RUGIDO VERDE

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Segunda-feira, Abril 29, 2024

Neste dia… em 1966 – Sporting goleia F.C. Porto por 4-0 na penúltima jornada e dá passo de gigante rumo ao título

FANTASMAS EM ALVALADE…

Por Fernando Soromenho

O Sporting parece ter vivido num mundo povoado de fantasmas: os seus, criados por uma imaginação que perturbou o raciocínio, tolhendo os movimentos, e os representados pelos portuenses, que tentaram dificultar ao máximo a tarefa dos antagonistas, com impecável desportividade.

Atormentado por uma ideia fixa, quais tenazes invisíveis, como se por debaixo de si estivesse medonho precipício se, porventura, o equilíbrio fosse periclitante, o «leader» ao ganhar por 4-0 (o futebol é fértil em enganos), chegou ao fim da viagem com a alma e o corpo dilacerados. Como se se houvesse embrenhado em denso e perigoso matagal batido por violenta tempestade. Nem com o 2-0, no seu saco, o íntimo «leonino» se libertou de complexos, dado que, na Luz, a proeza do Benfica acicatava o registo do maior numero possível de golos, objectivo defensável diante de um grupo reduzido a dez unidades, sendo o ausente o guarda-redes titular.

Esboçou-se, sem duvida, um drama quando a resistência e o talento do F. C. Porto, que desenhou a imagem de lago sereno, lograram manter o marcador virgem até às vizinhanças do intervalo (na Luz, registava-se a igualdade a uma bola). Um expressivo débito de velocidade de ímpeto, as armas convenientes para resolver a contenda antes que as complicações se avolumassem, definia uma acção que provocava compreensível angustia nas hostes «leoninas». Nervos mal dominados, e cansaço mal disfarçado. Efeitos de uma sobrecarga de esforços acumulados nos três jogos anteriores, se bem que a atenuante abranja o adversário que é feito da mesma massa, ou seja, carne e osso. Simplesmente, o F. C. Porto agia com o espírito desanuviado. Indiferente a consequências de qualquer natureza, conquanto se esperasse da sua parte a réplica dignificante. Sem nenhumas manchas.

O Sporting, enfim, transpôs o Rubicão, mas sem proferir, com a firmeza indispensável, a frase histórica: «Alea jacta est» (a sorte está lançada).

Dois golos discutidos (os dois primeiros), Américo expulso, jogo correctíssimo e precária emotividade, no trespasse para o exterior, foram as principais incidências do embate travado pelo Sporting e F. C. Porto ante uma cheia plateia, já que outros aspectos só servem para a análise do que se não fez, porque devia ser feito.

E vamos aos «casos», geradores de celeuma…

Foi na sequência do terceiro «corner» consecutivo que o Sporting se aliviou de fardo opressivo, a sete minutos do intervalo. Américo, ao mergulhar e Seminário, ao tentar captar a bola que o guarda-redes não segurara convenientemente, caíram ambos e o esférico saltou. Irregularidade? Regularidade? Américo, com desusada veemência, o que lhe foi fatal em virtude de o árbitro ser inflexível ao ordenar a sua saída, e os companheiros alegaram a irregularidade do lance e que Oliveira Duarte ingurgitou como se fosse manjar muito saboroso.

O sr. João Calado, com o nariz em cima do lance, não hesitou em sancionar o 1-0. Impressionou, pois, a sua pronta decisão, o que não significa assistir-lhe persuasivo fundamento. A mais de cem metros do acontecimento, afigurou-se-nos que a acção do avançado não foi lesiva. Mas, ao perto, a afirmação ganharia consistência mais sólida. O jogo demorou a ser reatado e, quando os ânimos se aquietaram, o avançado Carlos Manuel vestiu a camisola de Américo. A avalancha de protestos só redundou, «al fin y al cabo», em prejuízo para o F. C. Porto, amputado de um dos seus membros mais válidos, embora o substituto, no decorrer das operações, não fosse o responsável dos três golos averbados pelos lisboetas. Não foi «por ali que o gato foi às filhoses», no dizer do povo.

