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Sexta-feira, Março 29, 2024

Sporting vencedor da Taça de Portugal a 1 de Julho de 1945

UMA “FINAL”

de impressionante beleza e de resultado indeciso até o fim

A tarefa dos “teams” e dos jogadores

Equipa que disputou a final. Em cima, da esquerda para a direita: Cardoso, Manuel Marques, Lourenço, Barrosa, Nogueira e Azevedo. Em baixo pela mesma ordem: Jesus Correia, Armando Ferreira, Veríssimo, Albano e João Cruz.

Crónica de Tavares da Silva

O futebol português não foge à regra. Em todos os países, à época fecha com um campeonato do sistema a eliminar. Torneios que, diferentemente dos que são em poule, não se arrastam enervantemente, vivendo de meia dúzia de golpes, rápidos e impiedosos. Que têm, como girândola derradeira e de efeito, um desafio que se chama final, o qual, sendo, na essência, uma contenda como outra qualquer, aparece aos nossos olhos como um jogo diferente de todos, com singular encanto e emoção, única. As finais são sempre grandes manifestações. A partida das Salésias ilustra a afirmação.

Porque há um elemento extrínseco ao Jogo, e que se chama sorteio, o qual, caprichosamente, favorece uns e prejudica outros, acontece muitas vezes, em semelhantes torneios, chegarem ao fim clubes que, nos campeonatos com a característica da regularidade, não passaram de modestos posições. Este ano, a Taça de Portugal, que Já nos tem acostumados no imprevisto, deu-nos a grata surpresa da presença do Olhanense no desafio de fecho de temporada. Felizmente que assim aconteceu. Deixámos, ao menos, o mundo tão nosso conhecido, e por vezes já um pouco fastidioso dos consagrados.

Cardoso em acção.

A maior parte dos vaticínios eram a favor do Sporting. Naturalmente. Dado o fundo e a maior categoria da equipa. E também isto, que pesa muito na balança do futebol: estar de um lado um grupo que tem por hábito ganhar sempre ao outro. Porque, caso curioso, os algarvios só não levaram ainda a melhor com a gente leonina. Mas a favor da vitória do Olhanense militavam várias razões que, em síntese, se podem referir da seguinte maneira. Enunciá-las é, de resto, apresentar elementos valiosos para podermos apreender, em toda a sua extensão, aquilo que se passou nas Salésias.

O Olhanense, não tendo topado no caminho adversários fortes, chegava a Lisboa relativamente fresco e com as suas energias bem despertados e tonificadas. Ao passo que o Sporting, com uma meia-final que fica na história, chegava à meta visivelmente extenuado. Acrescia ainda que, estando castigado Peyroteo, e posto fora de combate, por assim dizer, Jesus Correia, todo o conjunto se deveria ressentir de males tão graves. Tinham razão uns e outros, As desgraças sportinguistas nivelaram ainda mais as forças niveladas. O resultado dependeria muito de um golpe de sorte… Na realidade, assim aconteceu. A sorte inclinou-se para o Sporting, o único que conseguiu marcar, e precisamente numa altura em que o seu adversário já não podia responder. Faltavam uns escassos minutos. O team, que, de modo geral, tinha sido suplantado pelo seu adversário, veio afinal a ganhar, e não se pode dizer que imerecidamente. A sorte auxiliou-o, é certo. Mas o desalio das Salésias é daquela espécie muito conhecido em futebol – em que qualquer dos adversários pode vencer.

Por felicidade, o jogo disputou-se em terreno relvado. Caso contrário, com o vento que soprava, estranho e variável, não se sabendo ao certo quem era o favorecido ou o prejudicado, não teria graça nenhuma. Que, mais ama vez ficou provado não ser nada fácil jogar contra o vento, com a obrigação de dominar tão perigoso adversário.

