RUGIDO VERDE

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Sexta-feira, Dezembro 05, 2025

Neste dia… em 1972 – Show de Dinis na vitória (2-1) contra os azuis do Restelo

Mourinho rapta a bola dos olhos de Dinis

Por Neves de Sousa

Dinis Show: o espectáculo de Alvalade. Abriu o livro logo na primeira jogada: o prémio do golo foi o tributo (à sua gula pela rede contrária, à sofreguidão com que buscou o couro e o dominou em golpes de extrema elegância. Só para ver o angolano valeu a pena ir espreitar os pupilos de Mário Lino. Mas, não só.

Na primeira parte, o Sporting roçou o brilhantismo: bola rapidamente transportada da defesa para a média e daí para o ataque, sábia (e pródiga) utilização dos extremos, magnifico domínio do centro do terreno, endosses de primeira e sem rebuçado embrulhado em muitos papéis. Tudo simples, tudo feito com uma fluência que imediatamente roubou todas as veleidades à turma que está a despedir-se de Zezé Moreira.

Realmente, incapaz de se aproximar do frio e triste Botelho, o onze do Restelo limitava-se a pontapear a bola de longe. à espera de um golpe de sorte, de um movimento menos certo do (na verdade) muito incerto substituto de Damas. Mas esse «pleno» só chegaria no tempo complementar, depois de muita água ter corrido sob as pontes.

GOLO: A META

Durante um bom par de anos, Mário Lino teve um defeito tremendo: deixou que os outros colocassem na sombra o seu trabalho ou as suas possibilidades, como se vivesse (obrigatoriamente) na órbita dos peixes dourados que o Sporting escolhia para treinadores principais. Mas o açoriano não é um homem de recalques: e é aventureiro. Não fica na Ilha: gosta de partir à aventura. Sem desânimo, também, Mário Lino deitou as mãos ao trabalho e o resultado começa a estar à vista: só falta, agora, que os «leões» invoquem o pretexto da vaidade para irem buscar um técnico de fora esquecendo num ápice que Mário Lino está a dotar o «team» de uma força e de uma ligação insuspeitadas aqui há dois meses. O Sporting está a ser restituído ao seu posto: ontem isso voltou a ser uma verdade.

Lindo de morrer, com efeito, o período ofuscante dos verde-brancos: Dinis de batuta, Nelson atento ao jogo ofensivo, Peres a meter a bola nos pés dos amigos com o talento criador de um arquitecto premiado. Futebol de ataque, como não se cheirava em Alvalade antes de Lino. Futebol que só não deu uma mão cheia de golos porque Yazalde, francamente, está mais que desastrado no chuto: passa bem mas remata pessimamente. Tão depressa se desmarca excelentemente como cai no pecado de ir atrapalhar um colega. Falta de rotina ou quebra de faculdades resultantes de meses a fio estar sem acertar direitinho na malha contrária. Um belo jogador, sem dúvida: mas um avançado-centro que não remata não interessa num clube que quer praticar futebol atacante.

ERNESTO: O POSTE

Por seu lado, o Belenenses cedo notou que a tarefa de desfeitear aquele Sporting ainda é grande demais para um grupo que traz na bagagem. Ernesto equipado à futebolista. O louro (e bem apetrechado para outras artes) dianteiro-central de azul não soube valer-se da inconsequente acção de Botelho: em quem os companheiros não confiam muito e que também não ultrapassa um estado de tristeza contagiante. O antigo alcantarense tão depressa mostrava boas mãos como lançava os sobressaltos entre as suas hostes: falhava estrondosamente nos cruzamentos e não poucas vezes mostraria que o seu golpe de vista está mal calibrado. Pois o bom do nosso Ernesto teve duas vezes a baliza, escancarada (26 e 31 minutos) e conseguiu sempre fazer o pior: ou deixar o guarda-redes ter tempo para vir de longe escamotear-lhe a esférinha ou dar um pontapé na relva que atirou terra e verdura a uns bons metros de distância. Um cepo autêntico: não fora isso e a verdade do jogo até poderia ter sido atraiçoada, pois Ernesto dispôs das duas melhores (oportunidades de Belém para corrigir o «placard» da primeira parte.

DEFESA «AZUL»: À DERIVA

No tempo complementar, o Sporting persistiu na sua toada de ataque: só isso já vale incondicional rendição aos processos do técnico. Mas fez mais alguma coisa: os defesas laterais são agora dianteiros (até marcam cantos), o meio do campo é povoado de modo elástico (em harmónio) e como Chico, Nelson e o maravilhoso Dinis (atenção, José Augusto) saltam optimamente, o perigo andou sempre implantado no extremo reduto de Zezé. De tal modo que foi de uma atrapalhação dessas que saíu o segundo tento do Sporting: Dinis passou a Peres e Freitas (de cabeça perdida) deu um chuto em arco para a sua rede quando Mourinho ia a meio da viagem.

Pensou-se que os «leões» chegariam rapidamente a novo golo, tal a fluência com que se aproximava (via Dinis) da rede tão mal defendida pelos defesas laterais Murça e Pietra: que nunca constituíram obstáculo às flechas verdes. E aconteceu o «penalty»: contestado, duvidoso, anormal. Dois minutos de palavreado tosco, Quinito a discutir com pessoas alheias ao jogo (lamentável) e depois Peres a atirar a bola para fora: a escrever direito por linhas tortas.

