verifica a identidade dos sócios antes de depositar o voto na urna! Qualquer sócio que já tenha votado pode voltar a fazê-lo, se tiver mais boletins. Em caso de dúvidas, na recontagem, prevalece o voto em urna.

Está assim criado um contexto de Assembleias Gerais sem qualquer credibilidade.

A MAG organiza as AGs à volta de um paradigma de dificultar a intervenção dos sócios. Com actas, seguranças, boletins marcados, abusos dos artigos do Regulamento da Assembleia Geral e, por fim, seguram a faca e queijo na mão: Em caso de dúvida e mesmo que haja recontagem, são os votos em urna que prevalecem. Os votos cujos boletins não foram controlados.

Meus caros, o processo de esvaziamento do papel dos sócios encontra-se em plena concretização. Eu gostava de estar errado, mas temo que o próximo Congresso que se avizinha, não terá outro objectivo que não seja o agudizar deste processo. Temo que muito antes da concretização da venda da SAD, os sócios do Sporting tenham os seus direitos restringidos e a possibilidade de abortarem essa operação removida.

Tempos complicados se avizinham!

Saudações Leoninas!

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Comments

  1. Rei Leão

    Nem sei o que diga. Pobre Sporting entregue a esta gente. Parabéns pelos seus artigos que ajudam sempre pessoas como eu, leigas na matéria, a perceber como se fazem estas coisas.

  2. GreenMarquis

    A questão aqui é o porquê de ninguem ainda ter feito nada.
    Custa assim tanto colocar um travão nestas práticas ilegails?

    1. Shir Sabzy

      Muito obrigado pela pergunta!

      Sim, custa. Seja o que for que é preciso fazer, nao se adivinha facil lutar contra isto. Ficam dois exemplos.

      Algumas praticas sao apenas abusos, leituras dos estatutos que permitem dar a volta a regras que se querem mais democraticas. Aqui precisamos de ‘simplemente’ mudar os estatos e o regulamento das AGs. Ora com o RA isso é praticamente impossivel. Ele vai se recusar a marcar AGs para esse efeito, e tem esse poder como PMAG.

      Outras praticas como os boletins numerados, ou a falta de controle dos socios a boca das urnas, parecem-me, que sou leigo no assunto, completamente ilegais. Para estes casos o unico caminho possivel sao os tribunais. As boas noticias é que ja estao vários casos na justiça, nao sao publicitados porque a CS nao ajuda. As más noticias é que este é um processo moroso na justiça, o pode levar a que, mesmo ganhando um processo em tribunal, seja impossivel repor a legalidade, porque por exemplo a SAD foi vendida entretanto.

      1. GreenMarquis

        Obrigado pela resposta.
        Sim, de facto os Tribunais em Portugal tendem a decidir de acordo com os interesses instalados e não propriamente 100% como diz a Lei, o que não ajuda nada.
        Cada Juiz aplica a sua Justica e no final reunem-se todos e protegem-se uns aos outros.