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Sexta-feira, Março 29, 2024

Oliveira: «Treinador-jogador resulta se for aceite por todos… e no Sporting não fui»


Mais um futebolista talentoso, neste caso, um dos melhores da sua geração, assumiu este ano a tempo inteiro a profissão de treinador, com um saldo que se afigura, para já, bastante positivo. Trata-se de António Oliveira, técnico principal do Marítimo, que entrevistado pela «FOOT» e colocado perante o facto de se iniciar profissionalmente num clube que tem como objectivo exclusivo evitar a descida de divisão, nos garantiu:

«Gosto de aceitar os riscos e sempre gostei de lutar contra as dificuldades. Não sou nenhum aventureiro e sei o que é que quero da vida. Sei, também, que a minha hora há-de chegar, faltando saber se é para o ano, se é daqui a cinco ou a dez. Hei-de ter oportunidade de provar a minha capacidade profissional não só em clubes que me contratam para não descerem mas noutros também. Não é que eu tenha muito para provar às pessoas: mas quero provar a mim próprio, quando chegar a oportunidade, que tenho capacidade para treinar as melhores equipas».

«Eu ando no futebol acrescentou Oliveira porque gosto do futebol, amo-o apaixonadamente e quero ser treinador, mas não quero ser treinador só por nove meses ou um ano. Também tenho consciência da realidade e das nossas limitações e sei que não é o mesmo treinar uma equipa com outras ambições e condições e treinar o Marítimo ou o Penafiel».

António Oliveira já por duas vezes fora encarregado, anteriormente, do comando técnico de equipas de futebol, uma no Penafiel, cuja descida de divisão então evitou, e outra no Sporting, não tendo conseguido imitar o técnico que substituira, O inglês Malcolm Allison o último campeão nacional pelo Sporting.

Mas quer numa quer noutra dessas duas precedentes experiências, Oliveira era fundamentalmente jogador profissional. Só por circunstâncias específicas dos dois clubes acumulou as funções de treinador. Estava então, no apogeu como praticante de futebol. Desta vez, a situação é radicalmente diferente: não obstante Oliveira ter voltado a calçar as chuteiras e a participar episodicamente nas batalhas que o Marítimo está a travar contra a despromoção, o seu trabalho na Madeira é o de treinador-principal. Para isso foi contratado quando a equipa, ultrapassadas seis jornadas, somava quatro pontos correspondentes a duas vitórias em casa contra adversários do seu nível.

Posteriormente, Oliveira jogou em períodos curtos de alguns jogos mas ele próprio não atribui a esse contributo directo à equipa dentro do campo uma importância transcendente. Pelo contrário: garantiu-nos que, ao voltar a integrar a lista dos 16 convocados e ao entrar em campo em momentos fulcrais, apenas o fez para «por água fria na fervura» dos seus pupilos, confrontados com a possibilidade de ganharem pontos ou os perderem por imaturidade ou precipitação, num lapso de tempo.

«Nomeadamente no estádio do Restelo, contra o Belenenses, entrei próximo do fim do jogo porque o treinador do Belenenses mandara entrar outro ponta de lança e o nosso adversário começou a cruzar bolas por alto para a grande-área como forma de tentar desfazer a igualdade» – disse Oliveira.

«Era preciso recomendar calma à defesa – insistiu ele – pois os choques dentro da grande-área tornam-se muito mais frequentes e o árbitro poderia ser levado a marcar um «penalty» que anularia todo o nosso esforço para pontuarmos. Lá dentro era-me mais fácil recomendar-lhes calma e concentração».

Aliás, o técnico madeirense desfez as dúvidas quanto a este seu contributo como jogador ao Marítimo e quanto aos resultados assim conseguidos recordando que antes de ele retomar também a função de jogador já o Marítimo tinha iniciado a sua recuperação pontual. Disse mesmo que «o Marítimo já tinha ganho ao Penafiel, no Funchal, e empatado em Braga e na Vila das Aves comigo fora da lista de 16 convocados».

