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Sexta-feira, Dezembro 05, 2025

Entrevista Paulo Alves em 1996: «Sou amigo do meu amigo e incapaz de trair quem quer que seja. Em síntese: sou de Trás-os-Montes»

Paulo Alves Feliz na grande cidade

Ao contrário do que tem sucedido com outros futebolistas, Paulo Alves não sentiu grandes dificuldades de adaptação ao ritmo de vida, mais intenso de Lisboa. Transmontano assumido, diz que está no Sporting para marcar golos e ser campeão nacional. Da infância transporta a memória dos feitos de Jordão, Gomes e Nené. Da adolescência permanece o sonho de vir a ser engenheiro e a grande admiração por Van Basten. No presente alimenta-se da sua grande paixão pelo futebol e por uma profissão que o tem recompensado também financeiramente.

SOU DE TRÁS-OS-MONTES

QUANDO era criança, no recreio da escola primária, entretinha-se aos pontapés na bola e tinha a mania de que era o Jordão, talvez por ser alto e esguio como ele. Outras vezes, consoante os feitos dos goleadores de então, fazia de conta que era o Gomes ou o Nené. Mais tarde, a sua atenção virou-se para o holandês Van Basten, um ídolo para qualquer miúdo amante do futebol. «Sempre gostei da forma elegante de jogar de qualquer um deles», recorda Paulo Alves, o transmontano que se sente «bem em Lisboa», apesar da imensidão da cidade, que já o fez perder-se nalgumas ocasiões, e do corre-corre frenético das pessoas, por entre um trânsito de pesadelo. Talvez por isso, reconhece, o vezes sente «muitas saudades» da vida sem sobressaltos e tranquila que levava em Vila Real, cidade que deixou para trás há pouco mais de 10 anos.

Antes disso, completou sem a mínima dificuldade o 11.º ano – «nunca conheci o desgosto da reprovação» – no curso de Electrotecnia, e desde então tem vivido na dúvida se não se terá perdido um bom engenheiro. Mas tem uma certeza: a de que nunca se sentiu arrependido da opção feita pelo futebol profissional. O que não quer dizer que tenha apagado de vez a ideia de um dia mais tarde vir a dar continuidade ao curso a que, por influência de alguns amigos de adolescência, se dedicou «com paixão».

Para já, o futebol ocupa um lugar fundamental na sua vida e já não consegue imaginar-se a viver sem ele. «Ele representa quase tudo para mim», afirma, com total convicção, sentindo-se «justamente compensado» por uma vida que exige muito sacrifício, mas que lhe tem possibilitado assegurar «grande conforto» aos seus familiares, porque, como reconhece, é um jogador «muito bem pago».

O seu desafio imediato é, como se sabe, ajudar o Sporting a conquistar o título nacional, isto depois de, recorde-se, os «leões» terem ganho ao Benfica, em cima do risco da meta, a corrida pela sua contratação.

«O que lá vai, lá vai, e não adianta estar a bater mais nessa tecla», afirma Paulo Alves, procurando, assim, distanciar-se da polémica, que, inclusive, poderá ter esfriado algumas das suas amizades de infância.

A alegria de integrar um grupo forte e solidário

Do actual Sporting, Paulo Alves fala com entusiasmo, sendo notório que se sente contagiado pela ideia de que «este ano é que vai ser». E justifica a sua convicção, como se visse já a faixa de campeão colada ao corpo: «Temos todas as condições para vencer, porque o grupo de trabalho está forte, unido e solidário.»

Certamente, por isso, o jovem futebolista que o Sporting foi buscar à Madeira para marcar golos assume que – «por uma questão de feitio» – os seus objectivos individuais passaram para segundo plano, embora não esconda que seria «muito bonito» conquistar a Bola de Prata: «Acima de tudo, quero contribuir para chegarmos, desta vez, ao título nacional. Mas, se a esse objectivo puder acrescentar-se o troféu de melhor marcador, então a festa será ainda mais bonita», sustenta.

Mais a frio, encarando de frente a realidade, Paulo Alves reconhece, no entanto, que será difícil chegar ao título de melhor artilheiro do Campeonato. E por duas razões fundamentais: «As lesões têm-me impedido, por vezes, de ser titular; depois, o Domingos já dispõe de confortável vantagem.» Mas a esperança ainda lhe baila no sorriso, quando diz: «Quem me conhece sabe que não sou de desistir e, por isso, vou lutar até ao fim.»

É com esta mesma autoconfiança e espírito de conquista que rejeita a possibilidade de vir a ser afastado do «onze» ideal de Alvalade perante a forte concorrência de goleadores como Skuhravy e Iordanov. Isto porque se sente com capacidade e força e justifica porquê: «Tudo farei para ser o preferido do professor Carlos Queirós.»

Um apreciador de Eça e Saramago

Paulo Alves, o transmontano do ataque do Sporting, considera-se um «ponta-de-lança clássico», explicando que «é dentro da área que me sinto bem» e que a sua missão é «estar no lugar certo na hora certa».

Quando se lhe pergunta qual foi o melhor golo da sua carreira, pensa um pouco e acaba por enumerar três: no torneio particular de Toronto, no jogo com a Dinamarca, e dois muito mais recentes, nos jogos com o Tirsense e Inglaterra, este em Wembley.

Sobre os defesas que mais dificuldades lhe criaram em campo, cita os nomes de Naybet e Marco Aurélio, curiosamente seus actuais companheiros de equipa, mas cuja capacidade ele recorda dos tempos em que os defrontou ao serviço do Marítimo. Ao fazer o seu auto-retrato diz, sem pensar duas vezes: «Sou reservado, mas já fui pior. Sou amigo do meu amigo e incapaz de trair quem quer que seja. Em síntese: sou de Trás-os-Montes.»

Paulo Alves, que vai casar brevemente, vive sozinho em Lisboa e mata o tempo, sobretudo com o trabalho diário em Alvalade. Nas horas livres entrega-se à leitura de um bom livro ou a ouvir música. José Saramago e Eça de Queirós são os seus autores preferidos. Quanto a gostos musicais, coloca no «top» das suas preferências os grupos Queen e Pink Floyd, mas muito em especial a música clássica. «E um óptimo relaxante para as horas más e boas.»

Fonte: A Bola Magazine Nº104

Data: 01/01/1996
Local: A Bola Magazine Nº104
Evento: Entrevista a Paulo Alves

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