RUGIDO VERDE

Levantar e levantar de novo, até que os cordeiros se tornem Leões!

Sexta-feira, Março 29, 2024

Neste dia… em 1978: Quando a lesão de Jordão contra o Famalicão, quase ia dando em revolução…

Sábado à noite em Alvalade, o Sporting recebia o Famalicão em jogo antecipado a contar para a 5ª Jornada. E nessa noite, embora o Sporting tivesse levado de vencido o jogo 3-0, o infortúnio voltou a bater à porta de Rui Jordão (a 12 de fevereiro de 1978, em pleno Estádio das Luz, Jordão já havia fracturado a tíbia e o perónio, após entrada do benfiquista Alberto).

O avançado sportinguista foi obrigado a abandonar o terreno aos 38’, após nova fractura na perna, agora num choque com o defesa-direito famalicense, José Eduardo.

Golo de Jordão (1-0).

O jogo até tinha começado da melhor maneira, com Jordão a abrir o marcador aos 14’ para a turma de Alvalade, mas estavam todos longe de imaginar o que viria a acontecer depois…

O acontecimento relatado por dois dos intervenientes:

Quantas vezes é que já jogou à bola, quis dar uma cacetada num tipo e não conseguiu? E quantas vezes acabou por dar sem querer? Foi uma coisa incrível, tenho tudo gravado na cabeça. Pensei que o Jordão estava a fazer fita e ainda o insultei quando ele estava no chão. “Levanta-te meu maricas, meu pane…”; levanta-te lá, estás a fazer a ronha!” Depois gerou-se aquilo tudo: o treinador do Sporting saiu do banco, deu a volta ao campo e veio insultar-me, tinha o estádio todo contra mim…

Foi do lado da bancada sul, antigo peão! O resto do jogo foi a equipa do Sporting a tirar de esforço comigo. Lembro-me do Keita, num canto, a ver se me pisava. No final do jogo os sócios assobiavam, faziam-se aos jornalistas. O falecido Neves de Sousa, que teve o azar de dizer que o lance lhe pareceu sem intenção, acabou por ver a cabine de rádio invadida. Tomei banho, tinha o meu pai à minha espera na porta 10 A, mas lá fora estava um ambiente de cortar à faca. Pego no meu pai, avanço e abrem-se alas… Oiça! Naquela altura bastava um tipo dar-me um toque e eu era linchado ali, bastava o clique! Quando chego à porta do autocarro, o treinador do Famalicão [Mário Imbelloni, um argentino que até treinou o Sporting em 1959/60 passou à minha frente e levou com uma pedra que lhe abriu a cabeça! Aquilo era para mim. Entrámos no autocarro e eu, armado em campeão, sentei-me no lugar do guia. Campeão do mundo! Chegamos à churrasqueira [do Campo Grande] e o autocarro parou, com polícia atrás e à frente, veio um velhote com um miúdo (depois vim a saber que era o avô e o neto) e bateu na porta do autocarro. Disse ao motorista para abrir, porque o senhor queria falar – eu é que estava a dirigir aquela orquestra toda! – e a polícia de choque dá-lhe com o cassetete nas costas. O homem cai de joelhos e diz: “Eu sou de Famalicão, só queria apoiar a equipa!” E o miúdo a chorar! Arrancámos, pedrada de malta que estava atrás das árvores e eu ali à frente. No dia a seguir estava doente, não me conseguia mexer com os nervos. Aguento muito bem o stresse, mas isso paga-se mais tarde, no dia a seguir.

Meses depois era jogador do Sporting. Na noite da lesão do Jordão cheguei a casa e disse à minha mulher: Sporting acabou-se, agora só Benfica ou FC Porto. Era sportinguista mas tinha as portas fechadas, de Rio Maior para cima era um tipo fantástico, daí para baixo era um bandido. Bom, hoje o Jordão é um dos meus irmãos. Quando cheguei, nos primeiros treinos estávamos sempre lado e éramos fotografados juntos. O Jordão era um senhor e é um grande amigo.