Se o Sporting tem feito terceiro tento o Belenenses poderia sair goleado de Alvalade. Assim, na inversa, conseguiu até reduzir a punição. Não por Godinho (tiro alto aos 45 minutos), não por Luis Carlos (que remata muito mal), não por Ernesto (que nem sequer remata), não por Zézinho (que não pode com um gato pelo rabo), mas por Pedro, que entrou a substituir o Zezinho das pernas a pesarem como chumbo. Logo na primeira vez que tocou no couro, Pedro fez o que ninguém tinha conseguido: e afinal, estava a meter-se pelos olhos dentro que era o único caminho possível para a rede de Botelho. Isto é: o remate de longe (foi a 40 metros) a aproveitar as tais indecisões e as tais falhas de vista em que Botelho estava a ser generoso. Pontapé do meio da rua e Botelho de braços para o céu ver a bola entrar por cima de si: adiantado no terreno, deu os trunfos de mão beijada.

Daí para a frente, com todas os olhos no seu guarda-redes, o Sporting amainou: sem se quedar na feroz defesa que era apanágio da época – Vaz. E os guerreiros repousaram, então, já satisfeitos com a colheita e com a exibição premiada com grandes ovações de todo o público.

ÁRBITRO OU JOGADOR?

Enquanto o árbitro Fernando Leite não conseguir dissociar-se da bola, as coisas vão mal para ele: frequentemente a esfera ia bater-lhe nas pernas, nas costas, em qualquer lado, porque o portuense mistura-se com os jogadores. Em lugar de ficar de lado a ver o jogo quer também dar o seu pontapezito: e nisso não mostra jeito nenhum. Verdade que o Ernesto também joga, mas em troca não quer ser árbitro. Fernando Leite falhou, também, em diversos fora-de-jogo assinalados pelos auxiliares Victor Hugo e Joaquim Jesus. Omnipotente, porque é que não prescinde de ajudantes? De resto, a sua actuação acabaria por ser desequilibrada: com os tais erros de se engalfinhar com a bola, de não notar Mourinho a tirar o esférico de dentro da sua rede e a ver um «penalty» que só ele descobriu.

BELENENSES: AOS ARRANCOS

Belenenses sem ataque e com uma defesa lateral muito permeável: a imagem de Alvalade, Mourinho menos bem que habitualmente e com a velha pecha de pontapear a bola (à canhota) em lugar de a entregar com a mão a um companheiro. Murça e Pietra sem ganharem um lance. Quaresma a anular facilmente um Yazalde sem força para atirar ao golo. Freitas a alternar o pior (um auto-tento) com o melhor; safar o pontapé de Chico que ia direitinho lá dentro (58 m Quinito a tentar pôr a casa em ordem: mas a descontrolar-se a ponto de ir discutir com assistentes ao jogo. Estevão fora da condição física ideal: tal como Zezinho que sabe de bola a quinta parte do veterano «internacional». Godinho a rematar sempre para as nuvens, à doida: como à doida foram as corridas de Ernesto à procura nem ele sabia de quê. E, no meio disto tudo, Luis Carlos que entrega bem mas não foi talhado para o chuto eficaz. Salvou-se Pedro: pelo golo, pelo que fez, pelo que pode fazer, pelo entusiasmo com que conseguiu ainda ensopar a camisola, não obstante o terem castigado com 68 minutos de «banco».

Dinis não poderá recolher o esférico do passe de Peres: Murça está de braço dado com o fabuloso angolano…

SPORTING: LUXO E BRILHO

Dinis foi, como valerá a pena repetir, a mola-real do ataque do Sporting. Restituído à sua condição nata de extremo, o perna bamba deu um recital impressionante de fintas e de dribles, que reduziu Murça à configuração de um saca-rolhas. Se tem o pé afinado para o remate a história ficaria com muito para contar. Porém outros jogadores do Sporting saltaram para além da vulgaridade de José Carlos (má forma), de tristeza com que Botelho arrasta a sua actividade, com a falta de fôlego e força visíveis em Yazalde. Porque este Sporting de Lino já mudou a face a outros futebolistas: Pedro Gomes e Hilário voltaram a saber descer pelos corredores e Caló até parece o júnior que fazia boas exibições. Manaca (ofensivo) e Peres (regente da banda) combinaram arcaboiço com maleabilidade: da simbiose está a nascer uma dupla comparável a Matine – José Maria. Chico regressa ao estilo e ao valor que o trouxeram de Leixões cá para baixo e Nelson (vagabundeando no terreno) é um quebra-cabeças para defesas infantis como o ingénuo Pietra ou só de poder-a-poder como o despachante Quaresma.

E fica o retrato do jogo: um Sporting reconduzido ao trilho com que ergueu nome no futebol europeu e um Belenenses a suspirar pela hora da rendição. No meio disto o árbitro misturado com a bola.

Fonte: Diário de Lisboa

Ficha do jogo:

Sporting: Botelho; Pedro Gomes, Francisco Caló, José Carlos (c) e Hilário; Manaca e Fernando Peres; Chico Faria (Marinho 82′), Nélson Fernandes, Hector Yazalde e Dinis.

Treinador: Mário Lino

Belenenses: Mourinho Félix; Pietra, Alfredo Quaresma, Freitas, Alfredo Murça, Ernesto, Luís Carlos, Estêvão, Godinho, Zézinho (Pedro 67′) e Quinito.

Treinador: Zezé Moreira

Golos: Dinis 3′ e Freitas 54′ pb (Sporting) e Pedro 68′ (Belenenses)

Data: 12/03/1972
Local: Estádio José Alvalade
Evento: Sporting (2-1) Belenenses, CN - 22ª Jornada

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