Ao pegar na equipa madeirense, Oliveira juntou logo nos seus dois primeiros dois jogos em casa mais quatro pontos aos quatro que o Marítimo ganhara com Mário Nunes a treinador, nas seis jornadas até então disputadas, no campeonato nacional da primeira divisão.

Seguiu-se um longo período de nove jogos sempre a perder, com a consequente perda de confiança de muitos sectores na capacidade de Oliveira poder salvar a equipa. Mas à 19.º jornada, com a vitória sobre o Penafiel, o Marítimo entrou numa escalada de sete jogos seguidos sempre a pontuar que lhe desanuviou o horizonte, colocando atrás de si um lote de quatro concorrentes e reforçando a convicção de António Oliveira de que pode, de facto, singrar como treinador entre as agruras da divisão principal.

Isso não impediu os mais renitentes em o aceitar como jogador-treinador – uma situação pouco frequente no futebol de alta competição e que ele próprio reconhece transitória e reassumida em circunstâncias muito especiais – qualificando Oliveira como homem para as equipas do fundo da tabela. O fracasso no Sporting seria a prova de que este qualificativo se justifica.

Só que António Oliveira recusa aceitar isso, assim como insiste em defender a validade da dupla função de jogador e treinador, assumida pela mesma pessoa, à semelhança, por exemplo do que está a fazer Dalglish, no Liverpool.

«As pessoas têm o direito de considerar que a minha experiência no Sporting foi um fracasso – admitiu – e que depois dela eu seria um treinador fracassado. Mas eu não penso assim. Esquecem-se que ganhámos a Supertaça, fomos aos quartos-de-final da Taça dos Campeões Europeus e classificámo-nos em terceiro lugar no campeonato, muito chegados ao segundo. Esta não é uma situação tão frequente nos últimos anos do clube, para que seja considerada um fracasso. Pelo contrário, acho que tive algum êxito».

Esta experiência no Sporting está bem viva na memória de Oliveira, como se depreende do que nos disse sobre a matéria:

«Tenho muita consideração pelas pessoas do Sporting e julgo que elas também a têm por mim. Ligam-nos fortes laços sentimentais e não tenho nada a apontar ao clube. Mas a verdade é que se a experiência não resultou melhor foi porque, enquanto no Penafiel, todas as pessoas aceitaram a minha situação do jogador-treinador, no Sporting não foi assim. No Marítimo está a acontecer o mesmo que aconteceu no Penafiel: as pessoas aceitaram esta situação e estão dispostas a colaborar, ajudar, todas a remar para o mesmo lado. E uma situação perfeitamente compatível e que pode trazer os seus frutos.»

«Quando as pessoas disseram que no Sporting não resultava a dupla função de jogador-treinador, enganavam-se. Só não resultava porque nem toda a gente a aceitou e apoiou. Eu dou o exemplo do Dalglish, no Liverpool, onde esta experiência também resultou. Mas é preciso que o jogador-treinador seja aceite pelos sócios, pelos colegas, pela Direcção e que todos estejam dispostos a colaborar.»

– Mas não se põem problemas de orientação da equipa? Do banco não se vê o jogo mais a frio para fazer as alterações que as circunstâncias imponham?

– perguntámos-lhe.

«Não – respondeu ele – se por um lado no banco se tem uma certa visão, dentro do campo tem-se outra até mais nítida, há mais percepção dos pormenores do jogo. Por um lado, se cá fora se pode fumar um cigarro tranquilo a fazer uma série de análises, lá dentro há maior atenção, pode agir-se num «timing» mais certo, sente-se ao vivo o fluir do jogo. Mas é evidente que para isso é necessário haver uma certa intuição. Quem não tenha jogado à bola se quiser ir lá para dentro e pensar que ajuda, não ajuda só atrapalha. É necessária uma certa intuição mas, fundamentalmente, repito, a aceitação plena por todos do jogador-treinador».

