RUGIDO VERDE

Levantar e levantar de novo, até que os cordeiros se tornem Leões!

Sexta-feira, Maio 03, 2024

Neste dia… entrevista a Fernando Nelson Alves em 2014: «Sporting é o meu clube de coração»

Em Lisboa há mais liberdade entre os resultados positivos e negativos, no Porto há menos tolerância

Formado no FC Porto, Nélson Alves iria viver a melhor fase da sua carreira no Sporting CP. O lateral-direito, que chegou a ser avançado, fez parte da geração de ouro do futebol português que conquistou, em 1991, o mundial sub-20, em Portugal. O atleta gondomarense foi também um dos primeiros portugueses a passar pelo futebol inglês e deixou marca no Aston Villa, antes de regressar ao FC Porto. Castigado por várias lesões, o atleta iria terminar a carreira no V. Setúbal, aos 31 anos, mas o SC Rio Tinto ainda lhe proporcionou novos desafios como jogador e presidente.

Começou a sua carreira no FC Porto, com o seu irmão, mas também jogava futebol no campo da Ferraria?
Eu e o meu irmão começámos a nossa formação no FC Porto, apesar da minha infância ter sido passada na Ferraria. Desde que me lembro, joguei sempre no campo do Rio Tinto. Andávamos sempre em conjunto e eram cerca de 300m até ao campo da Ferraria, que era o único espaço para jogar futebol.

A sua mãe chegou a dizer que, a certa altura, não vos dava dinheiro para o autocarro que vos levava para o campo da Constituição, na esperança que perdessem a paixão pelo futebol. Essa história é muito curiosa…
É verdade (risos). Íamos os dois a pé, desde Rio Tinto até à Constituição. Havia dias em que chegávamos ao campo com a roupa toda molhada e depois do treino continuava molhada. Aconteceu muitas vezes, mas nunca pensámos em desistir, porque o nosso sonho sempre foi jogar futebol.

Apesar de ser conhecido como lateral-direito, a verdade é que começou por ser avançado na formação do FCP. Quando se deu essa mudança?

Fiz três anos de formação no FC Porto, um ano no SC Rio Tinto e depois os meus últimos três anos de formação foram já no Salgueiros. Na passagem de júnior para sénior o treinador Filipovic fez o primeiro treino conjunto da época e, ao escolher o plantel principal verificou que não tinha nenhum lateral-direito. Só faltava eu e fiquei escolhido para essa posição. Quinze dias depois era titular do Salgueiros.

Mas foi a sua formação de avançado que contribuiu para as características ofensivas que tinha?
Sim, eu estava habituado a atacar constantemente, era bom no um para um, libertava-me dos adversários e desequilibrava. Isto tudo associado a um defesa, só o valoriza mais. Antigamente os defesas eram mais fixos e não subiam tanto.

Gostou dessa mudança de posição?
Não me chateou. Vi ali uma oportunidade que tinha que agarrar. Hoje tenho pena de não ter sido avançado porque era aquilo que mais gostava de fazer, mas estou consciente que se tivesse sido avançado nunca teria tido a projeção que tive.

O que retirou da primeira experiência no FC Porto?
Foi muito importante. Era um clube de topo e a minha ida coincidiu com a entrada do presidente Pinto da Costa, em 1982. Na altura, em termos de formação, foi importante ter bons orientadores no início da carreira. Estou grato por isso, independentemente do que veio a seguir.

Depois dá-se a passagem pelo SC Rio Tinto, mas passado um ano vai para o Salgueiros, onde passou a ser titular. Mais tarde é convocado por Carlos Queiroz para o mundial sub-20 que Portugal iria vencer…
É o momento mais marcante da minha carreira. Estava a representar Portugal, a jogar em casa e com os nossos adeptos. Foi a geração de ouro que conquistou dois mundiais de sub-20 seguidos e Portugal vive ainda hoje um reconhecimento futebolístico, fruto dessa seleção. A partir daí começámos a participar em grandes eventos desportivos com maior regularidade. Tivemos a seleção de 66, com o Eusébio em destaque, depois em 86, a seleção de Chalana, e só com a geração de ouro é que voltaram as participações regulares, já depois do Campeonato do Mundo do México, em que se deu o caso Saltillo. No fundo, o que foi conseguido com esses dois títulos de Portugal no mundial sub-20, foi valorizar os treinadores, os jogadores e as equipas portuguesas. Tudo isso levou a que hoje Portugal seja respeitado internacionalmente.

