A Guerra de 1906
Lembram-se da épica rábula da Guerra de 1908 de Raúl Solnado? Procurem recordar, pois vai dar jeito ao longo deste texto.
Na anterior crónica, constatei a óbvia ingovernabilidade do barco Sportinguista, fruto de todo o clientelismo que se vai acotovelando na ânsia de chegar ao balcão para fazer o pedido. E entendi, inclusive, que os mais distraídos tenham sido levados a pensar que dali em diante a conversa na esfera Sportinguista se pudesse centrar mais no futebol, do jogo pelo jogo, do que em quezílias mais ou menos prosaicas sobre governance.
Contudo, e como tem sido apanágio desta direcção, tal não teve sequer hipótese de suceder. Frederico Varandas, ou alguém por ele, decidiu que deveria passar uma mensagem aos sócios e adeptos Sportinguistas. Por princípio, até que seria uma boa ideia, mas se há coisa que já todos percebemos é que Frederico Varandas, com um microfone à sua frente, se compara a um pirómano que tenha fósforos num bolso, em pleno dia de Verão, no meio de uma floresta.
E a coisa até que nem ia mal de todo, tendo uns bons 30 segundos de eloquência, galvanização e confiança. Para dar uma referência visual, até ao aparecimento da infame mosca, tudo estava a correr de feição. A partir dali, com a ajuda do som de fundo de martelos pneumáticos e trabalhadores aos gritos, começou a descambar. Logo pela explicação sobre a saída de Keizer. Como na rábula, escolheu mal o cavalo e encheu a guerra de moscas.
Referir-se a jogadores que saíram como “lastro” e que “não foi fácil tirar estes jogadores daqui”, não abona muito a favor de quem gere uma entidade empregadora da natureza do Sporting Clube de Portugal. Aliás, qualquer pessoa que já tenha trabalhado a sério, que já tenha participado do mundo real, sabe que é péssima ideia falar nestes termos de ex-colaboradores/superiores. Mais, o próprio Frederico Varandas deveria perceber isto na perfeição, afinal tentou florear o seu percurso de subida árdua com a peripécia dos 800 euros enquanto funcionário de Vitória de Setúbal.
No mundo do futebol então, onde os amores e desamores mudam à velocidade de uma transferência bancária, além de ser de bom tom, é absolutamente mandatório. Basta ver o caso de Ilori, Vietto ou Jesé. É que nenhum destes jogadores, segundo as ideias passadas por Varandas, poderia representar o Sporting. Por outro lado, há uma boa hipótese de passarem a ser eles o “lastro” … Assim, quando quiser ser “curto e grosso”, senhor Varandas, seja com quem lhe deve trabalho ou obrigações e não com quem já saiu. É essa uma das linhas entre a coragem e a cobardia! Como diria a mãe do Solnado, “o meu filho vai a pé, mas vai limpo”.
Ainda na mesma entrevista, teve Varandas uma vertiginosa subida de tom e raiva, que a sua verve infelizmente não conseguiu acompanhar. Entre fossos, esqueletos, pedras e cães a ladrar, traçou um cenário apocalíptico de subida dos infernos, qual herói de guerra emboscado por inimigos. O que parece ter esquecido é que ninguém o chamou para a contenda. Que me lembre foi um dos pioneiros das rescisões e até se apresentou como alternativa ainda antes de haver eleições.
Em boa verdade, nem a maioria dos votantes o quiseram como companheiro de armas. Alguém lhe terá dito que era fácil? Pois se disseram, enganaram-no, e convém ter em mente que cada vez vai ser mais difícil. Ou será que Varandas pensava que governar o Sporting fosse tão fácil como estar de rádio junto à orelha durante uma emboscada talibã?
Meu caro, isto não é a guerra de 1908 retratada pelo Raúl Solnado, é um pouco mais duro. Será que se enganou na porta? Aqui é mesmo a guerra de 1906. A Eduarda Proença de Carvalho, neste caso, fez de senhora que estava a vender castanhas, mas parece que se equivocou ao indicar a porta ao militar Varandas.
Na sanha persecutória da maldição das contas, sentiu Salgado Zenha necessidade de falar da parceria com Jorge Mendes. Frisou que o Sporting não comprou jogadores com Jorge Mendes, apenas vendeu, e aludiu ao trabalho deste nas operações de Rui Patrício, Podence, Gelson e Thierry, classificando esses negócios como “interessantes”. Não falou foi da iminência de nos transformarmos num Sportinghampton.
Recordam-se da bala presa à guita na guerra do Solnado, em que este puxando a guita reavia o projéctil? Pois estes negócios do Mendes são incrivelmente semelhantes, mas nem o Zenha possui a habilidade de Jorge Mendes, nem a guita é do mesmo material. E tal como avisava o Capitão (não o de Kandahar, o da rábula): parte-se a guita, perde-se a guita, perde-se a bala…é tudo prejuízo!!!
Mas a culpa de tudo isto será do soldado Varandas? Diria que não. Parte dessa culpa está com os conferencistas Henrique Monteiro, Rita Garcia Pereira, Teives, entre outros. Decidiram dar apenas 7 balas aos Sportinguistas e mandaram-nos para combate. Como não resultou da melhor forma, vestiram o soldado preferido de organdi, com laços cor-de-rosa e mandaram-no bater à porta do inimigo para pedir os planos da pólvora. Só que a pólvora, essa, já estava inventada há muito. E o avião, que pensavam ingenuamente poder ser de uso comum, quando está ao nosso serviço só vem municiado de pólvora seca.
P.S. – Nem de propósito, e por falar em pólvora seca, enquanto escrevia estas linhas a direcção do Sporting Clube de Portugal emitiu um comunicado sobre o E-toupeira. Portanto, não recorreram do despacho de não pronúncia, o que me leva a admitir que presumiram a inocência da Benfica SAD, mas manifestam-se perplexos com a decisão do Tribunal da Relação? Enganou-se mesmo na porta da guerra…
Muito bom, muito bom mesmo.
Imagino toda essa pólvora seca, toda essa coragem escondida, todo esse know how ao serviço da paz mundial.
Reza a lenda que o homem da rádio, o soldado do relato da bola naquela tarde seca e árida de Kandahar, continua a assombrar aquelas paragens.
Excelente analogia.
Excelente crónica.
Não sei como o Ricardo Araújo Pereira ainda não pegou neste personagem para o seu programa Gente que não Sabe Estar . É que teria ali material do bom para muita risota.
Aqueles mujahidins da imagem são muito elegantes e têm muito glamour, perfeitos para contracenar com o Dr. Marquises na curta-metragem produzida pela LPM. Vá lá, nem todo o casting foi mau.
Magnífico texto. Fez melhor figura o solnado na guerra de 1908 do que faz o varandas nesta guerra que é o Sporting. O homem de cada vez que fala mostra que não está preparado para esta empreitada e prova aquilo que todos vemos nos seus actos. Quanto ao e-toupeira, todos sabemos que com outra pessoa à frente do clube talvez não tivesse sido tão fácil darem a volta ao caso.
Está fantástico. Muitos parabéns!
Varandas, um herói da onda média. Cada dia que passa é só mais um prego.