Excerto de uma entrevista de José Eduardo ao Jornal i em 12/02/2011

Jordão (Sporting) e José Eduardo (Famalicão)

Um Homem na Selva

Na noite de sábado, era propósito do jornalista ver e comentar o jogo entre o Sporting e o Famalicão, em Alvalade. Aconteceu, porém, que tal não lhe foi possível: quando do acidente sofrido por Jordão no lance rubricado com o minhoto José Eduardo, ao declarar aos microfones da RDP que o lance lhe parecera «puramente acidental, sem preconcebida ideia do defesa famalicense pretender partir a perna ao dianteiro verde-branco», viu (com tremendo espanto e muita mágoa) que Portugal ainda não é País onde cada cidadão tenha direito a opinião, mesmo que ela (para além de profundamente sincera) seja o puro reflexo do sentir e da verdade apresentada a seus olhos.

Esse simples ponto de vista, nada mais, serviu para despoletar uma situação que seria caricata se não tivesse estado a um passo da loucura mais feroz. Num breve segundo, um, dois, dezenas, umas centenas de assistentes, tomados como possessos, cavalgaram até junto das instalações da Imprensa e, deitando abaixo a porta que dá para a cabina da RDP, tentaram linchar (é o termo correcto) o pobre e indefeso jornalista que tinha tido a coragem de dizer o que pensava, de um simples caso de jogo de futebol. Valeu, na emergência, a serenidade do visado (desarmado, apenas tendo como defesa a sua esferográfica e o microfone).

Valeu, mais ainda, a abnegada intervenção de alguns dirigentes sportinguistas (Alberto Lourenço, Amilcar Cantarinha, Fiel Farinha), do sobrinho do presidente do clube de Alvalade (Luís Filipe Mota), de camaradas da Informação (Carneiro Jacinto, Manuel da Costa), em última análise de um pelotão de guardas da PSP que, a muito custo, lá conseguiram que os assanhados sujeitos que faziam o cerco à presa debandassem para outras paragens onde a sua força para o trabalho encontrará veículo para o extravasar de energias acumuladas durante o quotidiano.

Tivémos de deixar o Estádio do Sporting muito antes do termo do jogo, com uma triste ideia de como é a multidão. Há meses, quando Jordão (na Luz) foi vítima de uma entrada que o atirou para o hospital, ouvimos das boas e das bonitas por termos censurado um colega do angolano que nos parecera ter ido ao sportinguista com certa violência na ponta das botas. Desta vez, porque (em contrapartida) não atinámos qualquer intuito idêntico no defesa do Famalicão directamente ligado ao percalço do jogador sportinguista, estivemos quase a esticar o pernil. Mal com os homens, por amor de el-rei. Mal com el-rei, por amor dos homens. Resta-nos a certeza de que nunca nos enfeudaremos aquilo que não for justo e correcto e certo e inamovível dentro da honestidade com que sempre norteámos os nossos escritos ou as nossas palavras. Em contrapartida há, a esta hora, quem tenha necessidade de um acto de contricção: ou, no mínimo, de olhar para o espelho e ver a triste figura que fez, na noite negra de Alvalade.

Neves de Sousa, Diário de Lisboa 25/09/1978

Jordão a ser assistido fora do terreno de jogo.

Em jogo apitado pelo árbitro Árbitro: Vitorino Gonçalves (Aveiro)

O Sporting alinhou com: Botelho; Bastos, Laranjeira (Capitão), Zezinho e Inácio; Meneses, Ailton, Keita; Jordão (Vítor Manuel 38′) , Manuel Fernandes (Zandonaide 75′) e Manoel.

Golos: Jordão (14′), Keita (44′) e Manuel Fernandes (65′)

Data: 23/09/1978
Local: Estádio de Alvalade
Evento: Sporting (3-0) Famalicão, CN - 5ª Jornada

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