O Olhanense não se deixou intimidar pela categoria do adversário, nem pela sua fama, apresentando-se disposto a dar a melhor medida das suas possibilidades, Há muito se sabia que os algarvios assentam o seu futebol em bases sólidas, como sejam a velocidade, a energia e uma prodigiosa actividade, que lhes deu foros, em todos os tempos, de adversários temíveis. Mas o que ainda nem toda a gente sabia, e ficou agora sabendo, é que o Olhanense joga e faz futebol, no sentido de coordenação de esforços e ligação de movimentos. O team não nos aparece quebrado, com altos e baixos, células valiosas e outras de somenos valor, mas surge-nos com equilíbrio notável em todas as suas partes componentes, dando-nos, assim, a nota característica que marca e define os grandes teams.

Quer dizer: o grupo não vai para o campo à aventura, mas disposto a abrir a cartilha e a explicar vários lições do jogo. Essa explicação surge através do domínio de bola dos seus componentes, e da rapidez e perícia com que todos os golpes são executados, É claro que isto só se consegue com certa média de jogadores de classe, se bem que alguns deles se destaquem nitidamente. Pelo menos, um. Num orfeão, em que a disciplina de conjunto é absolutamente imprescindível, também há os que cantam a solo, e isso não tira harmonia ao referido conjunto.

A primeira parte foi sensivelmente equilibrada. Jogou-se num campo e noutro, com empenho. Todavia, mesmo nos períodos de domínio, o jogo sportinguista saía mais desligado, excepção para alguns movimentos da face inicial, realmente de bom jogo, mas carecendo de calma no remate. Mas isso é escusado pedir. Já se sabe que, dificilmente, um jogador português, com a bola nos pés mas em más condições de remate, por limitação do ângulo em que a bola poderá entrar, a dará a um companheiro que, em frente dos redes, isolado e sem ninguém a apoquentá-lo, a enfiaria pela certa nas balizas. Ou ainda que haverá um remate forte, quando ama bola colocada seria fatal para o adversário.

Ao jogo de melhor combinação por parte dos algarvios corresponderam também os remates de melhor direcção, destacando-se uma autêntica preciosidade do avançado-centro, que, batendo na trave alta, ressaltou para o terreno sem outros consequências que não fosse um grande susto para a gente leonina.

Na segundo parte, o panorama apresentou melhores cores para o Olhanense, cobrindo-se o campo sportinguista de nuvens negras. Por ironia do destino, Os algarvios perderam nesta parte por uma bola e no fim do jogo, como já dissemos. No entanto, dava gosto ver os seus homens em acção e o excelente entendimento da linha medular com a atacante. A bola era recebida por um avançado, dominada de pronto e depois jogada com rapidez desconcertante para o companheiro em sítio mais cómodo, numa sucessão de golpes ligada pelo chamado fio de jogo.

É certo que o Olhanense nunca pode descerrar a defesa, mesmo, porque, em galopes, os avançados lisboetas se davam a incursões, e algumas delas com perigo. Mas não é menos verdade que o jogo algarvio era eminentemente de ataque. Nem sequer se podendo acusar a avançada olhanense de falta de remate, pois alguns pontapés saíram com esplêndida direcção e força suficiente. Mas estava nas balizas leoninas um guarda-redes, um homem que, quando em tarde sim, só se deixa bater pelo golpe fulminante, sem apelação possível.

Corte de Manuel Marques.

Uma das coisas mais curiosas no team algarvio é o facto de, num futebol rápido e fresco, de boa inspiração, não se ter perdido o sentido da marcação, na técnica moderna a que os algarvios aderiram.

Já o mesmo não sucedeu no Sporting, e daí a grande razão da sua desorganização. O team quebrou nitidamente pela linha média. Isto não significa que os médios não tivessem lutado, pondo na luta todo o seu entusiasmo. Simplesmente, eles cometeram um erro tremendo esquecendo-se da vigilância, unidade por unidade, de cada homem do ataque inimigo. De sorte que, na eterna luta daquele que ataca contra o que defende, e em que as forças estão normalmente distribuídas com igualdade, sucedeu que o ataque algarvio foi sempre mais poderoso, em virtude de vários jogadores se encontrarem à vontade, libertos da vigilância, com oportunidades pera fazerem tudo que lhes apetecesse. Só o não fizeram porque o trio defensivo sportinguista, em tarde grande, destas que ficam gravadas a letras de oiro, resistia a todas as investidas, anulando as idéias e as iniciativas mais perigosos ou mais bem desenhadas.