E consumou-se o 2-0, a quatro minutos do termo, descontado o tempo desperdiçado na acalorada assembleia. Alívio longo e Figueiredo em nítida posição de «offside», no momento do passe (o que é fundamental para se interpretar a lei) e no da recepção da bola (se um portuense lhe tocou, o que não vimos, fê-lo já com o avançado em falta, porque a bola descreveu uma longa trajectória, demorando a chegar ao seu destino).

A síntese exposta não invalida outro facto importante. É que tudo ficou a olhar para o fiscal de linha, que não agitou a bandeira, e tudo, também, ficou à espera de um apito que não soou. Só Figueiredo cumpriu o seu dever, prosseguindo no lance, porque nada lhe indicara o contrário. Da hesitação geral tirou, portanto, proveito, o avançado.

O jogo ficou arrumado no que respeita ao resultado, embora Almeida, aos 67 minutos, houvesse colaborado no 3-0, tardando no alívio isto é, lesto na progressão e expedito na acutilância, o rendimento teria sido outro. Mas o malogro filiou-se, também, na ausência de Américo, principalmente porque prida bola, o que possibilitou o estorvo de Figueiredo, e, depois, a recarga de Lourenço, e, 6 minutos decorridos, em lance clássico (impecável centro de Seminário) a recepção pronta de Lourenço concretizasse o 4-0 sem culpas para o improvisado guarda-redes.

Num despique de cariz lento, que redundou num espectáculo malogrado para o que contribuiu a intencional retenção da bola por parte dos nortenhos que, assim, lograram uma articulação tão interessante como meritória, a guindá-los a plano de realce no confronto inevitável, os «leões» voltaram a acusar deficiências da linha média para a frente, visto que a defesa se mostrou coesa e autoritária, renitente a que Carvalho trabalhasse. Certeza e confiança em Morais, Alexandre Baptista, José Carlos (que reapareceu bem) e Hilário, este a subir vertiginosamente para o seu máximo.

No «miolo» existiram desacertos na posição e nos endossos da bola. Peres, apesar de esforçadíssimo, pecou ainda pela imperícia nas recargas, quando Pavão baixou em rendimento físico.

Na frente, sem reparos à aplicação exemplificada pelo quarteto, apenas se salientou a inoperância, com relevância para Lourenço (o que se passa?) e Seminário, apenas visível na origem do 1-0 e 4-0, o que já não é mau. Figueiredo quedou-se em bitola bastante inferior ao que produziu nos três encontros anteriores, especialmente em Coimbra. Vigiado e infeliz.

O grupo nortenho correspondeu ao que dele dissemos em relação ao ultimo jogo. Foi, na verdade, um obstáculo que chegou a afligir os «leões». Com um ataque realizador, vou a vanguarda do concurso de um participante (Carlos Manuel). Suscitaram apreço as exibições de Pavão (será a revelação que o «onze» nacional pode vir a apresentar?), Pinto (pródigo em energia e determinação), Festa (a entrar na sua calha), Valdemar (combativo) e Nóbrega (a singeleza transformada em ameaça permanente).

O sr. João Calado (Santarém) arbitrou, para além do que se referiu, de modo autoritário, evidente na ordem de expulsão de Américo e noutras questiúnculas de menos importância. De resto, os jogadores facilitaram-lhe a missão. Quem não ficou satisfeito com o seu trabalho foram os portuenses…

Fonte: Diário de Lisboa

Ficha do jogo:

Estádio: José Alvalade Público:
Árbitro: João Calado (Santarém)

Sporting: Carvalho (cap.); João Morais, Alexandre Baptista, José Carlos e Hilário; Dani e Fernando Peres; Rodolfo Seminário, Figueiredo, João Lourenço e Oliveira Duarte.
Treinador: Otto Glória/Juca

FC Porto: Américo; Festa, Almeida, Valdemar e Sucena; Pavão e Pinto; Carlos Manuel, Manuel António, Amauri e Nóbrega.
Treinador: Virgílio Mendes

Golos: Oliveira Duarte 40′, Figueiredo 48′ e Lourenço 67′ e 72′ (Sporting)

Data: 24/04/1966
Local: Estádio José Alvalade
Evento: Sporting (4-0) FC Porto, CN - 25ª Jornada

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