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Sábado, Dezembro 13, 2025

O homem das canas

Durante parte da minha juventude convivi com a história do homem das canas.

Foto: Paco Rivière

Desde que me lembro de ir à escola que, regularmente, o rumor que o homem das canas estava de volta, emergia como uma verdade temida e inquestionável.

A cada 2 ou 3 anos, a história ganhava cada vez mais força: no caminho entre a povoação e a escola, mal iluminado e com poucas casas, um dos lados da estrada estava coberto por um canavial.

Dizia-se que um homem ali se escondia, à espera das crianças, com o intuito de as raptar. Quem era essa misteriosa criatura que estarrecia as crianças e atormentava os pais?

Os anos passavam e a história do homem das canas crescia em detalhes e intensidade: o homem era careca e conduzia um Wolskwagen carocha. Escondia-se por entre as canas nos finais de tarde de Inverno, quando a noite cobria a estrada pobremente iluminada.

As crianças eram aconselhadas a andar em grupo, sempre com os olhos no canavial do outro lado do caminho. Os pais organizavam-se para levar e trazer os miúdos da escola. Alguns, mais cautelosos, levavam lanternas e mesmo facas, não fosse o homem das canas saltar, inesperadamente, do seu esconderijo. Eram semanas de angústia e terror.

Uns anos depois, a história tomou contornos mais dramáticos quando, durante um dos períodos do “retorno” do homem das canas, um indivíduo foi apanhado pela populaça e quase linchado em praça publica, não fosse a intervenção da polícia.

O homem capturado era careca e conduzia um carocha. Para agravar a situação, trazia uma menina no banco de passageiro da viatura.

Verificou-se, posteriormente, de que se tratava de um avô que tinha levado a neta a passear. Um forasteiro que teve a infelicidade de estar no lugar errado, na hora errada. Quase pagou com a vida.

A história do homem das canas esmoreceu com os anos. No entanto, na última década, este tipo de histórias voltou a ressurgir em força, mas desta vez à escala nacional, promovidas por determinados órgãos de comunicação social, ávidos de audiências e ganhos comerciais.

Em vez da voz do povo, passou a ser a voz de uma espécie de “jornalistas” a escolher os novos “homens das canas”, criando narrativas próprias, convencendo tudo e todos de que apenas retratam a realidade. Tal como o povo, esse “jornalismo” adiciona detalhes às histórias que conta, sabendo que vai acicatar a população, mesmo que para tal tenha de distorcer completamente a imagem dos seus vilões.

Tal como na altura, é irrelevante que não existam evidências da existência do “criminoso” e dos actos ilícitos que praticou.

Se alguém diz que ele existe, é porque isso é uma realidade. “Se a televisão ou o jornal o diz, quem somos nos para os questionar?”.

Na história do homem das canas, um inocente quase pagou com a vida, não fosse a intervenção pronta das forças policiais.

Hoje em dia existem indícios, cada vez mais fortes, de que certos elementos do sistema policial e judicial, contribuem para manter e mesmo empolar as histórias que os jornalistas “inventam” e as agendas que eles seguem.

Não existe pensamento mais perturbador do que a possibilidade, nas histórias modernas dos homens das canas, de que não exista qualquer salvaguarda que nos traga de volta à realidade e aos factos.

Temo que a agitação popular exija um sacrifício qualquer, no altar das decisões editoriais e judiciais. Seja o homem das canas culpado… ou não!

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Comments

  1. HULK VERDE

    (Há vultos nas canas e por trás das câmaras
    Sombras nas cavernas e silhuetas em camas
    Bacanais de bacanas e policiais sacanas
    Bombas em paióis e casernas de maganas
    Histórias de faca e alguidar semi-profanas
    Que nuas vão às luas russas e americanas
    Entram pelas ruas sondas chinesas e indianas
    As sombras dos maçons avivam suas flamas
    Revelam montagens, figuras sujas e arcanas
    Sinistras personagens corrompem criaturas humanas
    Como cartas de tarô ciganas ou marranas
    Marcadas com notas impressas e classificações estranhas
    Comunicações de pirómanos sacripantas
    Que marcam as horas do complô cartesianas
    Criando robôs sem alma, autómatos sem chamas
    Os pais e os avôs do homem das chicanas)