O Sporting alinhou: Azevedo; Cardoso e Marques; Lourenço, Barrosa e Nogueira; Jesus Correia, Armando Ferreira, Veríssimo, Albano e João Cruz.

Azevedo esteve um portento, não tendo um deslize ou má intervenção. Com golpe de vista e agilidade magníficos. Cardoso e Marques constituíram uma parelha segura. Cardoso fez jogados primorosas, daquelas que só uma pessoa que sabe jogar muito bem pode fazer. Marques, com intervenções fulgurantes de rapidez e oportunidade. Lourenço foi um belo operário, não repousando um instante; no entanto, raramente conseguia passar em boas condições. Barrosa deu-nos uma das suas piores exibições, vagueando no terreno sem encontrar o seu sítio. Nogueira, diligente, na sua maneira, viu-se e desejou-se para não ser dominado pela velocidade e pela maior garra do homem que lhe competia marcar (consideramos indesculpável a sua violenta entrada), Jesus Correia, fortemente handicapado com a sua lesão, fez apenas esta pequenina coisa – marcar o goal do triunfo. De Armando Ferreira, de quem nos tinham dito maravilhas, apregoados, de resto, em letra de forma, é cedo ainda para falar. Não realizou em todo o desafio um dos seus famosos passes com o pé contrário.

Presidente, Barreira de Campos e Director, Isaac Sequerra, festejam efusivamente no final do jogo.

Veríssimo deu-se generosamente à luta, mas é evidente que a tarefa era superior às suas possibilidades. Albano, que poderia ter desempenhado um excelente papel de ligação, embora num lugar para que não está fadado, por virtude dos suas condições físicas, não conseguia transformar-se nessa utilidade. João Cruz, trabalhador (o que nele é notável), foi sempre perigoso, mas de remate com o seu quê de loucura.

O Olhanense apresentou : Abraão; Rodrigues e Nunes; João dos Santos, Grazina e Loulé; Moreira, Joaquim Paulo, Cabrita, Salvador e Palmeiro.

Abraão inutilizou, num ápice, na jogada de que resultou a derrota, todo o seu excelente trabalho anterior. Rodrigues, forte e feio, como convém a um defesa, deu-nos, a par de coisas boas, várias intervenções inferiores. Nunes portou-se muitos furos acima do seu companheiro. João dos Santos foi o melhor algarvio no terreno. Já outro dia, contra o Atlético, a sua figura se destacara. É um elemento que sabe o que faz, que não perde a posição no terreno e que auxilia estupendamente os seus companheiros. Grazina também se conduzia com merecimento. Loulé nitidamente abaixo dos outros médios. Moreira tem categoria para se tornar notado: rapidez e domínio, devendo, no entanto, variar mais os seus golpes. À força de repetir a mesma coisa, o adversário já sabe o que ele vai fazer. Joaquim Paulo, apesar de não suportar o embate duro, é um interior à maneira moderna. Cabrita, eis a grande figura da grupo, com toques preciosos, passagem excelente e remate em conformidade. Salvador jogou menos do que seria lícito aguardar, mas revelou-se um bom avançado em tantíssimos ocasiões. Quanto a palmeiro, afigura-se-nos que está a desempenhar um lugar, para o qual tem pouca vocação.

Enfim, a Taça de Portugal está em poder do Sporting. Decididamente, o Algarve não a quis…

In Revista Stadium, 04 de Julho de 1945

Data: 01/07/1945
Local: Estádio Nacional - Lisboa
Evento: Final da Taça de Portugal

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Comments

  1. Nogueira82

    Que horror, este Sporting, que ganhava tudo no futebol e nem deixava nada para os rivais…
    Ainda por cima com dirigentes que não sabiam estar…
    Este não é de certeza o Sporting dos croquettes, dos amigalhaços dos lampiões e submissos aos interesses corruptos deste miserável país.
    Actualmente este Sporting, não tinha futuro.

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