O que sentiram os jogadores quando souberam que iam ter que defender o título mundial, em Portugal?
Foi único. Tínhamos a responsabilidade de defender o título e cumprimos na íntegra. Foi inteiramente merecido e marcou as nossas carreiras.

Acabariam por vencer, contra o Brasil e na marcação de grandes penalidades. Como viveu esse momento?
Acabei por me lesionar aos 10 minutos de jogo, depois de ter sofrido um toque do Roberto Carlos. Fiquei no balneário e ainda foi mais difícil. Preferi não assistir aos penaltys e correu bem para nós.

“Quem ia a Alvalade ficava agradado com o que via”

A prestação no mundial sub-20 iria despertar o interesse do Sporting CP. Foi a melhor fase da sua carreira?
Sim. Na altura o Sporting CP apostou num plantel jovem, que tinha uma média de idades inferior à do plantel atual. Eu, o Peixe, o Figo, o Paulo Torres, o Filipe, o Marinho, o Capucho e o João Oliveira Pinto éramos todos miúdos e titulares do Sporting. Conseguimos dar esperança ao universo sportinguista e por dois anos estivemos prestes a vencer o campeonato. Quem ia a Alvalade ficava agradado com o que via.

É possível avaliar a qualidade do plantel pela sua juventude?
Eu acho que a juventude acrescenta muito valor a uma equipa, mas tem que haver um equilíbrio entre a juventude e a experiência dos jogadores mais velhos, mais tranquilos dentro do campo.

Depois transfere-se para o Aston Villa. É um dos primeiros jogadores portugueses a atuar na Premier League…
É um campeonato fantástico a todos os níveis. Agarrei a titularidade logo na primeira época. Para mim é o melhor campeonato do mundo. É um ambiente frenético e ensurdecedor. No segundo ano trocamos de treinador a três meses do final da época e o mister John Gregory, colocou-me de parte. Mais tarde percebi porquê. Ele vendeu-me a mim, ao Savo Milosevic, ao Sasa Curcic, ao Dwight Yorke, ao Steve Staunton e ao Mark Bosnich. Foi um desmontar da equipa, que hoje ainda paga a fatura desse momento.

Quando chegou ao Aston Villa o plantel já o conhecia?
Fui muito bem integrado. Respeitaram-me muito porque eu vinha de uma seleção que tinha participado no Europeu de 1996, na Inglaterra. Portugal já metia respeito (risos).

Dois anos depois regressa ao FC Porto…
Na altura saí mal do FC Porto. Estava a disputar a fase final do campeonato com o Benfica e ao fazer um pontapé de bicicleta contra o Feirense parti o braço. No ano seguinte troquei de treinador e fui imediatamente dispensado. Para mim foi incompreensível porque era avançado titular e um dos melhores marcadores.

Como foi essa segunda fase no clube de formação?
Foi negativa. Nos primeiros sete meses tive cinco lesões, coisa que nunca me tinha acontecido. Eu agarrava as oportunidades que surgiam, mas por circunstâncias que me ultrapassavam via-me relegado para a equipa B. Isso criou-me um desgaste enorme.O terceiro ano foi o melhor. Ganhamos a final da taça contra o Marítimo, nesse ano (2000/2001), e depois houve uma proposta para ir para o Galatasaray, mas não aceitei. No quarto ano fui posto de parte.

Ainda chegou a ser treinado por José Mourinho, na última época no FC Porto. O que retirou dessa experiência?
O Mourinho ainda estava a preparar o terreno. Nesse quarto ano fui posto de parte e julgo que essa decisão foi da direção, por eu não ter aceite a proposta do Galatasaray.

Gostaria de ter deixado uma marca no FC Porto?
Penso que merecia isso.

Na altura, viveu o período complicado do plantel portista, sobre a liderança de Octávio Machado. O que se passava com a equipa?
Na altura os resultados e as exibições não eram as melhores. A pressão que começou a ser exercida por parte da massa associativa foi descomunal e o ambiente não era saudável. Por muita vontade que tivéssemos não conseguíamos dar a volta.

