RUGIDO VERDE

Levantar e levantar de novo, até que os cordeiros se tornem Leões!

Sexta-feira, Abril 26, 2024

O meu cachecol

O meu cachecol do Sporting está comigo desde que me lembro. Toda a gente tem qualquer coisa assim, mesmo que não a considere um amuleto, todos temos algum objeto que não sabemos bem como apareceu na nossa vida, mas que preservamos ao longo dos tempos – e o meu cachecol é assim.

Tanto quanto sei, podia ter nascido com ele à volta do pescoço, a aconchegar-me. Provavelmente é uma lembrança da primeira vez que fui ao Estádio José Alvalade, é o que faz mais sentido. Se estava comigo nessa noite de estreia, em 2004, não sei, mas a verdade é que me tem acompanhado em todos os momentos da minha vida de Sportinguismo devoto.

Desde então, de menino que se assustava com o grito de golo em coro no Estádio, até ao jovem adulto, que faz questão de gritar bem alto, que sou hoje, mantive sempre duas coisas sem nunca as abandonar: a minha fidelidade ao Sporting Clube de Portugal e o meu cachecol.

É interessante como se atribui valor a objetos inanimados, que, por si só, nada representam. Já vi centenas de cachecóis iguais ao meu a pintar as bancadas do Estádio ou do Pavilhão. São exatamente iguais, verdes e amarelos, com o desenho do Estádio e a referência (já desatualizada aos títulos). São exatamente iguais… mas não são o meu.

O meu cachecol já assistiu ao vivo à sua própria desatualização. Viu o Sporting, no Jamor, vencer a Taça ao Belenenses por 1-0, com um golo (muito) tardio de Liedson. Presenciou um dos jogos mais emocionantes da nossa história, naquela final com o Braga em que perdíamos por 2-0, com menos um jogador, a poucos minutos do fim e, com golos de Slimani e Montero, levámos o jogo até aos penaltis, onde vencemos mais uma Taça. Foi ao meu cachecol que sequei as lágrimas de alegria quando o Montero a empurrou para dentro nesse jogo. Foi também com esse cachecol que vi o Sporting perder, embaraçosamente, uma final para a Académica, ou o título de campeão a escapar-nos por entre os dedos, em casa com o benfica.

Esteve comigo no melhor e no pior, nas doces vitórias que me fazem entoar cânticos pela semana fora e nas derrotas dolorosas que me fazem agarrar-me a ele à espera de um consolo que sei que não vai aparecer. Foi com ele ao pescoço que fui ver o meu primeiro jogo da Liga dos Campeões, num jogo que certamente está presente na memória de todos os Sportinguistas, com o Bayern de Munique.

Quando olho para ele lembro-me que nem todas as estreias podem ser saborosas, infelizmente, como a minha estreia no Pavilhão João Rocha, com uma vitória no limite sobre o benfica, em Andebol.

Não só de momentos de êxtase e pranto se faz a minha relação com este cachecol. Também nos momentos de introspeção ele está comigo. Acompanha-me no caminho para os jogos, desde que era um rapaz pequeno que ia a ouvir as histórias sobre um Sporting que nasceu tarde demais para ver, contadas pelo pai, enquanto começava a avistar vislumbres do Estádio por entre os prédios. Até agora, muitas vezes faço a caminhada sozinho, sem nunca perder o nervoso miudinho que me surge sempre que me aproximo do Estádio ou do Pavilhão.

Acompanha-me nos regressos, sejam eles em caminhada ou de carro. Por vezes a enfrentar trânsito interminável depois de um resultado menos bom, lá vai o cachecol no banco do lado, como que a fitar-me enquanto falo sozinho sobre as incidências dos jogos.

O porquê de tanta tagarelice sobre o cachecol prende-se, pura e simplesmente, com o facto de ser a materialização da minha relação com o Sporting. O meu Sportinguismo, todas as vivências, boas e más, que tive com o Sporting Clube de Portugal foram na presença daquele cachecol.

As memórias fluem quando o coloco ao pescoço. As emoções intensificam-se quando o ponho à volta da cabeça, na apoteose de um dérbi. Os ânimos serenam quando o pouso ao meu lado na viagem. Porque o meu Sportinguismo é feito disto, de altos e baixos, dos momentos mais emocionantes da minha existência às fases em que questiono se tudo vale a pena.

É por isso que mesmo nesta altura, em que o descontentamento transborda por mim fora e surge mesmo uma não-identificação com o Sporting atual, lutando para que as coisas mudem o mais depressa possível, mantenho o cachecol pendurado no mesmo sítio de sempre. Faço-o para que não me esqueça nunca de nenhum dos momentos bons que ser do Sporting já me proporcionou. Para que um dia possa eu fazer, com orgulho, a caminhada até ao Estádio com um filho ou filha e que ele (ou ela) leve também o seu cachecol e um dia fale sobre as histórias do Sporting que o pai lhe contava.

E, mesmo nestas más alturas, quando a saudade de ver o meu Sporting ao vivo aperta, lá cedo eu e dou um salto ao Pavilhão para me relembrar de porque é que vale a pena ser do Sporting. Convido o meu pai, tudo em ordem para ir ver a bola, mas antes:

– Deixa-me só ir buscar o cachecol!

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Comments

  1. Rei Leão

    Que história bonita. Espero que esse cachecol dure muitos anos no teu pescoço e que vivas bastantes mais alegrias que tristezas na companhia do cachecol e de quem te acompanhar no presente e no futuro.

  2. Criolina de Alvalade

    Excelente texto que podia ser escrito por mim … é que também tenho um cachecol, que me acompanha a todos os jogos e até em dias de calor infernal, como aconteceu na final do Jamor com o Braga, nunca sai do pescoço e é de lã. 🙂

    1. Neca Pinto

      Por isso é que eu tenho um mais fininho para o verão.