Uma provocação lançada a Oliveira-treinador:

– Quase escusava de lhe perguntar se quer voltar ao Sporting, mas agora para ganhar, como treinador…

«Eu não colocaria a coisa nesses termos. O Sporting é para mim uma coisa muito bonita, um sonho. Mas neste momento só penso em continuar a trabalhar, no Marítimo ou noutro clube qualquer, para alcançar os objectivos que me sejam propostos. Não estou na Madeira obcecado com a ideia de que, se fizer um bom trabalho no Marítimo me vai aparecer o melhor clube do Mundo. A minha preocupação é realizar os objectivos que me são propostos em cada momento».

À conversa com Oliveira, numa das recentes deslocações da sua equipa ao continente, recordámos meio a sério meio a brincar a sua «boutade» («Deixem-me sonhar») como resposta à hipótese de ir ao México como jogador, agora que voltou a polir as chuteiras. É evidente que ele, treinador que é, sabe melhor que ninguém a impossibilidade prática de tal acontecer, excepto em sonhos.

Mas acrescentou que irá, sim, ao México, por sua conta e risco, «como aluno aplicado e como observador atento para ver as novidades tácticas e de preparação das equipas concorrentes». Além disso, garantiu-nos que continuará, sempre que lhe seja possível estagiar junto de clubes estrangeiros, à semelhança do que já fez, por exemplo, no Real Madrid e no Barcelona.

«E quando tiver disponibilidades – informou Oliveira – voltarei a Inglaterra para tirar lá o curso máximo de treinador. Vou tentar continuar a aprender sempre com outras pessoas que tenham mais experiência do que eu na minha profissão».

«No meu entender, a minha situação é a de um médico que se forma e acaba o seu curso de Medicina. Ele estuda muito mais depois de se formar do que até acabar o curso. O treinador tem de estudar muito mais depois de começar a exercer a profissão do que antes, quando faz a transição de jogador para treinador. O futebol é uma caixa de surpresas e hoje tudo evolui, tudo se altera muito rapidamente.»

Em fim de entrevista e abrindo-se um pouco mais sobre as suas ideias de base acerca do papel que ele pensa mais ajustável ao treinador profissional, António Oliveira acentuou como lição deste ano de trabalho na Madeira, o facto de a maior parte dos treinadores ter abandonado os métodos empíricos, que fizeram escola no futebol português, o que encurtou as diferenças entre as equipas.

«Hoje exige-se um conhecimento mais científico da profissão e um domínio completo da metodologia de treino, já não basta fazer: é preciso explicar os porquês e pôr sempre em causa o que aprendemos e o que aplicámos na prática. Veja-se, por exemplo, a versatilidade táctica que a generalidade do futebol português já revela: hoje já não dá para dizer que se joga no 4-4-2 ou no 4-5-1. Na mesma jogada, em 10 ou 15 segundos, há três médios transformados em pontas de lança à procura do golo».

A síntese deste pensamento do treinador António Oliveira assenta na máxima de que é o sistema técnico que se deve adaptar aos jogadores disponíveis e não estes ao que o treinador pensa ser o futebol ideal.

Explicou, aliás, esta ideia a fechar este contacto com os leitores da «FOOT:

«A questão fundamental hoje é melhorar o jogador sob o ponto de vista físico, melhorar-lhe as suas condições naturais através do trabalho e depois escolher, dentro das disponibilidades os jogadores que melhor se adaptem aquilo que nós pensamos adequado à nossa concepção do futebol».

«Eu não posso jogar em contra-ataque se tiver dois jogadores lentos na frente; preciso de dois elementos rápidos que saibam sair para o golo e estejam mentalizados que os podem marcar. Quer queiram quer não, qualquer sistema táctico tem de ser montado em função dos jogadores de que se dispõe. São eles que nos dão a indicação de como se deve jogar, qual é a táctica, O sistema a utilizar para atingir os nossos fins.»

Fonte: Revista «Foot»

Data: 10/04/1986
Local: Revista Foot Nº18 Abril 1986
Evento: Entrevista a Oliveira

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