No total, jogou 18 clássicos FC Porto – Sporting CP. 14 com a camisola do Sporting CP e quatro com a camisola do FC Porto. Eram jogos especiais?
Dentro do campo somos profissionais. A rivalidade fica com os adeptos. Além disso a relação entre o FC Porto e Sporting CP, nunca foi má. Eu, o Peixe e o Capucho já tínhamos jogado juntos no Sporting CP e depois passamos a ser do FC Porto.

Há grandes diferenças de mentalidade entre o FC Porto e o Sporting CP?
Há. Em Lisboa há mais liberdade entre os resultados positivos e negativos, no Porto há menos tolerância. Em termos disciplinares, o FC Porto era muito mais incisivo. A comunicação do clube também era muito mais pensada no FC Porto.

Antes de terminar a carreira ainda cumpre duas épocas no V. Setúbal…
Se já na época anterior não tinha competido, no V. Setúbal – apesar de ter sido titular – com uma equipa muito boa, acabámos por descer de divisão. As pessoas não gostam que se fale em arbitragens, mas nesse ano o Vitória foi muito prejudicado. Começámos muito bem o campeonato, mas depois tivemos uma fase de resultados negativos. Fomos descendo na tabela classificativa e não conseguimos sair de lá. Faltavam quatro jornadas para acabar o campeonato e já sabíamos que íamos descer de divisão. Nas últimas três jornadas, ganhamos dois jogos e empatamos um, inclusive ganhamos em Alvalade, na despedida do estádio.

“Se a atual direção tivesse entrado quando eu saí, o clube estaria hoje muito melhor”

Foi aí que decidiu acabar a carreira, mas ainda ia jogar mais um ano no SC Rio Tinto. Como surgiu essa oportunidade?
Antes disso fui jogar futsal oficial pelas escolas de Gondomar. Participávamos na divisão de honra da AF Porto que dava acesso direto à 3ª divisão. O ritmo era completamente diferente e eu não sabia jogar futsal, era totalmente diferente. Tive que me readaptar, mas acabou por ser interessante. Acabei por fazer um curso de gestão desportiva na Universidade Católica, mas as oportunidades nunca surgiram, até que fui convidado pelo SC Rio Tinto para ser vice-presidente e responsável pelo futebol sénior e futebol de formação. Ao mesmo tempo pediram-me para calçar novamente as botas e ajudar o clube. Como fui sempre um apaixonado pelo futebol, aceitei o desafio.

Mas mais tarde até lhe pediram mais, queriam que fosse o presidente.
É verdade. Queriam que eu fosse o responsável máximo do clube e eu fui eleito durante dois anos, de 2006 a 2008. Lutámos para não descer de divisão, mas o mais importante para mim foi sanear financeiramente o clube. Em parte, conseguimos isso. Foram anos duros mas que valeram essencialmente pelo trabalho feito na formação. Não continuei por motivos pessoais, mas o trabalho deveria ter sido continuado. Se a atual direção tivesse entrado quando eu saí, o clube estaria hoje muito melhor.

Em 2008, disse que a FPF estava mais preocupada com a cúpula do futebol profissional e esquecia a base, nomeadamente os clubes locais. Acha que isso ainda se verifica?
Essas palavras têm cinco anos e estão-se a confirmar. Hoje fala-se dos jogadores brasileiros naturalizados que fazem parte da seleção nacional. Isto é olhar para o lado e não querer resolver o problema.

Continua a acompanhar o SC Rio Tinto?
Ainda continuo a acompanhar o clube. Agora estou mais distante mas sempre que posso venho ver um jogo e almoçar com os atuais dirigentes do clube. Há sempre forma de acompanhar o SC Rio Tinto.

Respostas rápidas:

Clube de coração:
Sporting CP.

Estádio em que mais gostou de jogar:
Estádio Eng. Vidal Pinheiro, do SC Salgueiros, pelo simbolismo que tem.

Melhor ano da carreira:
Tive anos fabulosos no Sporting CP, no primeiro ano do Aston Villa e nos anos do Salgueiros.

Cristiano Ronaldo vencedor da Bola de Ouro:
É um justo vencedor.

Morte de Eusébio:
Era o expoente máximo da representação nacional a nível internacional. Um verdadeiro exemplo do saber estar na indústria do futebol.

Fonte: public.vivacidade.org

Data: 23/01/2014
Local: http://public.vivacidade.org/
Evento: Entrevista a Fernando Nelson

Artigos relacionados

Comments

Leave a Reply

XHTML: You can use these tags: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>